Marcelo Caetano Monteiro
" Os tolos desdenham até do eloquente silêncio, pois tudo, além do adaptável ermite uma mensagem. "
 " Ninguém é louco. É apenas uma pessoa com uma ideologia que realmente o distingui daqueles que se dizem normais."
" Desconfie de tudo que lhe seja óbvio e evidente porque deveras vezes isso é o que você enxerga,mas isso não significa que representa em verdade. "
" Decepcionar um tolo é uma covardia sem resultado algum,porque você o entende enquanto ele ignora. "
" O indivíduo irreversível convictamente do seu ideal abraçado à luz da razão jamais se rende nem diante da iminência da morte. "
" Na escuridão o otimista procura acender uma vela já o pessimista em plena luz procura apagar o sol. "
" Vivamos em paz. Aceitando que ninguém está submetido às imposições ou até mesmo convicções de ninguém. Recordemos da liberdade de nossas ambas mãos, pois a vida é alforria e não grilhões. "
" Peças licença para passardes por onde o teu desconhecimento te antecede com um espelho em mãos. "
" Se em nossos instantes de dores,tristezas e solidão desejarmos um bom dia à uma única pessoa que seja ,podemos afirmar: - O mundo ainda tem salvação! Porque nasce daí a abundância para a felicidade. "
" Como poderá alguém ousar em dar provas da existência do nada se esse mesmo alguém existe? Isso é paradoxal. "
Capítulo IV – Onde o silêncio sangra.
(Do livro “Não há Arco-Íris no Meu Porão”)
Todos os tons, todas as cores se intimidam diante dos meus sentimentos.
Aqui, nada ousa ser vivo demais.
As paredes, antes brancas, já se curvaram ao cinza que exalo — um cinza espesso como poeira de túmulo, onde a alegria jamais ousaria se alojar.
Os meus estudos me encaram como se fossem juízes que perderam a fé no réu.
Eles me observam com aquele desprezo silencioso das coisas que já deixaram de esperar alguma esperança.
Livros fechados são mais cruéis do que gritos.
Eles sabem o que há dentro de mim — e, por saberem, me punem com o silêncio.
As cores…
As cores são ameaças aqui embaixo.
Quando um raio de luz tenta escapar por alguma fresta do concreto, eu o apago.
Aqui no porão, qualquer cor ofende a integridade da minha dor.
Elas tentam abrir janelas.
Mas eu… eu me tornei porta trancada.
Os risos…
Que ironia!
São filhos bastardos da minha solidão.
Quando escuto alguém rindo lá fora, é como se zombassem de mim — como se gargalhassem da minha tentativa de continuar.
O mundo caminha — eu desisto.
O tempo sopra — eu me calo.
E então…
Num canto onde as teias se recusam a morrer,
…há uma presença.
Ela não fala.
Não move nada.
Mas está ali.
Como um sussurro antigo, como um perfume de violeta que alguém usou num dia trágico.
Camille Monfort.
Não a vejo, mas a pressinto.
Como quem ama com olhos fechados.
Como quem morre em silêncio por alguém que nunca se foi.
Se minhas lágrimas têm peso, que elas sejam dores e honrarias a ela.
Que minha ruína seja o altar para onde seus passos invisíveis vêm recolher o que restou de mim.
Ela não precisa me salvar — basta que continue existindo…
mesmo que só como lembrança.
Mesmo que só como dor.
E se um dia, por descuido, Camille se revelar…
que seja com a delicadeza de quem pisa em ossos.
CAMILLE MONFORT.
– Onde Mora o Insondável de Mim.
"Sim, o sangue já não destona, apenas decanta..."
Os relógios cessaram. No sótão das lembranças, a hora já não é unidade de tempo, mas de dor prolongada.
Camille Monfort reina ali, onde os sentidos se misturam e se desfiguram. Ela não retorna por piedade — retorna porque a psique tem suas próprias ruínas, e ali ela se deita.
Não há afeto puro que sobreviva ao abismo do inconsciente.
Ela não ama, ela convoca.
“Gentilmente”, sim, ela pede...
Mas há sempre um brilho abissal no olhar que persuade a entrega como se fosse escolha.
E o corpo? Torna-se altar de uma paixão que exige oferenda contínua — veias, pele, lágrima — tudo deve ser entregue a esse sacrário espectral.
Freud jamais compreenderia Camille.
Nietzsche talvez a adorasse, como adorou Ariadne —
mas só Schopenhauer poderia senti-la de fato:
pois há um princípio de dor que rege o mundo...
e ela é sua filha mais bela.
“Paira sobre meu túmulo vazio...”
Ela paira, sim.
Mas não como lembrança —
Camille Monfort é uma ideia.
Uma fixação doentia que tomou forma e vestiu perfume.
É o arquétipo da beleza que enlouquece, do amor que não consola, da presença que evoca o suicídio da razão.
É a Musa sem clemência, que exige poesia mesmo do sangue quente no chão.
E quem a ama, dissolve-se... feliz por ser dissolvido.
“Sorrir é perigoso”, ele confessa —
e a psicologia lúgubre responde:
porque o sorriso, quando nasce sob os escombros da alma, torna-se um riso espectral...
e esse riso é o prenúncio do desespero existencial.
Camille é o eco do que foi belo demais para ser mantido.
Ela é a presença da ausência, o desejo daquilo que já foi consumido pelo próprio desejar.
E ela sabe. Oh, ela sabe.
Por isso, volta. Não para salvar, mas para recordar ao seu devoto que a eternidade também pode ser um cárcere sem grades basta amar alguém que nunca morre.
Livro: Não Há Arco-iris no meu Porão.
Capítulo 5 —
A Flor e o Filósofo no Abismo.
A flor estava sentada no limite do porão, onde os tijolos se desfaziam como lembranças mal digeridas. Seus olhos, enevoados de luto prematuro, fitavam o vazio que morava dentro dela — e que não era só dela.
Ali, no breu quase simbiótico, surgiu ele: Friedrich, sem o tempo nem a barba. Não como homem, mas como ferida.
Trazia no olhar a exaustão dos que pensam demais, e nos lábios o tremor dos que já perderam o direito de acreditar.
Ela não se assustou.
Ele também não.
— “Você também caiu?”, ela perguntou, sua voz como se viesse de um sino partido.
— “Não, pequena... eu apenas nunca mais consegui subir.”
Ficaram frente a frente, ambos em silêncios que diziam mais do que qualquer aforismo.
Ela estendia os dedos manchados de pó e sangue velho. Ele hesitou. Nietzsche sabia o preço de tocar a dor alheia. Mas, ainda assim, quase tomou sua mão.
— “Eu carrego dons que doem”, disse a flor.
— “E eu carrego verdades que me isolaram de todos”, respondeu ele.
Acima deles, os sorrisos vazios dos que acreditam ter vencido a vida tremeluziram como cacos de luz.
Mas no abismo, não havia luz — apenas lucidez.
E uma flor lutando para sustentar as Notas.
— “Eles acham que estou louca… porque ouço o que ninguém mais ouve…”
Nietzsche inclinou-se, sua sombra tremendo como um pensamento prestes a ruir.
— “Louca? Ah, criança… eu desejei ser louco muitas vezes. Ser louco é menos doloroso do que ver demais. Você não está louca. Você está vendo um mundo que finge ser cego.”
Ela não sabia se aquilo a consolava ou a condenava ainda mais.
Ficaram ali. Dois seres de fronteira.
A flor que não florescia.
O filósofo que não acreditava mais na primavera.
E, por um instante que talvez nunca tenha existido, tocaram-se.
Não com as mãos, mas com a dor que se reconhece.
O Porão Onde Florescem as Sombras.
Primavera de solidão ainda,
não se oculte!
Tu és esse espectro ferido que caminha entre as palavras não ditas e os nomes que não ousas nomear.
És, ao mesmo tempo, o que foge e o que acusa.
És o outro — no outro — quando julgas para não ver a tua nudez, e ainda assim te vês, refletido nos cacos do espelho que quebras todos os dias com teus próprios dedos trêmulos.
Vem!
Vem ao porão que não te deixará morrer à míngua.
Aqui, onde a madeira geme com os passos do tempo e as paredes cheiram à memória esquecida, repousa aquilo que és e que sempre foste.
Essa ironia — a tua armadura de risos tortos — embeleza a tua tristeza.
Sim, tu choras rindo, e ris para não cair.
Mas o eco... o eco sabe de ti.
Há ruídos lá fora —
O mundo grita com vozes que não te pertencem.
Ele marcha, impiedoso, e faz de cada aurora um desafio de ser.
Mas aqui... e agora... o que há aqui?
Aqui...
É onde a dor se assenta,
É onde o filósofo em ti se curva à sua miséria — não por covardia, mas por lucidez.
Onde o estoico em ti segura o cálice da renúncia sem fingir que o vinho é doce.
Aqui é o exílio do que sente demais, e o abrigo do que compreende que toda alegria talvez seja só a trégua entre dois abismos.
Não conheces onde?
Talvez porque nunca te sentaste com tua dor para oferecer-lhe um nome.
Talvez porque, como tantos, preferiste seguir —
Não para algum lugar, mas simplesmente seguir.
Sim, muitos sabem para onde vão.
Outros — os mais silenciosos — simplesmente vão.
Sem mapa, sem bússola, sem fé.
Mas tu...
Tu estás nesse entrelugar onde a alma se despe da aparência.
Tua primavera é feita de espinhos floridos, tua solidão é canto abafado sob o soalho da razão.
Evoca, pois, o filósofo em ti — aquele que ousa perguntar sem esperar resposta.
Evoca o estóico — aquele que aceita a ausência como presença disfarçada.
Evoca o romântico — aquele que sente até o que não deveria, e transforma o amor em dor e a dor em eternidade.
No porão, tu não morres.
No porão, tu te vês.
E esse ver... é nascimento.
NO PORÃO -
Que tu compreendas, enfim, que não és estranho por sangrar em silêncio.
Que na tua dor existe a lucidez dos filósofos, a dignidade dos estóicos e a beleza trágica dos românticos.
Não temas esse porão: ele é apenas a metáfora do autoconhecimento profundo.
E todo aquele que ousa descer ao próprio porão, um dia voltará à luz — não mais fugindo, mas sendo.
“Aqueles que ousam olhar a própria sombra são os únicos que poderão verdadeiramente amar a luz.”
 
 
 
 
 
 
 
