Coleção pessoal de LexMor

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Tédio

de chinelo,
ao longe
um jornal velho

com rosto patético
cabelo de ontem
inédito

roupão amarelo
do Sinério

no corpo hermético

sem inspiração
pra poético

até voltar
a dormir
no concreto
remédio
do assédio.

Patrícia Mendes

Quantos segredos
há em uma fotografia?
quanta paz
há em desenhos?
quanta luz há um formato?

Eu só olhei e mais nada,
as expressões fortes e sérias
de uma moça
que eu vi sem querer
em uma foto-novela

Amei-a da terra do nada
por onde brotou
um cálice de flor
da gaveta empoeirada
na qual era guardada
uma imagem emoldurada,
no porta-retratos de cor.

Lembrei-me das moedas cunhadas
na qual vinham o retrato
de D. Pedro I
e a imperatriz desejou-o
o belo rosto rasteiro.

Vou pedi-lá em casamento
ainda hoje irei
graças a minha curiosidade
adiantar minhas cartas
acelerar as brigas
reconciliar os beijos
que nunca dei.

Dirigir-me-ei aos pais, pedir-lhes à mão,
disser-lhes sobre a foto do meu pecado
colorida, preta e branca
do diamante escasso
que encarava a fina lente
e penetrava o rigor olhar
no limbo aro

Estás a duzentos, não!
trezentos e oitenta mil quilômetros
de enfática distância
do meu apartamento de esquina
ombreando com minha estima
alerta e desespera a ganância

no rapaz esquálido,
que anos luz
a viu
estacada,
defronte
de perfil

sua silhueta reta
os cabelos soltos
mornos
nascidos de uma nova era
da carne no osso.

Como pode o sol permear
os arredores de casa
da rua, sem trazê-la?
e o meu castigo já estava imposto
a punição de não conhecê-la.

Em um quadro marcado
foram pintados
os olhos simétricos
a rebuscada boca
para o meu aval
literário, poético.

Bem na minha insônia

Debruço sobre meus livros
e a sala continua vazia, sem abajur
uma menina no ponto do ônibus
às onze e meia da noite
resolve ir embora a pé
colhendo flores no cemitério.

Eu continuo na sala, agora há vento,
muito vento, é a chuva.
O telefone toca e eu atendo,
nenhuma palavra.
Não me levanto da poltrona,
ali mesmo continuo.
O céu brilha
flashes formam sombras
na janela aberta.

A menina passou pela porta
senti o cheiro das flores
vagamente umedeceram meus poros

A cidade dorme, o ônibus passou no ponto a sós
ela não entrou, já havia ido.
O ônibus continua,
é meia-noite.

Um passarinho morreu de choque elétrico.
Houve o velório com os outros passarinhos,
no mesmo cemitério onde a moça colheu flores.
No terreno que sepultaram o passarinho
nasceu novas flores,
foi na parte que a moça havia tirado as outras flores
para poder agora nascer novas vidas
junto com o passarinho.

Tudo isso aconteceu em uma noite chuvosa.

Propaganda da Verdade


De passo em passo,
luzes piscam com cuidado,
ilusão otimista, alegre,
mas nas profundezas,
vira regaço
reconheço-me um ordinário.

De cheiro em cheiro, frito,
rebuscado de pinceladas
harmoniosas de óleo,
hipócrita, que lambe a colher
e prepara veneno.

Saio pela rua com um papel,
pesado e de vidro cortante,
verdadeiro.
O que mais fatia?
a vida instigante.

Pisca-pisca por miséria,
o som reboa vozes,
ouço muitas,
de bocas amarelas.

Cuidado, meu papai-noel
têm dentes afiados,
rosto roxo,
saco obscuro e profundo
engole um gole,
de copo em copo,
ataque sem mágica,
não há feitiçaria
nem circo,
tenda muito menos,
as palavras falsas são
omitidas sem consciência.

Me fecho no apartamento
construído por engenheiro
quadrado e métrico,
por cinza, e isolamento
vou me desfazendo
nos relacionamentos
de aspecto elétrico.

O decorrer dos descobrimentos
se resume há risos,
não seja feliz por isso
tudo é algo conciso
por trás de tormentos.

Hoje eu estou sozinho
enquanto festejam a moeda
o ouro na aliança,
no colar presentista.
O corpo e a carne assam
no forno seco
e são cobiças de monstros.

Saio isolado, atendo telefonemas,
encho as variadas necessidades,
preencho a minha falta,
nos copos vazios,
arremesso um para cima,
bem forte, contra a gravidade
que o empurra ao abismo,
é onde eu vou
onde estou.

Há frutas e bebidas
empoleirados na mesa
farta como barrigas cheias,
e o mundo não acaba, não muda
o garfo enfia e beija bocas,
largueadas, inóspitas de bem.
para todos dizerem Amém.

A solidão entra na casa,
entalada por corpos
cheia de ar frio
de cada um para com outro
tempero árido nos pratos
e o meu telefone parou de tocar
penso entrar no rio, o formo
com sal.

Palavras são desperdiçadas,
um só dia se faz paz,
todo potencial em atos falsos
onde se vai toda harmonia
e voltamos ao normal.
Em embrulhos e distinções,
não creio em fantasia,
e sim no real, na indiferença
na eterna ambição.

Não ajoelho e machuco,
se me dobro me fere,
rezar só em sonho
nada é verdade,
só a certeza de morte
e de pouca mudança
concreta, hermética.

Posso ofegar letras e sentidos
de prazeres inexistentes.
-Queres um anseio,
e tapinhas nas costas duras,
trabalhadas pelo conformismo?
Desejo-lhes:

Um Feliz Natal!

Miudinho

Tinha uma mocinha,
bem loirinha,
da cidade pequenininha,
que andava com flores,
na cestinha
da bicicletinha.

Toda meiguinha,
bem depressinha,
quanta gracinha,
daquela mocinha
loirinha, da cidade
pequenininha.

Com a bochechinha
rosinha,
escondia do solzinho
debaixo da sombrinha,
e bebia aguinha,
pra voltar a passear
na biclicletinha.

Na esquininha,
ela caiu, e machucou
a perninha,
fez dodóizinho,
tadinha.

Um menininho
desesperadinho
ajudou ela
a se levantar
rapidinho,
pra ganhar
um beijinho
no rostinho
vermelhinho
e sentir amorzinho.

Olhar para trás


Passei do desejo ao acaso.
Vejo o fim da vida próximo.
As lembranças de nada desfaço,
hoje, velho, só guardo remorso.

Flor púrpura, estrada passada.
Jovem fui pego pelo seu laço.
Criança sozinha e fechada,
moça de diferente compasso.

Luz eterna, nunca mais a verei.
A esperança pálida se foi,
tristeza que a tempos alentei.

Despeço-me com alma impura,
daquela que só me fez reluzir,
na noite amena e escura.

Som indecifrável

Qual seria o som do universo?
um chiado de vento?
um telefone mudo?
para alguns seria o fim do mundo!

Não sei o som da galáxia
nunca viajei para o espaço
em uma banana branca.
Arrisco em dizer que seria
choro de bebê, pedindo colo
e mais colo do infinito.

Seria o beijo da lua com o sol?
ou de estrelas povoando
cada milímetro do espaço sideral
corrompendo com a matéria
inorgânica da explosão?
Fantasio a ideia
de um cavalo-alado
com brasão e véu nas crinas
com um sacerdote a tocá-lo
os gruírem de suas rimas

O barulho do universo
pode ter vários tons
e melodias, concreto
de pássaros pigarreando
sucintos na minha janela
toques do horizonte aberto
e inóspito,
que me chamam pra dançar
no balanço do ócio

Sobrevivo com a surdez
da minha curiosidade, na terra árida,
ferida
e nos olhares discretos pra cima
só em tentar entender
da onde vêm o cantar
da vida.

Semana da volta

Um sino toca, badala
de lá pra cá

De lá flores brancas, caixão
semana santa pisoteada
por procissão.

Um silêncio nas ruas
vozes ao coro
vozes antigas.

Me remeto ao passado,
de quando acreditava
existia tempo
sonhava o futuro

Havia muito chão
terra na mão.

Há tanta paz lá no fundo
em vem a voz de Deus,
dos apóstolos, dos crentes.
Eu só via a pipoca estourar
no carrinho da pracinha
se confundia com o cheiro
de vela.
Com sandálias abertas
como a de Cristo,
eu não entendia nada,
só os amigos que corriam
quando ainda eram vivos.

Sentes?
é o cheiro da chuva,
da pura chuva.
Trouxe o perfume
da minha mãe já falecida,

o céu escureceu
as vozes continuam
arrastadas com tanto peso
e esperança.
O coral é impecável
a casa de Deus tão cheia
povoada por almas pecadoras
um ambiente nostálgico
e fúnebre.

Já me vi um filho
já me vi um intelectual
um bobo
e um alcoólatra
já até me vi poeta.

Hoje me vejo um morto.

E eu nunca vou esquecer
da igreja da minha cidade
do interior de minas.

Pula Pula

Criança ilumina qualquer dor
porém cava a maior saudade
sem maldade, na inocência
pura benevolência
Criança? Mata a sede dos meus olhos
dando-me água com as mãos.
Ô moço! Chora não.
Quer brincar? Só me dê seu coração,
nem mais um tostão!

Caminha a passos minúsculo, pequeno pesado.
Na vida há imprevistos, notícia inopinada
surge no final da tarde, depois que o andarilho
de camisa amarela suada, desbotada
jogou na garagem espelhada por objetos (bem definidos)
um papelucho desorientador, e inerte.

No balanço da árvore os cabelos voam,
desprendem-se até a moleira,
despenca maças carnais dos galhos
e sobra salada na sobremesa saudável.
É levada para a casa do moço bom,
-Ele gosta de você, terá todo cuidado
de porcelana frágil, estás em boa companhia
-Tudo bem mamãe, eu sei, eu te amo,
chama lá a vovozinha.

A mãe desaba como a fruta, a maçã
e sabe da força do filho,
daquela criancinha,
que corria para sua cama,
com medo de monstro da infantil fantasia.
Se apega no terço coração marejado
-Mãe rainha, derrame suas graças
na minha pobre filhinha.

Força maior do dia, dia-a-dia, nutrida
por mistura composta por três partes
Há bolinhas de sabão por tudo
e palhaços a cantar uma vez por mês
só pra sonhar com papai do céu
toda vez.

Exemplo há superar.

Criança chora, ainda brinca
criança dorme eternamente,
vai para o infinito cativante
silencioso, escuro, molhado
florido, inesquecível.

Na caixinha de boneca toda branca,
o carrinho empurrado com sutileza
igual àquele carrinho
de madeira puxado
pelo cordão do peão.


Criança? Criança é ternura em cima
do cavalo magricelo de vassoura:
-Devolve menino, tenho que varrer,
seu pai há de chegar, e entra pra dentro
que vai chover.
Adulto é ser, ter o desgosto de não
poder deitar no chão, junto à chuva
sem saber se vai resfriar.
É não arrancar a tampa do dedão,
chutando bola de leite: -Silêncio, caiu no vizinho
O senhor se apegou a camada de borracha
protetora de incômodos terrenos, empoeirados:
-Devolve a bola moço?

Implora, choraminga e míngua:
Só mais dez minutinhos mamãe...
é minha vez de procurar a minha paixão
no esconde-esconde e polícia e ladrão:
-Achei, agora me dá um beijinho? Um beijinho Zinho?

-Entra menino, o jantar está pronto
panela de barro pro feijão cheirosinho, avental
e cadernos com lápis e borracha, juntos com a
tábua de tomate
-Dever? É obrigação!

É bom viver, aprender com corpos franzinos
pequenos, ter aula de ser prazenteiro
sem se fincar para pagar conta e cartão.

Criança? É aprender que a vida brota do chão.

Complexo


É dia triste, procuro fotos em gavetas esquecidas.
Em porta-retratos talhados por lembranças.
Estou sozinho em casa. O dia está nublado.
As memórias ardem o cérebro.
Certa pessoa nunca se vai.
Há pensamentos que só uma longa dose de solidão é capaz de formá-los,
E sento, atento, fechado comigo mesmo.
Repasso os acasos mundanos, são muitos.
Reformulo a consciência e as atitudes errôneas.
Estou na sala.
Os quadros, o abajur e a escrivaninha. A prateleira florada por livros,
lembro-me do homem, sinto medo.
Me pergunto se sou homem, se pertenço mesmo a uma raça desprezível, vingativa e invejosa.
A persiana filtra a luz, a pouca luz, é fim de tarde.
Está nublado, o quintal apagado, folhas mortas ao chão.
Medo de prosseguir. A vida não rara decepciona, mas continuo em pé,
no meio dos homens, são muitos.
Descubro que sou homem, e que não sonhava. Sou mal, ambicioso, mortal.
Senti meu coração pulsar, porque sou animal.
Me fiz confidente de sentimentos ácidos.
A tarde se foi, meu bem também.
Vi sorrisos em uma fotografia. Eu estava lá.
Beijei o vidro, segurei por um breve momento. Sai da casa.
Voltei ao mundo dos homens.

Poema de Ressaca

Uma lindérrima rapariga
passou adiante,

com uma saia enegrecida
criatura bem laminada.

Criança celebérrima,
alfinetou cada retina.

Quantas vozes em uma só,
desnorteou qualquer sentimento

Atrevi em pegar sua mão
ouvidos macios de doces

palavras firmes não hesitei
ela exalava almas-flores.

Fluídos de desejo pelo todo
no meio a distância

um toque aproximado
calma filho, calma, há tempo.

pele-veludo
rosto, brilho repentino

cabelo espesso e taludo
vaga e remota lembrança

Sede por envolvê-la
em meus magros braços

feminina de sá
corpo bem buliço

remexia à sambá
aquele quadril postiço

Enlaçamos os dedos
carnes ferveram-se cruas

A disse:-Vamos para fora
vamos para a rua.

O mundo é grande,
cabe nossa dádiva

da noite deliberante
e total instigante

pois éramos amantes pós-festa
e proferi-a versos romanescos

(atitude esmiuçada)
copiados do tempo parado

bem ali, naquele lugar
os ponteiros congelaram

me revirava de ponta cabeça
vi o mundo do avesso

aliás, nem mundo eu vi,
ouvi muito menos, sentir quem sabe.

Levá-la-ei ao todo
nos murmúrios do amor

despedir-me bem chocho
embalsamado na terra

Compeliu a saudade acometida
refutei-a com poesia

afim de evitar um desconsolo
esquecer à minha pessoa

em pronome de tratamento
direcionado pelo palpitar lírico

Dulcíssimo foi seus contornos,
inundam minhas reminiscências

trago-te ao pé seu jeito idôneo
sem resignação

por despertar a pureza
onde paira maledicência.

Cair de uma Flor

O homem urbano, no concreto
pulou do prédio.
O homem se foi.
Quis adocicar a essência.
Ele se foi por isso.
Partiu para sempre.
Afundou no buraco que caiu.

Buraco ele deixou, há muitos
na rua, na vida nem se fala.
Levou almas, lágrimas,
elas preencheram a cova
que ele formou.

Seu peso na vida foi grande.
Penosa estrada curta.
Era jovem, 17 anos.
Homem de nascença,
menino de idade,
criança de ser.
Ah, como todos nós
somos crianças.

O edifício era comprido,
tocava o céu.
Por entre as escadas
ele chegou às nuvens.
Nuvens onde dança anjo,
escorrega na chuva,
que molha e revive.

Nasceu de novo, graças as gotas
que caem pouco a pouco ao chão.
Tocam pessoas restantes,
bebem dessa água e se nutrem.

Partiu o homem, todos irão.
Todos ficam aqui, ali, lá.
Bem ao longe, eu vejo o homem,
todos os outros homens que se guardam
e sofrem. Pelo mundo ser sofrido.

Não mais restam olhos.
Boca se foi, saliva secou.
Abraço foi só em uma caixa.
Descida na terra magra e seca.
Seca com verme, seca com dor
tanta dor.
Encharcada por saudade.
Deixada por medo

Foi para sempre.
Não mais volta.
Claro que volta!
Volta no sentir,
na falta que faz
Nas lembranças nas quais
nunca se vão.

De profana já não chega a vida.

Pra mim ela é a mais bonita do mundo, porque ela não é a mais bonita do mundo. Ela é mais bonita do meu mundo.

O amor é algo sozinho, solitário. Os outros não entendem a nossa dor, porque o amor deles não é igual o nosso. Cada um tem o seu.

Nunca morremos do lado do nosso amor. O amor verdadeiro não está conosco. Se encontra no passado. Inventamos que amamos uma pessoa e que iremos amá-la só para suprir a ausência de um amor que nunca nos amou.

A única merecedora de minhas lágrimas. A única que poderia matar a própria sede com sal do meu corpo. As únicas que serão derramadas por ela, mais nenhuma. Por que a lágrima é interior, sentimento, saudade. E ela não vive mais em mim, mas vive. De alguma forma vive. Seja nas ruas. Nos livros lidos. Nos presentes dados. Nos cafés da tarde tomados. Nas salas de cinema beijadas. Nos pássaros cantores. Nas outras mulheres vistas e rejeitadas. Ela não é elas. Ela é única. Na noite deitada e lembrada. Porque o amor não faz no presente. Se faz no futuro, na distância que a pessoa está de mim e no vazio que ela deixou.

Eu acredito naquilo que você diz que acredita, mas na verdade você não acredita.

Desde o primeiro dia que ela se foi, hoje foi o pior. Amanhã vai ser o pior. E depois será o pior.

Não atendo mais pelo meu nome. Me reconheço só por uma palavra feminina. Se gritam-me na rua nem respondo. Tornei outra pessoa. Respirei ares de véu. Todos os homens respiram esse ar. Alguns tem medo de falar, gritar e, se escondem atrás de aparências agressivas e perturbadas. Muitos não sabem que quando amam uma mulher o nome dela vira o seu.