Coleção pessoal de naenorocha

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CALMARIA

Horizonte calmo
Sem promessas
Mar sem riscos
O silêncio se contém
E não quebra um graveto.
O barco segue
Sem que se ouça
Os batimentos das águas
Cortadas nos dois lados
Da embarcação.
Tento e não consigo,
Cubro a cabeça com a camisa
E não consigo ouvir
Os batimentos do coração.
Com o cuidado de uma agulha
Vejo o meu lado esquerdo
Subir e descer.
Será minha respiração,
Será do meu coração
Quietos, silêncio das mãos.

REZA

Puxo ou não puxo a ladainha extensa,
Sem que a pretensa vontade de ganhar,
Apareça em letras, formas. Que apenas
Aconteça um fato, algo pra se calcular.

Baixo ou não baixo a litania das chuvas.
Não que se deseje água ou coisa assim
Apenas um ritual que a alma saúda
E sempre se espera tudo isso de mim.

Desço ou não desço o terço que conta
Uma extensa estória de aves!
De Santas, de DEUS
No começo e também na ponta.

A VIDA RI

Ontem eu vi a vida sorrir,
Vi seus dentes da cor do dia,
E vi seus lábios na cor do entardecer,
Boca molhada como um grito novo.

Ontem vi que a vida existe,
Que a morte não pode com um sorriso,
Por isso é séria e sem graça,
Eu nunca vi a morte sorri.

Hoje a vida continua a rir,
Como se estivesse de bem com ela,
Como se a contivesse um cadim
Refletida num espelho se vendo nítida.

Ainda hoje a vida rir,
Como se a felicidade não acabasse,
Como se uma conquista tivesse galgado,
A de ser vida, em tudo metida.

Ainda agora escutei gargalhadas da vida,
E não se cansa em mostrar-se feliz,
E agora eu sei, está esclarecido,
A vida não tem planos para partida.
naeno

AS BOMBAS

Vai-se a primeira bomba projetada
E vai-se outra, outra e outra em recorrência
E se estilhaçam no meio de habitadas
Uurbes, Países, em demência..

As retardadas ogivas que se demoram
E só agora as despertadas, vão
Partem como aves em vôo se entroncam
No desperdício caminho da visão.

Até os corações abotoados ocos
Montados sobre o dorso do mal calisto
Não retornam nunca e fazem pouco

Dos que desdenhados alvos ilícitos
Tendem mesmo à morte o corpo
O bojo ajuntado de farelos iscas.
Naemo

BULIÇOSO

Na calçada o vento ler os meus poemas,
Numa velocidade motorizada.
Além do que meus olhos podiam acompanhar
Exposto agora estou,
A tantos quantos ele segreda,
Saberão dos meus delírios, minhas frustrações,
Meus rompantes de amor.
Todos saberão que não ando feliz
E itso me faz sentir uma revolta num repente,
Resultando numa indignação maior
Do que uma violação na carne.
Eu cá comigo guardava os batimentos
Dos meus versos.
O vento entorna, e mais interessado
Volta a reler meus papéis
E comenta, me condena.

Eu ouço, no vai e vem incontrolável
Das dobras nas páginas marcadas,
Acentos, riscos, abalizados
De onde suponho o meu distrair maior,
Aonde acredito haver
Algo que me comprometa
Pelos meus incógnitos pensares
Que o vento não traduziu,
Partes pequenas que a ele bastou
Para agarrar-se a mim,
No desejo de entender e dizer
De um pobre poeta,
De gramática,
Só, verticalmente estático.

Naeno*com reservas

MEU MENINO

O menino que fui está distante
Andando sobre algum lajedo,
Vendo o resto das águas acumulado em poças
Buracos que ainda cabem peixes,
Proporcionais, ao tamanho de mim.
Falo das poças dos peixes de ornamento
Querendo saltar o menino, que por aí chora.
E tudo eu faria para ir buscá-lo,
Ter sua companhia, minha que falta
Um pedaço que ficou, melhor
Do que o que se ajoelhou , rezou e partiu.
Eu queria o menino aqui comigo,
Mas como reverter as luas, transgredir as estrelas,
Os invernos que começaram e findaram,
Tantos peixes que no fim morreram.
Mas eu, se me conheço,
Não me dei tempo, e assim mereço.
O menino chora, a essas horas,
Em que as cigarras cantam pro além.
Onde pisam aqueles pés riscados de urtigas,
Onde transportam o menino, que a mim fustiga,
Sua desaparição, seu conforto de algodão,
Suas conversas longas e boas,
Tempos sorrindo à toa.
Com quem ele se parece agora?
Com as mudanças
Que à ele não se assentaram,
É do mesmo rosto, dos mesmos olhos,
É dos mesmos dias, que não se passaram,
Dos mesmos sonhos que não aconteceram.
As estacas de unha-de-gato
Devem estar ainda encostadas no pequizeiro,
Não suportam mais a casa que sonhávamos fazer.
Uma morada de quinze palmos de largura
E nove mãos de altura.
Lá íamos morar agregados de meu pai.
Mas quem para me ajudar agora,
Cavar, fincar estacas, subir a cumeeira,
Bater o piso de malho,
Pendurar as baladeiras, os bodoques,
Espalhar as esteiras
Para dormirmos ao meio dia.
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naeno*comreservas

MENESTREL


Ouvi de um menestrel
Das investidas de puro amor em seu corcel
Que o seu violão falava uma língua
Propensa a fazer morada no coração.
Que o desleixo de sua vida
E parecer-se cão sem dono
É que a cada estação,
Chuvoso tempo e de raro sol
Lindos cantos saiam de sua boca.
Um pinho, uma madeira às costas,
Já se ferindo roçando as encostas,
Onde o amor subira, pedindo me toca
Com teus dedos cegos.

A mão disposta por todas as cordas,
Um piano idêntico, de teclas amigas,
E a voz plangente daquele homem apeado
Amarrado ao cavalo, por ali comendo.
Ouvi de sua boca canções que nunca esqueço,
E quando me dou na ventura alegre,
De alguma me lembro,
Outras solfejo baixo,
Cá com o meu coração
Por tudo apaixonado.
Quando dou por mim amando intenso
Lembro do escondido canto
Que ele me guardou,
Num fundo sem fundo, entrando o coração
È essa a aventura, que me alegra tanto.
O menestrel das estradas
Lembro, o seu chapéu de barbicacho,
Nem lembrava ser todo esse riacho,
De águas perenes dos meus olhos inteiros
Que inda são de estação de inverno
Ainda ele insiste em ser meu cativo.

naeno*

TEMPO

O tempo tece a roupa que vestimos
É o destino suas mãos habilidosas,
Que em tudo muda os feitios, as aparências.
E o acabamento, a amarração firme
Dos pontos atravessados, nó por nó.
É este denominado assim porque,
Não é sujeito e também sujeito a nada
Mas tudo rege elevado da gente
E a cada um sente tirar, sente faltar.
Não é preciso um tratado de filosofia
Pra se chegar à conclusão efusiva
Que uma tesoura corta lágrimas
Que uma agulha segura a mão
A mão de acalmar, de diminuir a enxurrada
O tempo urde, enquanto o tear manipula
E a catapulta armada,
A vontade de cortar desertos,
Sobrevoar mares, ir mais que o tempo
Dele se iludir, e se enganar de novo.
Caçadas dentro de mim, já risquei fósforos
Iluminado o teu olhar me aquieta
Quando me diz é por ali a estrada,
Sinto-me desmotivado, me sinto imortal.
Se o tempo esconde os presságios bons
Os alentos das dores, que não nos põe na mão,
As duas feridas, de uma ferida a outra
Quatro chagas dissipando-se nos dois lados.
O tempo impune, não sei o quê,
Aprendi chamá-lo com este nome falso
Mas que existe e na passagem rouca
Pensa-se tudo, se corre da estrada.
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naeno*comservas

QUERER

Querer e poder são por dois olhos
Uma visão do extremado
E não do fim
A beleza que encanta e tanto eu olho
É o que vejo em em ti
E não há em mim.

O ter e o querer são, por prisão
A razão de fazer-seSem ter fim:
O esplendor de uma rosa
Quando ela abre
Os teus olhos também
Se alargam assim.

Bem dizer, mal dizer eternamente
Sempre o não
Quanto mais eu falo sim
O suor do teu corpo
Inteiro brilho
De um brilhante lapidado de mim.

O fazer e o benzer a obra feita
Algo bem findado assim.
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naeno*comreservas

PERTO DISTANTE AMOR

Nada fica tão longe de mim
Que não alcance em meu sonho
Mesmo que além da montanha
Mesmo que além do fim.

Teu riso dissipa tristeza
Que naquela estrela brilha
Teu riso refaz a trilha
Na qual reluz a beleza.

Como se o azul do mar
Lembrasse o branco da praia
Mordesse a manhã que raia
Quando assassina o luar.

Meu Deus que alumbramento
Essa distância sem igual
Que se impõe feito umbral
Do nosso vão acalento.

Pois a distância que tem
O bem da noite do dia
É a mesma que irradia
O teu querer no meu bem.
Naeno*

AMAR

Amar é um rito
Amar é um grito
Amar é um fito
Amar toca o mito
Amar é bonito.
Amar não é desdito
É o que faz renascido
Amar é rolar no infinito
Amar no infinitivo.
A carne no seu gemido
O mar, na sua mesmice
Amar é sair do sito
Amar é conter um grito
Amar é soltar um grito.
Amar é como gripe
Dá um cansaço esquisito.
Uma viagem aos limites
Trazer das estrelas o brilho
E na distância perdido
Ver o mundo, um granito
Pedaço de um quarto aflito
O interminável bendito.
Todos os beijos prescritos
Os gestos mais precisos
Que se consegue, um alarido.
Gente dentro da gente, inciso
Amar é o que tem cabido
A parte melhor, amor parido.
Amor, um nome, amar, da vida.
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naeno* com reservas de domínio.

VOLUNTÁRIO

Por um momento que durou sua vida toda
Ele foi do voluntariado de cuidar de tudo,
Passava à vista todas as manhãzinhas
As borboletas que nunca as alcançava dormindo
E saudava com o olhar mais venturoso,
Cheio de coragem, audácia e cor,
Os canários belgas postos ao sol nas sacadas.
E visitava de fora, o casulo no seu tempo
De rebento. Fazia emendas nas asas dos passarinhos
Triscadas pelos helicópteros invasores dos seus espaços.
Ia aos lixões demarcar pontos para os urubus,
E lhes dava conselhos, quão perigoso é o sul.
Fazia festa e quermesse para os beija-flores
E lhes beijava o bico, provando do néctar.
Dava nome e sobrenome a todos os outros,
Quem não era parente seu, era do seu amor
E assim amava o tempo, que não se ver
Só por querer criar condições lá dentro
Para que lhe fosse surpresa todo dia, a aurora.

MATULÃO
Vivo das lembranças
De levantar do chão meus pés andarilhos.
Nessas investidas, quase muito eu vi...
A florada no seu tempo certo,
E vi errado o argumento dos homens
Duvidosos das chuvas, de língua seca.
Morro das lembranças
Eu apanhando do chão
Meu matulão cansado da estrada
E eu um homem desertificado,
Orado, rezado, benzido pelas sombras boas.
Cacho de alecrim, pra espantar mutuca,
E deixar um cheirinho
Que a gente logo abusa.
E de noitinha ouvir a sinfonia mais desencontrada
Da saparia escondida nas locas.
Arengas na estrada de cobra e lagarta,
Araras no topo jogando migalhas,
Que até eu, com a fome no estômago, alimentada,
Pegava e comia, essas lembranças do chão.
Adoeço só de ver essas estradas raspadas,
E um céu descoberto, nem uma nuvem que se pise
Quanto mais me disto desses lugares meus.

PELO AMOR DE DEUS

Pelo amor de Deus.
Não vês que não aumentas
Nem contrai o meu coração, por sofrimentos.
Não crês na chaga vista, exposta, tão tormento.
E já não és capaz, da mesma fúria em tempo
Que os algozes voltem em seu momento;
De desfazer os nós, romper a corda extensa,
E nasceres de novo, criança e arrependimento.
Pelo amor de Deus, não há o que tu arrenegues
Se a guerra foi por tua parte mais entregue,
Não vês no corte aberto, que se escorregue
O pranto intento, intensa dor não há quem negue.
O rubro rosto, de mulher, que não se esfrega,
Nos bombardins, nos pelos, dos tiranos albergues.
Pelo amor de Deus, não vês que assim fazendo
Estás a desmanchar o riso em tua face, vendo
O teu orgulho puro entulho, animais remoendo
A dor que falta em ti, é a dor de mais do menos
E se ressentindo estás ao ver-me refazendo,
As malas, os remédios, eu todo me desfazendo.
Pelo amor de Deus, não vês que o homem é
Um bom sentido a uma mulher,
E não sabes se andas, pra que lado, quer,
A minha morte ou vida, areia ou maré.
Amor ou ódio, então, dis-me o que és,
Não desfolha em vão, descrente, um bem me quer.
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naeno*comreservas

PECADO

Apedrejem esta criatura culpada de todo o azedume de nossas vidas,
Foi ela quem ardilosamente tramou com os espíritos nossa descida.
E que nas noites em que dormíamos sonhando com as rosas
Foi ela quem lançou a praga irretratável e todas vimos fenecidas.

Lancem-na mais à frente, no meio dos condenados da inquisição,
É ela um ser disforme que sob a blasfêmia se cobre,
E nega a Deus, e dos prantos seus, nenhum tem o gosto da lágrima cristã,
Reneguem os seus feitos que por seu tempo já o bastante pra chamar-se cobra.

Eis o que destila a sua boca curta, os seus lábios úmidos, seu andar disperso,
E nem aprende a fala, dos nomes se esquece. Como entrega-la o nosso destino,
Se de queda em queda ela não tem calos, e o que pronuncia ninguém dintingue.

O que logramos em esperar por ela, ainda por pintar-se, uma branca tela.
Talvez se acerte em isola-la longe, e nos dias vindouros, vemo-la de novo,
Se o azar cessou, é só uma criança. Alguém diz promessa, no escuro, vela.

SONHEI

Te puxei pelo coração
E encostei a tua boca
No meu regaço beijei
Os teus cabelos de gosto
Da pessoa que eu amo inteira.

Apago da tua visão
Meu batom carmim
E te verei campina
Verde toda direção
Entre os montes cimo
Dos meus seios.

Eu sorvo toda a tua pele
Toda, tudo tão inteiro
E tudo será como eu quero
Como um beijar primeiro.

E onde tu me tocares
Serás como Midas
Mas não será o duro ouro
Vais ser minha comida
Te elevarei ao poço
Da minha vida
Rainha por um tempo bom
E eu terei caído.

Amor, amor, amor
Te chamarei, querida
Me sugarás teu beija-flor
Todo equilíbrio
Uma canção dos ditos
De Moraes Vinícius
E musicarei os versos
De Neruda, em vida.

NAENO

O DIA REPETIDO

O dia de hoje está como o de ontem
As mesmas luzes incidentais,
Os mesmos minutos perigosos
A mesma indumentária suada,
Os mesmos contadores postos.
A solidão que senti ontem
Hoje se firma na condição de sol
Do que tem em mim guardado
Prenunciando o mesmo tempo,
De claridade e jeito destoado.
Hoje se comprometem as rosas
Fulgurarem sobre o capinzal
Os gira-sóis acompanham o sol
Ora alegres, ora prevendo, ora tristes
Será, serão, e terão sido os dias
Com esta mesma presença obrigatória
Com a mesma cara que não se viu pela manhã
E não pressente a fúria impressa nela.
Guardem-se os dias, vamos às noites,
Ver algo novo no fulgor da lua,
E que sua claridade mostre
O que o sol presumiu não saber.
Venha a escuridão soturna.
De dias incompletos, quero viver.
Sem as astúcias como anda a luz
Ora nos mostra, ora se some
E o tempo todo ela é quer nos ver.
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naeno*comreservas

POBRESINHO

Pobre de mim
Que ainda espero por um beijo teu
Meu coração, na certa não entendeu
Que aquilo foi despedida.

Pobre de mim
Que fico triste quando alguém me diz
Que te encontrou de vida tão feliz
Eu era o teu pesadelo.

Só que quando eu me sinto assim
Tão pobrezinho
Eu desço a lata no fundo do poço de mim
E bebo do amor que é meu.
Só que quando eu me sinto assim
Tão machucado
Eu deito leve no colo
De amor bem forrado
E choro no amor que é meu.

Ninguém me ama como eu
Ninguém me engana como eu
E nos reveses da vida
A ferida do amor doeu.
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naeno*comreservas

PASSARINHO

Estou fazendo a minha parte,
Passarinho,
Estou vertendo água dos olhos.
Gota a gota, derramando, passarinho.
Sem nem ter quem me console.

Estou fazendo dessa dor
Uma promessa
Que sem nem ver, estou pagando
E sem ter razão, que vida,
Passarinho, eu canto ainda,
O teu nome vou chamando.

Passarinho um rio indo
Na corrente é um destino
Que só se acaba com a morte.
Contravir é sacrifício
Que só peixe faz perdido
Confundindo o sul e o norte.

FARDO

São tantas vinhas e fados
São tantas minhas saudades
São tantos mares serenos
São tantos ais, são venenos.
São tantas marcas no corpo
Tantas lembranças de um porto.

Tantos destinos havia
O céu tantas terras cobria
São mais os ventos que guiam
Que o meu coração que cativas.

Te vendo eu me alucino
E talvez seja,
O destino que eu ganhei
Esta parada.
A distância que eu ainda não gostei.
Ou a vontade de beijar-te.
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naeno*comreservas