Coleção pessoal de PensadorRS
Vazio existencial
Antes estar morto do que só
Em seguida de nascer o sol
Deveras penoso a quem ama
Tanto espaço em uma cama
Para sofrer, basta ter desejo
Se cegar de luz no lampejo
Imaginar um começo e meio
Sem pensar no fim, ele veio
Inútil culpar a circunstância
Se afogar na sua arrogância
Ou estar ébrio de desilusão
De tanto apanhar o coração
Equilíbrio é a dica do amigo
A um leigo que corre perigo
Que desconhece o buraco
Se acha forte, mas é fraco
Existem teorias fabricadas
Especialmente aos “nadas”
Do vazio existencial, hábito
Mas a autoajuda é um parto
Não deve ter saída mesmo
Viemos ao mundo a esmo
O que eu vejo, um outro vê
Nos seus fatos e no que lê.
Crença vaga
Vamos erguer o nosso templo
E iremos cobrar pela fé alheia
Teremos poder de persuasão
Para que a casa esteja cheia
Discursaremos sobre o além
Inventando histórias absurdas
Pois a dúvida sobre o pós-vida
Irá manter as pessoas mudas
Poderemos realizar exorcismos
Afinal nós fomos santificados
Possuindo um dom incomum
Ignorado em diversos teatros
Multiplicaremos a abrangência
Dominando alguns continentes
Professando uma crença vaga
Que promete curar os doentes
Obteremos enorme influência
Controlando parte da imprensa
E nos infiltraremos no governo
Para que a perda seja imensa.
E-lton e E-stela
Elton é um tanto quanto introvertido
Gosta de rock alternativo e de leitura
Sonha em comandar uma aeronave
Para poder voar longe da mesmice
Estela é vista como um bom partido
Está longe de ser uma garota burra
Não deve existir nada que lhe trave
Quando quer demonstrar faceirice
Começaram a dialogar e gostaram
Um fazia parte do dia a dia do outro
Trocavam informações relevantes
E até apareceram planos comuns
Diante de tudo o que eles falavam
Parecia nascer um casal de ouro
Com raros exemplos semelhantes
Porque possuía virtudes incomuns
Só que o contato foi apenas virtual
Para o desespero dos envolvidos
Que não conseguiram tornar real
Um sentimento de dois escolhidos.
Resguardo da pátria
Faz 15 anos que ele foi à guerra
E, desde então, não mais voltou
Sua mulher continua no casebre
Recordando tudo o que passou
Tantos planos estão esfacelados
Em nome do resguardo da pátria
Contudo, a bandeira bem tremula
Representada por militar ou pária
O governante motiva o confronto
Pois não terá de pegar em armas
Vê o desenlace pelos bastidores
Enquanto famílias são ceifadas
Não há real vencedor na batalha
Muitos entregam seu maior bem
Tratando com artilharia pesada
Fatalmente se dizima alguém
Histórias ricas resultando em pó
De corajosos que agora jazem
Um pranto que retumba no ar
É o dos que ficam à margem
A mulher ainda está esperando
Já que ele prometeu o retorno
Em uma promessa incumprível
Do soldado morto em Livorno.
Suposta preocupação
A vizinhança adora fazer fuxico
Fala com prazer da vida alheia
Se não tem história, inventa ela
De futilidade tem a cabeça cheia
Alguém perto comprou um carro
Então é impossível não comentar
Serve de alimento para a cobiça
Vira assunto no almoço e jantar
O vizinho gosta de outro homem
Que escândalo à família “de bem”
Ninguém conhece aquele sujeito
Entretanto julgam mal ele também
Grande entretenimento é fofocar
Para quem mediocremente existe
Olhando de camarote o restante
Sem ver a sua ignorância triste.
A propriedade inebriante da bebida alcoólica permite que reles mortais atinjam posições superiores, por isso é tão bem-vinda.
Desconectado
Disse que fui a uma festa no sábado
E apenas de manhã o agito terminou
Só que ninguém acreditou em mim
Pois nas redes sociais nada constou
Tem que estar registrada a presença
Por meio de uma foto para ela valer?
Preciso informar que estou no lugar
Para a turma toda finalmente crer?
Ando desconectado da vida virtual
E andando bastante pelas calçadas
Aí há quem diga que estou sumido
Porque não tenho palavras tecladas
Vai ver o real não vale tanto assim
À medida que fica nesta dimensão
Se tornou mais importante aparecer
Do que curtir o momento em questão
Tudo bem, permanecerei em offline
Encontrando uma razão fora do digital
Faço jura de pés juntos que eu existo
Com um sinal de fumaça ao pessoal.
Olimpíadas da decadência
Na modalidade da violência
O Brasil conquistou o ouro
Com famílias desesperadas
Acerca do tempo vindouro
Se tratando de desigualdade
No pódio também tem lugar
Uns têm muito, outros nada
E pouco adianta se queixar
Pro preconceito há medalha
De cor que dá para escolher
É mais fácil apontar defeito
Que outro humano acolher
Mas a solução é o jeitinho
Popular na nossa cultura
Mascarando o que ocorre
Dentro da realidade dura
Que comecem os Jogos
É época de comemoração
Palmas para a decadência
Que assola a nossa nação.
Momento de glória
Deve haver um instante inesquecível
Que recompense toda a sua trajetória
Discorra sobre quando o impossível
Sucumbiu ao seu momento de glória
É quando a vida lhe olha nos olhos, sorri
E você, sem ponderar, beija a boca dela
O necessário para a felicidade está ali
Com o céu colorido ao estilo aquarela
Nada melhor que cumprir o seu dever
Em uma atividade feita sem obrigação
Saboreando o doce gosto de vencer
Uma alma entregue verdadeiramente
É premiada ao desfrutar de emoção
Que será rememorada eternamente.
Boa parte dos conflitos da humanidade se resolveria se assuntos íntimos permanecessem entre quatro paredes.
Sobre a admiração
Você conhece alguém bacana
Que em outro município reside
Acha aquela presença incrível
Mas a localização não coincide
Então troca ideia com a pessoa
Por tempo suficiente a admirá-la
Porque é quase desconhecida
E você não tem por que criticá-la
Valorizam o momento partilhado
Até cada um seguir sua direção
E com certeza você irá recordar
Aquela companheira de ocasião
Assim declarou Millôr Fernandes
À principal revista que a Abril tem
Como são admiráveis as pessoas
Que nós não conhecemos bem.
Não existe final feliz se tratando de amor. Na melhor das hipóteses, o casal ficará junto até que um morra e deixe o outro com saudade.