Tere Tavares
Seguir a intuição e arriscar-se como as aves – talvez assim se caia num recinto amoroso, numa fagulha de paz.
Dia branco. Dia de todo dia. Quanto há de riqueza na pobre alma da arte: essa aprovação afirmativa da vida em que gosto de morar.
Em tudo os meus olhos ardem
Como desertos sem oásis.
A miragem que me toca as pálpebras é floral.
Agora mesmo, essa promessa de rosa invade-me a face
E me diz: sou lume e, contigo, vago.
Da própria vida é que se retira e se edifica a arte. Ou não há sentido justificável tanto para arte quanto para a vida.
A arte é um estado de alma de que se abstrai uma integralidade capaz de ultrapassar a matéria; nunca representará a incandescência de quem a elaborou assídua e açodadamente.
Não há pensamento que possa conter a grandiosidade de uma experiência. A experiência, por si só, não deixa de ser pensamento.
Senti novamente as minhas mãos. Um búzio repleto de vazio. O mundo que obtive num voo maior. As minhas mãos sem ti.
Somos o leito quando um no outro adormecemos, como borboletas sem porto para pousar. Somos o brilho desses labirintos que nos sucedem. Só há leveza nesse nosso não saber das coisas.
Vem, banha-me de papiros e lírios e desertos, de Nilo Branco e Nilo Azul. Sou longínqua e persigo o sal das águas, as estrelas das mil e uma noites perfiladas no meu colo. Vela por todas as viagens que não fiz contigo. Senta-te e descansa a tua alegria na minha. Mistura-te ao meu silêncio. Faz de mim o que te falta.
Na depuração do toque moramos a afetividade, a exatidão incoerente, até nos pulverizarmos de sermos, um para o outro, nascidos.
Posso ouvir o crepitar submerso das etapas recolhidas na fagulha primitiva, no nascedouro inabitado, onde nêutrons, prótons e elétrons, sequer consintam ou se deem conta se existo antes ou depois da minha anunciação, consciência ou despedida.