Carta para a Pessoa Amada

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Quem dera pudéssemos ser uma pessoa diferente a cada 6 meses, ser casados de segunda a sexta e solteiros nos finais de semana, ter filhos quando se está bem-disposto e não tê-los quando se está cansado. Por isso é tão importante o auto conhecimento. Por isso é necessário ler muito, ouvir os outros, estagiar em várias tribos, prestar atenção ao que acontece em volta e não cultivar preconceitos. Nossas escolhas não podem ser apenas intuitivas, elas têm que refletir o que a gente é. Lógico que se deve reavaliar decisões e trocar de caminho: ninguém é o mesmo para sempre.

Quero poder ter a liberdade, de dizer o que sinto a uma pessoa, de poder dizer a alguém o quanto ele é especial e importante pra mim, sem ter de me preocupar com terceiros, sem correr o risco de ferir uma ou mais pessoas com esse sentimento, quero, um dia, poder dizer às pessoas que nada foi em vão, que o amor existe, que vale a pena se doar às amizades a às pessoas, que a vida é bela sim, e que eu sempre dei o melhor de mim, e que valeu a pena!

Adriana Britto

Nota: Trecho de um poema muitas vezes atribuído, de forma errônea, a Mário Quintana.

Eu sou sim a pessoa que (...) acha todo mundo meio feio, meio bobo, meio burro, meio perdido, meio sem alma, meio de plástico, meia bomba. E espera impaciente ser salva por uma metade meio interessante que me tire finalmente essa sensação de perna manca quando ando sozinha por aí, maldizendo a tudo e a todos. Eu queria ser legal, ser boa, ser leve. Mas dá realmente pra ser assim?

Tati Bernardi

Nota: Versão adaptada de trechos da crônica de Tati Bernardi "Assumindo o ET pirocudo"

Não se enganem comigo. Estou longe de ser a pessoa boazinha. Pensa em uma mulher brava. Pensou? Então, sou eu. Não sei segurar nó na garganta. Desentalo, falo, grito, esperneio. Bato o pé quando estou com a verdade (e não me venham com esse papo que cada um carrega suas verdades). E confesso; sei ferir. Mas também sei ser justa. Sou sempre a primeira da fila a pedir desculpas, reconhecer meus erros. Pesar. Pensar. Perdoar. Aprendi que nada é pior que a arrogância, e isso minha alma não sabe carregar. Mágoa, ela até carrega um pouco, mas com o tempo elas sempre somem na poeira das estradas que percorro. E agradeço a Deus por isso. Só não sei calar, isso a vida ainda não me ensinou. Mas não dizem que aqui é uma escola? Então. Ainda há tanto a aprender. O bom é saber que estou sempre atenta as próximas lições. Saber que estou a caminho de algum lugar, mais próximo de quem espero me tornar. É vida que segue.

O mesmo homem que provoca risos e empatia é o mesmo homem totalmente indiferente a uma outra pessoa. Se não reflete a respeito, é que se sente melhor do que a esposa e foi consumida pela armadilha de disputar espaço com ela, em vez de garantir sua própria liberdade. Nada mais machista do que duas mulheres brigando em segredo por um homem, enquanto ele assiste ao espetáculo bisonho por pura vaidade. É o que acontece, a ponto de se desculpar: azar é o dela, sorte a minha. Azar das duas.

Uma pessoa precisa ter muito cuidado ao comprar hoje em dia senão acaba comprando lixo. E ainda paga muito por isso. Então isso quer dizer que se você vê uma pessoa bem vestida hoje, você sabe que ela pensou muito sobre a roupa e sobre a própria aparência. E isso estraga tudo, porque ninguém devia realmente pensar tanto sobre a própria aparência.

Quando travarmos conhecimento com uma pessoa, não tratemos de julgar o seu valor moral nem examinar a sua inteligência, o que nos levaria a reconhecer-lhe a escassez da razão, e a maldade das intenções; isto nos despertaria ódio e desprezo. Consideremos antes seus sofrimentos, trabalhos, angústias, e então veremos como eles nos tocam de perto, inspirando-nos em lugar de ódio e desprezo, essa piedade a que o Evangelho nos convida.

"Amar é sofrer. Para evitar sofrer não se deve amar. Mas então uma pessoa sofre por não amar. Portanto, amar é sofrer. Não amar é sofrer. Sofrer é sofrer. Ser feliz, é amar. Ser feliz, então, é sofrer. Mas o sofrimento faz-nos infelizes. Logo, para se ser infeliz é preciso amar, ou amar para sofrer, ou sofrer por se ser demasiado feliz."

É aquela história: eu tenho paranóia de não dizer para uma pessoa o que eu sinto por ela, e essa pessoa, por algum motivo, sair da minha vida. Então eu sempre falo. Quando eu gosto da pessoa, eu chego e falo assim: “Olha, eu gosto de você pra caramba”. Mas é muito difícil você falar isso. Às vezes, é muito difícil.

Mas era como uma pessoa que, tendo nascido cega e não tendo ninguém a seu lado que tivesse tido visão, essa pessoa não pudesse sequer formular uma pergunta sobre a visão: ela não saberia que existia ver. Mas, como na verdade existia a visão, mesmo que essa pessoa em si mesma não a soubesse e nem tivesse ouvido falar, essa pessoa estaria parada, inquieta, atenta, sem saber perguntar sobre o que não sabia que existe – ela sentiria falta do que deveria ser seu.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Sentir-se amado é sentir que a pessoa tem interesse real na sua vida, que zela pela sua felicidade, que se preocupa quando as coisas não estão dando certo, que sugere caminhos para melhorar, que coloca-se a postos para ouvir suas dúvidas e que dá uma sacudida em você, caso você esteja delirando. "Não seja tão severa consigo mesma, relaxe um pouco. Vou te trazer um cálice de vinho

"A Gente se apaixona pelo jeito da pessoa. Não é porque ele cita Camões, não é porque ela tem olhos azuis. É o jeito dele de dizer versos em voz alta como se ele mesmo os tivesse escrito pra nós; é o jeito dela de piscar demorado seus lindos olhos, como se estivesse em câmera lenta. O jeito de caminhar. O jeito de usar a camisa pra fora das calças. O jeito de passar a mão no cabelo. O jeito de suspirar no final das frases. O jeito de beijar. O jeito de sorrir. Vá tentar explicar isso!"

‎"O sorriso mudou e a vontade de sorrir pra qualquer pessoa também, graças a Deus. Foi por sorrir tanto de graça que eu paguei tão caro por todas as coisas que me aconteceram. Às vezes me pego olhando ao meu redor e vendo tanta menina parecida comigo. Tanto sentimento gritando de bocas caladas e escorrendo de peles secas. Tanta coisa acontece com a gente. Tanta gente passa pela gente, mas tão pouca gente realmente fica."

Não sou uma coisa que agradece ter se transformado em outra. Sou uma mulher, sou uma pessoa, sou uma atenção, sou um corpo olhando pela janela. Assim como a chuva não é grata por não ser uma pedra. Ela é uma chuva. Talvez seja isso que se poderia chamar de estar vivo. Não mais que isto, mas isto: vivo. E apenas vivo é uma alegria mansa.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica A alegria mansa – trecho.

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Por isso eu acho que a gente se engana, às vezes. Aparece uma pessoa qualquer e então tu vai e inventa uma coisa que na realidade não é. Ela é intensa e tem mania de sentir por completo, de amar por completo e de ser por completo. Dentro dela tem um coração bobo, que é sempre capaz de amar e de acreditar outra vez. Uma solidão de artista e um ar sensato de cientista… tem aquele gosto doce de menina romântica e aquele gosto ácido de mulher moderna.

Antes do aparecimento do espelho a pessoa não conhecia o próprio rosto senão refletido nas águas de um lago. Depois de um certo tempo cada um é responsável pela cara que tem. Vou olhar agora a minha. É um rosto nu. E quando penso que inexiste um igual ao meu no mundo, fico de susto alegre. Nem nunca haverá. Nunca é o impossível. Gosto de nunca. Também gosto de sempre. Que há entre nunca e sempre que os liga tão indiretamente e intimamente?

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Quando uma pessoa anda com insónias, volta-se e torna-se a voltar na cama, à procura do fresco ombro do leito. Mas basta tocá-lo, para ele se tornar tépido e recusar-se. E ele procura noutro sítio uma fonte durável de frescura. Mas não consegue dar com ela, porque mal lhe toca a provisão esvai-se. O mesmo se passa com aquele ou com aquela que se fica no vazio dos seres. Não passam de vazios os seres que não são janelas ou frestas para Deus. É por isso que, no amor vulgar, só amas o que te foge. De outra maneira, vês-te saciado e descoroçoado com a tua satisfação.

Honestamente, não gostaria de estar ao lado de uma pessoa que não tem nenhum interesse pela vida. Nem em evoluir. Tem coisa mais fútil que só olhar pra si mesmo?… Antes de amar alguém a gente admira essa pessoa. O jeito, o caráter, as qualidades, a forma como ri, sei lá. Qualquer coisinha vira coisona. Tudo é inspiração quando a gente ama.

Se soubesses da solidão desses meus primeiros passos. Não se parecia com a solidão de uma pessoa. Era como se eu já tivesse morrido e desse sozinha os primeiros passos em outra vida. E era como se a essa solidão chamassem de glória, e também eu sabia que era uma glória e tremia toda nessa glória divina primária que, não só eu não compreendia, como profundamente não a queria.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

É a pior morte, a do amor. Porque a morte de uma pessoa é o fim estabilizado, é o retorno para o nada, uma definição que ninguém questiona. A morte de um amor, ao contrário, é viva. O rompimento mantém todos respirando: eu, você, a dor, a saudade, a mágoa, o desprezo - tudo segue. E ao mesmo tempo não existe mais o que existia antes.

Martha Medeiros
MEDEIROS, M. Fora de Mim. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2010.