Coleção pessoal de SilvioFagno

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Sentir-me De Novo -

Fecharam-me todas as portas e
janelas,
deixando-me de fora, com frio e
com fome, feito um cão velho,
desnecessário.

Depois de tantos anos de angústias,
humilhações, decepções,
eu consigo, enfim,
sentir-me de novo (ainda que mutilado,
fragmentado).

Há anos não me sentia assim.

Sei que, ainda,
não consegui o que desejo.
Mas já não me importo.
Agora tanto faz.

Ainda é cedo
para mostrar que já é tarde,
mas todo falso sentimento
- que me trazia sempre migalhas de esperança -
agora me parece tão pouco,
insignificante, desnecessário
diante da imensidão de ser,
ainda que só,
verdadeiro.

Seja Feliz -

Ela
(ainda que fosse todo o motivo
daquela minha angústia
e tristeza),
num pequeno gesto de grandeza
me disse:
"O que eu posso fazer
para te ajudar?"

Eu
(com ódio da vida),
recolhendo todos os desejos
e vontades reprimidas
ao porão do meu sombrio
submundo,
num gesto covarde
com bravura, respondi:
Seja feliz!

A Elas -

Sejam doces ou amargas;
lindas ou descuidadas.

Mas sejam,
essencialmente,
poesia.

Restos Marcantes -

Sei lá...
Talvez todo esse peso
que sinto carregar,
sejam restos marcantes de pessoas
que se foram vazias
(de mim).

A vida
é aquele pequeno esforço diário
para limpar o chão da sala.

E nele cabe
tudo.

Gente Maldita -

Tem gente cuspindo na cara
de "Deus".
Em meio a preces
e orações,
tem gente cuspindo na cara
de "Deus".

Frequentando academias
e festas e igrejas e shoppings,
e cuspindo na cara de "Deus".

Cuspindo a sorte:
zombando da dádiva da vida,
da misericórdia,
do livramento,
do perdão.

Entre crianças e jovens e idosos,
tem gente muito, muito má,
cuspindo na cara
de "Deus".

Juntando as mãos em oração,
falsificando fé, crença, respeito,
dignidade, esperança, amizade,
amor.

Pedindo,
fervorosamente,
força e coragem e saúde e dinheiro
e, descaradamente,
rindo, rindo e cuspindo na cara
de "Deus".

Gente maldita,
hipócrita, sem caráter!

Poupem as crianças! Poupem as crianças!
Ao menos, as crianças!

"Deus", perdoe-nos:
sabemos o que fazemos.

Cumplicidade -

Entenda uma coisa:
para que duas pessoas deem certo
(por mais que existam diferenças
entre elas),
uma coisa é essencial:

cumplicidade.

Pois estando certas ou erradas,
elas sempre estarão
juntas.

Contra a Ignorância -

Quando quiser vencer alguém,
tire-o da zona de conforto;
do habitat natural.

Uma dica:

A grande maioria
não suporta o
silêncio.

Aparências -

A verdade
é que temos sido muito mais
de aparências,
do que de essência.

Espero,
ao menos,
que não morra a poesia
na alma do ser.

É Sorte -

Hoje,
eu que tinha à disposição quase cem contos,
perdi tudo,
num improvável e inesperado resultado.

É isto...
a sorte está aí.

Ela existe e aparece
a cada instante,
a cada oportunidade,
às vezes ou quase sempre
(por descuido,
desatenção,
vaidade),
desperdiçada.

Mas é sorte
sempre que acordamos,
quando temos o que comer no café da manhã,
embaixo do teto que nos proteje da chuva e vento
e violência das ruas.

Ela aparece naquela ligação diária
da sua mãe,
na roupa emprestada
pelo seu melhor amigo,
na cura dos gestos simples
do seu filho,
nos olhos castanhos da garota
que reconhece seus versos,
no cara que conserta sua TV a cabo,
naquele pôr do sol
visto da janela,
numa tarde de
sábado...

Não espere presenciar uma estrela cadente
caindo
ou ganhar na loteria
ou encontrar o amor da sua vida
para entender isso.

Um pouco de saúde,
casa e comida,
família,
alguns bons amigos,
vinho e chocolates
e um sonho
pelo qual se mover
já é motivo de muita sorte.

Vamos lá, abra o livro:
as próximas páginas precisam
ser escritas.
Ânimo!

Assim -

Eu queria mesmo
era que ela entrasse
agora por esta porta,
sem avisar,
assim,
de súbito e me surpreendesse
com um longo e caloroso
abraço,
cheio de saudades e sem pressa
alguma de partir.

Onde
tudo que pudéssemos sentir,
ouvir, dizer - ser -
ficasse reservado ao instante aqui,
assim:
lírico, leve, sereno,
como se ouvíssemos a mais bela canção
de amor num beijo demorado,
de olhos fechados,
em silêncio.

A Ilusão -

No fundo,
ninguém tem interesse
na cruel realidade
da vida:
a verdade e a mentira.

A ilusão: é ela que nos
resta.

É a fuga momentânea,
o acholimento instantâneo,
a sedação paliativa,
o breve conforto,
a sutil proteção (ainda assim,
tão necessária).

Inevitavelmente,
uma companheira humana
- cúmplice da esperança,
da imaginação e dos sonhos.

Contudo,
cedo ou tarde (no Tempo),
ela também morre.

E a nua e cruel e inevitável
realidade da vida
sempre prevalece.
Acredita?

Terrível Mal-estar -

Este
foi um domingo
em que eu só cheguei
até o portão de casa,
e somente para abri-lo
pela manhã
e fechá-lo à noite - em momento
algum fui
lá fora.

Ironicamente,
tudo que eu botava para dentro
voltava em seguida,
em agoniantes e sucessivos vômitos.

A minha irmã
(um pouco mais do que de costume),
foi minhas pernas e braços
me fornecendo alimentos, remédios - cuidados.

Passei o dia inteiro
com um terrível mal-estar
depois de passar a madrugada
bebendo,
consideráveis copos
de lembranças,
sentimentos malresolvidos
e saudades incuráveis.

Ah!
Teve um pouco de cerveja também.

É Carnaval -

Então,
é Carnaval:
ruas cheias de pessoas
coloridas,
fantasiadas de felicidade.

Em que a realidade
e a quarta-feira
são sempre de
cinzas.

Espera Eterna -

Porque
nunca será,
será para sempre.

O Espetáculo -

Confesso que não esperava,
naturalmente,
algo grandioso,
imponente, ainda que belo.

Mas era "maior" do que eu,
realmente,
via.

Mas,
o que eu,
de fato, olhava,
era,
verdadeiramente,
grandioso, imponente, belo aos
meus olhos:
Extasia.

Tanto que me arrancou a pluralidade
do espetáculo proposto,
e se fez um novo espetáculo (maior)
- nobre, lírico e singular:
Poesia.

Geração Descartável -

Esta
é uma geração totalmente
perdida
quando se trata de relacionamentos
amorosos.

Fomentada e intensificada
pelos agregados (fúteis,
egocêntricos, superficiais),
de outras,
os relacionamentos são movidos
à base de novidades.

Mas tudo que se convém exibir,
está à mostra,
de maneira tão explícita e
escancarada (como uma necessidade
do ego,
cheia de vaidade e exibicionismo),
que nada,
nada mais é novidade.

Por isso
tudo é ínfimo,
descartável,
fugaz.

Tudo é descontínuo:
nada dura.
Nada permanece.

Quem Sabe Um Dia -

Melhor assim:
sair enquanto há
tempo.

Depois eu volto e,
quando ninguém esperar,
mais uma vez, saio de
mansinho, assim:
calado,
pequeno,
quase dissolvendo.

E um dia,
quem sabe um dia,
entre a luz de estar (fugindo)
e a sombra de fugir
(estando ali),
por seu querer,
eu,
simplesmente,
fico.

E Sinto Muito -

Às vezes,
vou até a janela
em busca de alguma coisa
lá fora.
Alguma coisa
que eu não sei bem o que é.

Talvez
uma distração qualquer,
para uma fuga.
Algo que me faça,
por alguns instantes,
esquecer qualquer coisa.

Mas,
do alto da janela,
eu sei bem, com clara
certeza,
que a vista será sempre a
mesma.

Ainda que insetos se movam
no chão;
Ainda que pássaros deslizem
no céu;
No meio, estou eu:
lúcido e distante.

E a mesmice,
a brisa,
a calmaria do que eu vejo
lá fora,
não é nem sombra
do que eu sinto cá dentro.

(E sinto muito).

No Fundo -

A gente ouve e vê tanta coisa:
conselhos,
frases de efeito,
reflexões...

Coisas,
de fato, úteis,
necessárias que,
de alguma forma,
ajudam,
nos mostram algum sentido,
alguma luz,
alguma direção.

Mas o que,
de fato, a gente ouve
e vê,
ainda é muito pouco,
raso,
impessoal,
impreciso, perto do que,
realmente, lá no fundo,
a gente sente.

E isso,
ninguém explica.