Coleção pessoal de demetriosena

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FACILITE

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Facilite o troco;
o acesso.
Facilite o preço.
O apreço.
O processo.
Facilite as idas
e as vindas,
desimpeça estradas,
não torne o mundo
uma profusão
de charadas.
E facilite
a verdade,
a metade
rumo ao todo,
facilite sonhos,
enunciados,
leve o claro
ao escuro.
Facilite as vistas
e as pistas
pro futuro.
Capacite o freio;
o meio
que procura o fim.
O prelo.
O elo.
Facilite o sim,
resuma o não,
convença o sangue
a ter afeto
pelo coração.
Possibilite.
Habilite o riso;
também o choro
atado ao nó.
Facilite a vida,
o coro
de quem é só,
num grande nós.
Facilite a voz,
incite a vez,
para que a vida
seja simples
como contar
até três.

PARNASIANO

Demétrio Sena, Magé – RJ.

Quando voltas a ser serena e branda,
ter a voz maviosa, o riso em flor,
como quem me convida pra ciranda;
onde o mundo não tem tristeza e dor...

Meu olhar tem mais luz, magia, cor,
e a pele tem cheiro de lavanda;
sinto a brisa passar com mais frescor;
ganho paz de leitura na varanda...

Chegam versos florais, parnasianos,
paro a vida, não faço novos planos,
basta ser o poeta que te adora...

Não enxergo mensagem nem aviso,
nunca mais me revolto e polemizo,
pelo menos no infinito de agora...

DITADURA CANHOTA

Demétrio Sena, Magé – RJ.

É tanta gente polêmica
só por ser,
ou porque só precisa
se uniformizar,
que se tornou questão
de sobreviver,
porque agora é polêmico
não polemizar.

MÁGOA NATURAL

Demétrio Sena, Magé – RJ.

Hoje passa por mim;
nem me com pimenta.
O quiabo atenta,
faz querer me vingar,
aí vem o destino...
e me dá um mamão
pra me levantar.
Comece açaí
com você,
porque você, certamente,
fez a vagem cerebral;
foi o meu bem; meu mal;
parecia sincera,
mas era tão salsa.
Hoje não me um milho;
caqui pra frente
é claro pra mim,
pinha que ser assim,
e passei a ser
alho por alho.
Às vezes figo pensando
no futuro
que não sei prever...
não sou cigano.
Nunca limão
de ninguém,
todo meu plano
se funde
à solidão.
Mas vou à luta
e mando a vida
catar coquinhos
ou ir pra fruta
que caiu
entre os espinhos.

AMOR À PARTE

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Fui à última instância de crer nos teus olhos
e de crer nos meus olhos como tua crença,
minha imensa esperança num afeto extremo
sem a mancha do medo nem da precaução...
Quis viver algo à parte, uma lenda sem fraude,
um amor com poder sobre todos os mais,
pela paz da não jura e do não compromisso
nem do certificado de laço exclusivo...
Inventei uma troca de silêncios férteis
entre jogos de olhares que diziam tanto
ao encanto exclusivo de gestos secretos...
Só queria te amar sem trair convenções
ou ferir corações com raízes no meu
que não tem o direito de roubar o chão...

FORMOL

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Hoje quase me curvo de formalidade;
modulei meu afeto pra não te assustar;
fiz a minha verdade se calar no peito,
pra depois refluir cautelosa e solene...
Ao podar os meus modos não toco teus medos;
o carinho contido soa confortável;
entre palpos e dedos te livrei dos riscos
do calor mais humano e da presença estreita...
Aceitei o formol que julgaste adequado
e ficou acertado ser melhor assim,
nos tonarmos mais algo e bem menos alguém...
Aprendi a dosar o melhor de quem sou,
já não dou tanto eu em razão de nós dois
que afinal somos dois e me fizeste ver...

LETRAS MARCIANAS

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Academias de letras são latifúndios culturais que às vezes precisam ser invadidos pelas manifestações populares... pelos plantadores de arte com cheiro e traços de povo... pelas letras humanas; literatura de gente... por escrevedores que surgem do mundo real.

REDES FACIAIS

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Surgem muitos juízes para poucos réus;
muitos santos pra quase nenhum pecador;
não há céus o bastante pros que vão subir;
são atores demais para pouco tablado...
A virtude faz farra no baile dos bons,
uma festa sem rédea se faz entre os puros,
entre os muros pomposos dessa Babilônia
onde os tons se afinaram no mesmo discurso...
Vejo dono em excesso pra pouca verdade;
muito amor e perdão para ódios extintos;
para tantos distintos, poucos marginais...
Há um mundo perfeito no qual me procuro,
quero muito esse furo pro meu parafuso
no confuso refrão das redes sociais...

O PIOR ALUNO DA ESCOLA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Naquela escola, o título de pior aluno tinha um dono absoluto. Ele conquistara o posto a duras penas, ao desbancar um a um todos os rebeldes sem causa como o próprio, que ousaram a tentativa de usurpar o poder. Para cima dele ninguém se deu bem, pois a sua criatividade para ser cruel, baderneiro, armador e sonso o bastante para não ser expulso não tinha limite.
Houve até um menino que uma vez - ou era uma vez - chegou bem perto de se tornar pior do que o pior aluno da escola. Foi páreo duro, mas quando o dono do pedaço viu que a coisa estava feia, reagiu radicalmente. Tão radicalmente, que o aspirante sentiu na pele, nos olhos, no queixo, nos dentes, na boca e na boca do estômago, que a honra de ser pior - ou melhor pior do que o pior - poderia lhe custar muito mais caro do que o previsto. No fim das contas, ele foi obrigado a reconhecer a supremacia do melhor pior que aquela escola poderia ter, de fato.
Para não ficar sem trono e não sofrer para sempre as consequências drásticas de ameaçar o posto do pior aluno, aquele segundo pior, que detestava ser o segundo e queria ser o primeiro em algo, fez o percurso inverso: decidiu ficar bem bonzinho; cada vez mais bonzinho, estudioso, e decidiu enfim se conformar com o posto de o melhor aluno da escola.
O pior dessa história de ser o melhor é que o cargo não dura muito. O melhor vai em frente, passa de ano e tem sempre que recomeçar. Fazer tudo de novo por uma nova fama. Sendo assim, aquele já melhor aluno também resolveu radicalizar; fazer história: virar um nerd sem precedentes; um CDF inveterado; em outras palavras, um chato de galocha... ser o melhor aluno de todos os tempos, daquela bendita escola.
Por uma sorte torta, ser o melhor aluno da história daquela escola, de certa forma realizou seu primeiro sonho, porque chegou-se a um ponto em que ninguém o suportava com aqueles ares de o melhor, do bonzinho que virou bonzão, que fizeram dele o pior. O mais impopular de todos. Aquele que os meninos e meninas queriam desbancar, para ele deixar de ser besta.
E por sorte ainda mais torta, ocorreu que o pior aluno da escola nem se dava conta da inversão de valores que o tornara melhor do que o melhor aluno.

DA VIDA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Um velho conhecido - pessoa muito religiosa e atenta em questões alheias - me avisou para ter cuidado com uma nova amizade. Matar o mal pela raiz, pois aquela mulher espontânea, bem humorada, espirituosa e sagaz era da vida. Uma mulher da vida.
O aviso cheio de boas intenções daquele homem que tentou me afastar da suposta má companhia, na verdade me aproximou ainda mais de minha boa e recente amiga, por identificação definitiva... eu também sou da vida... um homem da vida.
Por ser da vida, quero cada vez mais distância de mulheres e homens da morte... pessoas sempre dispostas a julgar, condenar e matar pela raiz.

SEMPRE NU

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Tenho tanto a calar; por isso escuto;
é meu culto às verdades que não sei;
porta exposta pro mundo sempre novo,
lei dos olhos que buscam horizontes...
Há um tempo a ganhar, portanto invisto
nesta pausa, o suposto perder tempo,
me revisto e me flagro sempre nu
de certezas; conclusões; embalagens...
Trago muitas perguntas sobre tudo,
no silêncio de minha ignorância;
na ciência do vasto não saber...
É a velha incerteza que me leva;
tenho treva, por isso teço a luz,
para tê-la no fim de cada túnel...

TODO MUNDO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Se todo mundo faz besteiras na vida, sempre que você puder não seja todo mundo. Seja você.

SÓ UM CONTO QUASE DE AMOR

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Durante anos e anos, em todos os reencontros ocasionados sempre por ele, depois de longos afastamentos, ela dizia que o amava. Com todas as forças do seu ser. Toda sua verdade. Parecia mesmo que ela o amava, pela comoção demonstrada; os abraços desmedidos; a multiplicação das mãos; os beijos que não escolhiam quais partes do corpo.
Eles eram amigos íntimos; muito íntimos. Deitavam juntos inteiramente nus; se acariciavam sem fazer sexo; frequentavam campos, recantos e cachoeiras desertas, onde mais pareciam no jardim do Éden. Trocavam juras de amizade perpétua, sempre assim: sem permitirem que um romance pusesse tudo a perder. Que as nominatas e os arremates físicos os tornassem proibidos, porque ambos já tinham em separado, perante a sociedade, nominatas formais incompatíveis com quaisquer outras.
Um dia, ela não reconheceu sua voz numa ligação telefônica. E quando ele se anunciou, disse que lá não havia ninguém com aquele nome; portanto, era engano. Certo de que o engano era seu, e de muitos anos, o velho amigo desligou o aparelho e seguiu sem fazer queixumes.
Bem vivido, com uma larga experiência de mundo e formado em seres humanos pela escola do tempo, aquele homem sobreviveu ao baque. Não a culpou e compreendeu que a grande amiga se rendera finalmente às nominatas, mesmo sem os arremates. Fora convertida pela sociedade sempre correta, imaculada, religiosa e defensora de nomes.

A NAVE

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Minha mala está feita, não sei quando vou,
mas a lida está leve; sem tanto a fazer,
só me dar ao prazer de sentir essa brisa
de além-mar, além-chão, além sonhos daqui...
Já deixei de querer o que a vida requer,
desejar o que o mundo promete aos meus olhos,
quero ver a passagem da estrela cadente
que anuncia e desenha o caminho a seguir...
Deixo a mala em seu canto e desfruto das horas;
o que tenho a fazer é deixar que se faça
e tomar uma taça de bebida extra...
Minha nave projeta sinais evidentes;
minhas unhas e os dentes desgarram do chão;
não há pressa nem praça, mas estou aqui...

TRANSFORMADOR

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Ser feliz não me livra de certas tristezas;
não há como viver sem que a dor nos provoque;
nossa luz tem seus curtos e seus apagões,
energia dá choque por ser energia...
Encontrei equilíbrio no transformador
instalado em minh´alma desde que não sei;
meus espinhos têm flor como a flor tem espinhos;
essa lei dá seu tom em qualquer caminhada...
Apagar é da vida e terei minha hora,
mas agora não penso em desligar meus sonhos;
não me deixo cortar nem reclamo do preço...
Reativo as tomadas de querer seguir
e replugo esperanças toda vez que o mundo
faz um raio cair sobre minhas certezas...

VERDADES OPOSTAS

Demétrio Sena, Magé - RJ.

De repente não sei despir meus olhos
dos teus olhos, teu riso, tua estampa,
tudo acampa no bosque da saudade
que brotou em meus campos afetivos...
Tua voz acompanha meu silêncio
e me faz esquecer os sons externos,
meus eternos motivos de sonhar
se renderam à tua novidade...
Não há pressa em saber se já te amo,
pode ser um sussurro de carência
ou daquelas paixões de meninice...
Mas a minha verdade não é tua;
minha lua não cabe no teu mar;
o que sinto é só meu, de mais ninguém...

OLHOS EXTRA-MUNDO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Quero crer na palavra e ter sono sereno;
dar a mão e selar meus acordos de gente,
assinar com sorrisos, com olhos nos olhos
onde a lente não cace letrinhas miúdas...
Com que mundo namoro não sei me dizer,
mas preciso encontrar esse ponto no tempo,
conhecer as pessoas pelo seu silêncio
que discursa e dispensa discursos orais...
Meu olhar extra-mundo quer saber se há
ser humano entre humanos que vejo em redor,
entre a dor de quem sou que já não sei quem é...
Sonho crer em mim mesmo e resgatar meu eu,
sou meu réu predileto e me condeno a ver
que viver é caminho pelos desencontros...

CONSIDERAÇÕES DE FIM DE ANO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Carnaval de fim do ano;
desfilar de ser humano
e ser amigo oculto.
...
Sou brasileiro
e penso assim:
este fim
de ano
ainda não é
o fim.
...
Ter pais presentes
é melhor que ter presentes
embrulhados por ausências...
...
Para milhões
de brasileiros
condenados à má sorte,
só existe Natal
do Rio Grande
do Norte.

PRÉ - EPITÁFIO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Atravessei a juventude sem dar a mínima importância para o que pensavam e diziam de mim. Nos verdes tempos de minha vida, nunca tive a pretensão de, como sempre foi dito pelos moços, ficar bem na foto.
Quando passei de meio século, comecei a me transformar. Tomei a decisão de ser, não precisamente alguém melhor, porque isso é difícil, mas pelo menos alguém menos pior. A visão da velhice anunciada, e com ela o fim, já me fez repensar muitos conceitos, preconceitos, atitudes, pontos de vista e sentimentos.
Deve ser assim com muita gente. Por anos e anos, um 'nem aí' para ficar bem na foto. Aí o tempo passa, e de repente a morte se desenha bem menos alheia e misteriosa. Menos abstrata e mais definida.
Foi assim que da meia idade para cá iniciei um projeto: Fazer as pazes comigo e com o próximo. Ganhar novos afetos, manter os afetos atuais e repor os perdidos. Gostar mais dos outros e ser bem menos apaixonado por mim ou por meus espelhos.
Vejo a vida esvair por entre os dedos. O tempo fecha o cerco. Não posso correr o risco de partir sem antes ter a certeza de ficar bem no epitáfio.

MISSÃO EM MIM

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Não tem abracadabra pro meu ostracismo,
quando surge a saudade que persisto em ter,
porque cismo em cavar o meu poço mais fundo;
ir mais fundo e perder o caminho de volta...
Falta chave pra porta que fecho por dentro,
se me calo pra tudo que acontece à margem,
pois a minha viagem no centro do eu
não tem pressa do mundo que abandono aqui...
Quem me quer pra me amar ou abater de vez,
desta vez arme o bote ligeiro e seguro
e me cobre com juros por lhe dar trabalho...
Pode ser que na próxima missão em mim
eu me cale no fim do começo de tudo;
fique lá na saudade que não sei de quê...