Ciclo Olavo Bilac

Cerca de 3380 frases e pensamentos: Ciclo Olavo Bilac

Desde Aristóteles, sabe-se que toda busca da verdade em questões controversas parte do exame das opiniões existentes. Cada uma destas deve ser conhecida em profundidade e sem julgamento prévio, até que o laborioso acúmulo de muitas perspectivas contraditórias faça o objeto em questão aparecer tal como é em si mesmo, acima das diferenças de pontos de vista. Esse método não é infalível, mas é o único que existe.

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Todas as opiniões, com efeito, nascem de alguma reação à experiência vivida, mas muitas delas são uma reação de fuga, o fechamento neurótico numa redoma de palavras. São expressões de almas frágeis e vacilantes, que se apegam a opiniões como se fossem amuletos, para escapar ao terror da incerteza, ao thambos aristotélico, portanto à possibilidade mesma de acesso à verdade.

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O método Stanislavski ensina-nos a técnica da identificação psicológica profunda com os vários personagens, de modo que o conflito dramático da peça [teatral] seja interiorizado como conflito psicológico na alma do próprio ator. Uso isso até hoje para entender as idéias mais absurdas e perceber nelas, senão um fundo de razão, ao menos um princípio de verossimilhança. Isso tornou-se para mim tão rotineiro e natural que não me atrevo a contestar uma idéia se antes não a tornei minha ao menos por alguns minutos, de modo que falo sempre com a autoridade segura de quem está discutindo consigo mesmo. [...] Todo mundo tem direito a ter opiniões, mas é melhor tê-las depois de um mergulho aristotélico-stanislavskiano no mar das contradições. Quem quer que tenha amor à verdade anseia por esse mergulho, mesmo quando não tem a certeza de encontrar alguma verdade no fundo. A fuga generalizada ante esse desafio é o traço mais geral e constante dos 'formadores de opinião' no Brasil. Em última análise, esse fenômeno expressa o medo de viver, o desejo de fugir logo para um mundinho imaginário imune a riscos intelectuais.

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A doença política do Brasil é a condensação de um handicap cultural crônico, a pequenez da alma e o estreitamento do imaginário ante a complexidade da existência. Os brasileiros vivem citando Fernando Pessoa, mas não tiram de um de seus versos a conclusão mais necessária e urgente: Nada vale a pena quando a alma é pequena.

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Antigamente — ainda ontem, quando eu tinha vinte anos —-, exigia-se muito de um escritor. Ele tinha de dominar os recursos da sua arte ao ponto de que toda a história dela, de algum modo, transparecesse no seu estilo. Tinha de possuir uma visão espiritualmente madura do universo e da vida e haver absorvido nela a cultura dos milênios. E essa visão devia estar tão bem integrada na personalidade dele que sua expressão escrita não comportasse o mínimo hiato entre idéia e palavra.

Hoje não é preciso nada disso. Basta uma afetação de sentimentos politicamente corretos na linguagem dos estereótipos mais sufocantes — e pronto: o pimpolho garantiu seu lugar nos suplementos de cultura e nas antologias escolares. Se escreve no estilo padronizado dos manuais de redação, é um primor de nitidez cartesiana. Se embrulha idéias sonsas em jargão lacaniano indigerível, é um assombro de profundidade. Se não articula sujeito e predicado, é um grande comunicador, sensível à linguagem do povo.

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Natureza é a forma interior da espécie ou do indivíduo, o algoritmo permanente das suas mutações possíveis.

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Vivem perguntando minhas opiniões sobre assuntos a respeito dos quais não tenho nenhuma. Quem tem opiniões sobre todas as coisas são os palpiteiros da mídia e da internet. Um filósofo só pode ter opiniões sobre casos e questões que ele examinou pessoalmente.

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Está na hora de parar com essa história de 'Fulano é boa pessoa, mas, sacumé, coitadinho etc. e tal'. Quem quer que ouse ocupar um cargo ou desempenhar uma responsabilidade que está MANIFESTAMENTE acima das suas capacidades e conhecimentos NÃO É UMA BOA PESSOA.

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Desde que o mundo é mundo, há um conflito insolúvel entre a busca do conhecimento e a busca do prestígio, da respeitabilidade, da aceitação na 'boa sociedade'. O saber avança contra todo bom-mocismo, contra todo convencionalismo, contra todo conformismo bem-pensante. Hoje em dia, porém, a ciência, especialmente sob a forma do 'consenso acadêmico', tornou-se um dos pilares do convencionalismo e o guardião do portal da 'boa sociedade'. Você pode matar sua mãe sem deixar de ser uma pessoa respeitável, mas conteste algum artigo-de-fé do consenso acadêmico e imediatamente fazem de você um réprobo, um monstro, um inimigo da humanidade.

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A dignidade do ser humano não consiste em 'pensar', como dizia Pascal, mas em esquecer o que pensou e abrir os olhos para o que jamais foi pensado.

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O protestantismo contribuiu, sim, para esse resultado, mas menos por suas concepções teológicas e morais explícitas enfatizadas por Weber - predestinacionismo, ética da poupança - do que pelo simples fato de estimular a liberdade e a variedade, livre do peso excessivo de uma velha burocracia controladora. E se enquanto isso o catolicismo atrasava o desenvolvimento econômico em outras partes do mundo, também não foi por causa do conteúdo de sua fé, em si mesmo neutro economicamente, mas simplesmente porque a hierarquia, assustada, em vez de superar criativamente as oposições, se enrijeceu numa atitude paranoicamente defensiva que só pensava em mais controle, mais centralismo, mais burocracia. Em certos países o desenvolvimento econômico foi favorecido pela ausência de controles. Em outros, não foi apenas desfavorecido: foi detido, foi proibido, foi estrangulado no berço por autoridades que o confundiram, tragicamente, com os demônios que o cercavam. Na Espanha, em Portugal, na Itália e parcialmente na França, o desenvolvimento não foi nunca um inimigo da Igreja: foi o bode expiatório das culpas católicas e anticatólicas. Ao condená-lo, o catolicismo fez um tremendo mal a si mesmo, do qual procura agora redimir-se.

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O surto de progresso capitalista nos países protestantes, contemporaneamente freado nos católicos, não foi devido predominantemente a fatores religiosos, mas a fatores culturais mais amplos que determinaram a diferente atitude de católicos e protestantes ante a economia moderna. A diferença era radical: do lado católico, a desconfiança generalizada que clamava por mais controle, mais policiamento, mais burocracia, mais punições. Do outro, uma confiança pujante que estimulava a criatividade, a variedade, a iniciativa. Confiança, em primeiro lugar, dos homens uns nos outros: por que supor que o nosso próximo quer o nosso mal e não apenas, como todos nós, o seu próprio bem? Por que não acertarmos as coisas entre nós e ele, em vez de chamar um terceiro para nos policiar a todos? Eis a base de toda negociação, de todo contrato, de toda eficácia. De outro lado, confiança no poder que cada homem tem de decidir, de agir, de lutar por um destino melhor conforme seu próprio entendimento, livre de uma autoridade acachapante que imponha a todos a camisa-de-força de uma noção padronizada do 'melhor'.

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A escravidão jamais feriu a sensibilidade moral dos africanos, que a praticaram durante milênios sem ver nela nada de errado. Os cristãos europeus, ao contrário, sempre a consideraram abominável e não pararam de lutar contra ela desde o dia em que o primeiro português teve a maldita idéia de comprar um escravo na África para revendê-lo na América.

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Filosofia não é para criança. Filosofia é uma atividade de reflexão que pressupõe a aquisição de um grande volume de informações. A filosofia começa realmente quando você tem o domínio de várias ciências, o domínio das artes, da religião, da história, etc. Na hora em que você quer formar uma noção de conjunto e quer encontrar o fundamento da cultura, aí sim surge a questão filosófica propriamente dita. Eu sinceramente não acredito em ensino de filosofia para criança. O que eles fazem é ensinar discussão ou fazer pregação política e chamam a isso de filosofia. Pergunto eu: havia crianças no grupo de Sócrates? Não. Eram homens maduros, homens casados, pais de família, pessoas importantes.

A formação da inteligência humana passa por várias etapas que não podem ser trocadas. Uma criança até uns sete, oito anos vive de imaginação, vive num mundo fantástico. [...] Então a educação da imaginação e do sentimento vem primeiro. Essa educação da imaginação e do sentimento é feita sobretudo por dois elementos, a arte e a religião. Então, se fosse possível, eu centraria a educação das crianças até uma certa idade nessas duas coisas.

A medida em que se forma o seu mundo imaginativo e sentimental você começa a fazer escolhas, e nessa hora você percebe que as suas escolhas divergem das escolhas das outras pessoas. Portanto você começa a discutir com as pessoas. Nesse momento você entra na idéia da participação na sociedade. Aí começa a educação social e política, mas só para quem já tem aquela base de sentimento e imaginação.

Depois que você já está participando da sociedade e tem aquele senso da polis, da organização, da sua responsabilidade social, etc; chega um dia em que você vê tantas opiniões circulando que você fica confuso no meio delas e daí você se pergunta: 'Peraí, mas de todas as opiniões qual é a verdadeiramente certa?'. É só neste momento que pode entrar a filosofia. Quando você conhece o conjunto das opiniões em circulação. Aristóteles já dizia que a investigação de qualquer assunto na filosofia começa com você colecionando as opiniões predominantes e das pessoas que sabem as opiniões dos sábios. [...] Então o ensino da filosofia deveria começar entre os dezoito e vinte anos, quando a pessoa já tem idéia das correntes de opinião que existem na sociedade, quando ela conhece opiniões alheias e conhece tantas que já começa a ficar confusa. Nesta hora entra a filosofia.

Filosofia é uma atividade de reflexão. Reflexão é uma digestão. Se você faz a digestão sem ter comida você ganha uma úlcera. A reflexão sem matéria prima e sem conhecimento positivo da religião, da ciência, da história, etc., é o mesmo que digerir o vazio. Assim se cria a mentalidade de um discutidor bobo, pois a coisa mais fácil do mundo é você contestar as coisas e fazer perguntas.

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A noção de 'corrupção' implica, por definição, a existência de um quadro jurídico e moral estabelecido, de um consenso claro entre povo, autoridades e mídia quanto ao que é certo e errado, lícito e ilícito, decente e indecente. Esse consenso não existe mais. Quando uma elite de intelectuais iluminados sobe ao poder imbuída de crenças nefastas que aprenderam de mestres tarados e sadomasoquistas como Michel Foucault, Alfred Kinsey e Louis Althusser, é claro que essa elite, fingindo cortejar os valores morais da população, tratará, ao mesmo tempo, de subvertê-los pouco a pouco de modo que, em breve tempo, haverá dois sistemas jurídico-morais superpostos: aquele que a população ingênua acredita ainda estar em vigor, e o novo, revolucionário e perverso que vai sendo imposto desde cima com astúcia maquiavélica e sob pretextos enganosos.

Isso não aconteceria se, junto com a inversão geral dos critérios, não viesse também um sistemático embotamento moral da população, manipulada por uma geração inteira de jornalistas que aprenderam na faculdade a 'transformar o mundo' em vez de ater-se ao seu modesto dever de noticiar os fatos. Quando um país se confia às mãos de uma elite revolucionária, sem saber que é revolucionária e imaginando que ela vai simplesmente governá-lo em vez de subvertê-lo de alto a baixo, a subversão torna-se o novo nome da ordem, e a linguagem dupla torna-se institucionalizada. Já não se pode combater a corrupção, porque ela se tornou a alma do sistema, consagrando a inversão de tudo como norma fundamental do edifício jurídico, ocultando e protegendo os maiores crimes enquanto se empenha, para camuflá-los, na busca obsessiva de bodes expiatórios.

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A mentira torna-se persuasiva por dois meios: (a) macaqueando a verdade até mesclar-se com ela ao ponto do indiscernível; (b) negando a verdade de maneira tão completa e ostensiva que a mente do ouvinte vacila, fraqueja e, por insegurança, acaba se deixando reformar de alto a baixo. O primeiro método é a fraude, o segundo o blefe.

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Paul Johnson demonstrou, num livro memorável (Intellectuals , 1988), que o tipo moderno do intelectual, cuja primeira encarnação ele localiza em Rousseau (poderia também ter dito Voltaire, ou Diderot), é substancialmente um mentiroso contumaz, um perverso egocêntrico e imoral, incapaz de guiar-se a si mesmo e metido, não obstante, a guiar a humanidade.

[...] Faz parte do processo geral de laicização da vida intelectual, que, se por um lado teve o mérito de aliviar a inteligência dos abusos da autoridade eclesiástica, o fez à custa de liberar os intelectuais de toda obrigação moral, de lhes conferir, junto com uma saudável liberdade, uma autoridade excessiva e sem limites. Pois o olho é a luz do corpo, mas tem um limite natural: a realidade que o circunda. O abuso começa quando o olho, desistindo de enxergar, começa a inventar. E esta revolução não começa com Voltaire ou Rousseau, mas com um homem que ninguém diria desonesto ou perverso. Começa com Immanuel Kant. Foi ele o primeiro que, negando a nossa capacidade de conhecer a realidade como tal, atribuiu ao mesmo tempo à inteligência humana o poder de inventar um mundo válido. Com isto ele substituiu involuntariamente, à legítima pretensão de conhecer, uma ambição ilimitada de poder. Diante da porcaria intelectual moderna, está na hora de alguém bater à porta do ilibado Immanuel Kant e dizer aquelas palavras fatídicas: – Toma que o filho é teu."

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Quanto mais de longe se olha o Brasil, mais se vê que não é um país: é um hospício. Um hospício sem médicos, administrado pelos próprios loucos que se imaginam médicos.

A destruição da cultura superior evidencia-se não somente na desaparição dos espíritos criadores, mas na inversão da escala de julgamentos: na ausência de qualquer grandeza à vista, a pequenez torna-se a medida da máxima grandeza concebível.

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O típico imbecil do nosso tempo não é assim chamado por ser simplesmente um imbecil que por coincidência nasceu em determinada época e não em outra; não o é nem mesmo por haver uma ligação íntima entre a nossa época e a sua imbecilidade – embora essa ligação sem dúvida exista --, mas porque o sentimento de pertencer a essa época, ao famoso 'nosso tempo', constitui de certo modo o núcleo e o ponto forte do seu modo de ser imbecil.

Com efeito, o que o caracteriza e define, distinguindo-o de todos os demais imbecis que já passaram por este mundo em outros séculos, é a sua total incapacidade de desligar-se mentalmente, por uma fração de segundo, das crenças e hábitos vigentes na nossa época, e de tentar ver as coisas como os homens do passado as viram ou como os do futuro poderão vê-las quando chegarem a este planeta. Tudo, de fato, ele enxerga e julga segundo o que aprendeu das duas autoridades supremas cuja fé pública inabalável molda e define o 'nosso tempo': a mídia e a escola – duas entidades que têm, entre outras propriedades maravilhosas, a de jamais discordar entre si.

Tão intensa e profunda é a devoção que o imbecil contemporâneo tem ao 'nosso tempo', que chega a ver nele virtudes e poderes que antigamente se atribuíam a Deus. 'Nele vivemos, nos movemos e somos', murmura ele em seu coração, orgulhoso de nada ser além de produto, criatura e filho de tão excelsa entidade, à qual deve não somente a existência, mas também a essência.

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O mundo de hoje louva, exalta e idolatra a independência de pensamento ao mesmo tempo que, pelas convenções acadêmicas e pelo policiamento da linguagem, torna impossível o seu exercício.

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