Citações de Clarice Lispector
A desistência é uma revelação. Desisto, e terei sido a pessoa humana – é só no pior de minha condição que esta é assumida como o meu destino.
Solidão? O que acontece é que a gente procura os outros para se livrar de si mesma. A intolerável companhia que eu me faço. Preciso dos outros para não chegar àquele ponto altamente intolerável do encontro comigo. Eu sou exatamente: zero. E tanto se me dá.
Conselho: fique de vez em quando sozinho, senão você será submergido. Até o amor excessivo dos outros pode submergir uma pessoa.
Melhor assim. Não quero mais depender de ninguém. Quero é o "Danúbio Azul". E não "Valsa Triste" de Sibellius, se é que é assim que se escreve o seu nome.
Quanto mais precisarmos, mais Deus existe. Quanto mais pudermos, mais Deus teremos.
Ele deixa. (Ele não nasceu para nós, nem nós nascemos para Ele, nós e Ele somos ao mesmo tempo.) Ele está ininterruptamente ocupado em ser, assim como todas as coisas estão sendo, mas Ele não impede que a gente se junte a Ele e, com Ele, fique ocupado em ser, numa intertroca tão fluida e constante – como a de viver. Ele, por exemplo, Ele nos usa totalmente porque não há nada em cada um de nós de que Ele, cuja necessidade é absolutamente infinita, não precise. Ele nos usa e não impede que a gente faça uso Dele. O minério que está na terra não é responsável por não ser usado. (...)
(Na vida e na morte tudo é lícito, viver é sempre questão de vida-e-morte.)
Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo – quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.
Não fossem os caminhos da emoção a que leva o pensamento, pensar já teria sido catalogado como um dos modos de se divertir.
Os sensíveis são simultaneamente mais infelizes e felizes que outros.
Meu receio era de que, por impaciência com a lentidão que tenho em me compreender, eu estivesse apressando antes da hora um sentido. (...)
Cada vez mais acho tudo uma questão de paciência, de amor criando paciência, de paciência criando amor. (...)
Esta paciência eu tive: a de suportar, sem nem ao menos o consolo de uma promessa de realização, o grande incômodo da desordem.
Mas também é verdade que a ordem constrange.
Por te falar eu te assustarei e te perderei? mas se eu não falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia.
Para que um sentimento perca o perfume e deixe de intoxicar-nos, nada há de melhor que expô-lo ao sol.
Estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não a saber como viver, vivi uma outra? A isso quereria chamar desorganização, e teria a segurança de me aventurar, porque saberia depois para onde voltar: para a organização anterior. A isso prefiro chamar desorganização pois não quero me confirmar no que vivi - na confirmação de mim eu perderia o mundo como eu o tinha, e sei que não tenho capacidade para outro.
Se eu me confirmar e me considerar verdadeira, estarei perdida porque não saberei onde engastar meu novo modo de ser - se eu for adiante nas minhas visões fragmentárias, o mundo inteiro terá que se transformar para eu caber nele.
Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar.
Para compreender a minha não-inteligência, o meu sentimento, fui obrigada a me tornar inteligente.
Refugiei-me na doideira porque a razão não me bastava.
Apenas isso: chove e estou vendo a chuva. Que simplicidade. Nunca pensei que o mundo e eu chegássemos a esse ponto de trigo. A chuva cai não porque está precisando de mim, e eu olho a chuva não porque preciso dela. Mas nós estamos tão juntas como a água da chuva está ligada à chuva. E eu não estou agradecendo nada. Não tivesse eu, logo depois de nascer, tomado involuntária e forçadamente o caminho que tomei – e teria sido sempre o que realmente estou sendo: uma camponesa que está num campo onde chove.
Ainda não percebera que na verdade não estava distraída, estava era de uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito rara: livre.
Aliás, verdadeiramente, escrever não é quase sempre pintar com palavras?
Esse primeiro calor ainda fresco trazia: tudo. Apenas isso, e indiviso: tudo.
E tudo era muito para um coração de repente enfraquecido que só suportava o menos, só podia querer o pouco aos poucos.
Sua coragem é a de, não se conhecendo, no entanto prosseguir. É fatal não se conhecer, e não se conhecer exige coragem. [...] O caminho lento aumenta sua coragem secreta.
A dor parece uma ofensa à nossa integridade física.
O que nos salva da solidão é a solidão de cada um dos outros.