Citações de Clarice Lispector
Mistérios de um sono
Estou dormindo. E embora pareça contradição, suavemente de repente o prazer de estar dormindo me acorda num sobressalto também suave. Estou acordada e ainda sinto o gosto daquela zona rural onde subsolarmente eu espalhava de minhas raízes os tentáculos de um sonho.
Eu queria escrever um livro. Mas onde estão as palavras? esgotaram-se os significados.
Mas não há paixão sofrida em dor e amor a que não se siga uma aleluia.
Quando de noite ele me chamar para a atração do inferno, irei. Desço como um gato pelos telhados. Ninguém sabe, ninguém vê. Só os cães ladram pressentindo o sobrenatural.
Pois há um tempo de rosas, outro de melões, e não comereis morangos senão na época de morangos.
Enquanto escrever e falar vou ter que fingir que alguém está segurando a minha mão.
Estrelas são os olhos de Deus vigiando para que corra tudo bem. Para sempre. E, como se sabe, sempre não acaba nunca.
Às duas horas da madrugada, enfim, nasceu ela, a ideia.
Quem sabe, até, eu era só aprendiz de anjo.
É necessário certo grau de cegueira para poder enxergar determinadas coisas.
Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.
Minhas ideias são inventadas. Eu não me responsabilizo por elas.
Preciso ser livre - não aguento a escravidão do amor grande, o amor não me prende tanto.
A fé – é saber que se pode ir e comer o milagre. A fome, esta é que é em si mesma a fé – e ter necessidade é a minha garantia de que sempre me será dado. A necessidade é o meu guia.
A verdade não faz sentido, a grandeza do mundo me encolhe.
O maior obstáculo para eu ir adiante: eu mesma. Tenho sido a maior dificuldade no meu caminho. É com enorme esforço que consigo me sobrepor a mim mesma.
Olhar-se ao espelho e dizer-se deslumbrada: Como sou misteriosa. Sou tão delicada e forte. E a curva dos lábios manteve a inocência.
Não há homem ou mulher que por acaso não se tenha olhado ao espelho e se surpreendido consigo próprio. Por uma fração de segundo a gente se vê como a um objeto a ser olhado. A isto se chama talvez de narcisismo, mas eu chamaria de: alegria de ser. Alegria de encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é verdade que eu não me imaginei, eu existo.
