Leminski

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amei em cheio
meio amei-o
meio não amei-o

podem ficar com a realidade
esse baixo-astral
em que tudo entra pelo cano
eu quero viver de verdade
eu fico com o cinema americano

Paulo Leminski
Toda Poesia

Hesitei horas
antes de matar o bicho.
Afinal, era um bicho como eu,
Com direitos, com deveres
E, sobretudo,
incapaz de matar um bicho,
como eu.

Ai daqueles
que se amaram sem nenhuma briga
aqueles que deixaram
que a mágoa nova
virasse a chaga antiga.

Ai daqueles que se amaram
sem saber que amar é pão feito em casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não porque não tem asa.


Ai daqueles
que se amaram sem nenhuma briga
aqueles que deixaram
que a mágoa nova
virasse a chaga antiga.

Ai daqueles que se amaram
sem saber que amar é pão feito em casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não porque não tem asa.

Depois de hoje
a vida não vai mais ser a mesma
a menos que eu insista em me enganar
aliás
depois de ontem
também foi assim
anteontem
antes
amanhã

“Quem nasce com coração? Coração tem que ser feito. Já tenho uma porção Me infernando o peito”.

(trecho do livro em PDF: Toda Poesia)

A tese segunda
Evapora em pergunta
Que entrega é tão louca
Que toda espera é pouca
Qual dos cinco mil sentidos
Está livre de mal-entendidos?

essa idéia
ninguém me tira
matéria é mentira

Paulo Leminski
Livro La Vie en Close

datilografando este texto

ler se lê nos dedos
não nos olhos
que olhos são mais dados
a segredos

Paulo Leminski
Toda Poesia

Dois loucos no bairro

Um passa os dias
chutando postes para ver se acendem

O outro as noites
apagando palavras
contra um papel branco

Todo bairro tem um louco
que o bairro trata bem
só falta mais um pouco
pra eu ser tratado também

A mente começa no corpo

me enterrem com os trotskistas
na cova comum dos idealistas
onde jazem aqueles
que o poder não corrompeu
me enterrem com meu coração
na beira do rio
onde o joelho ferido
tocou a pedra da paixão

“Pra que cara feia?/ na vida,/ ninguém paga meia.”

mesmo
na idade
de virar
eu mesmo

ainda confundo
felicidade
com este
nervosismo

suprassumos da quintessência

O papel é curto.
Viver é comprido.
Oculto ou ambíguo,
tudo o que digo
tem ultrassentido.

Se rio de mim,
me levem a sério.
Ironia estéril?
Vai nesse ínterim,
meu inframistério.

Para limpar lágrimas, uma
lápide.

Amando,
aumenta
até duas mil vezes
o tamanho.

ver
é dor
ouvir
é dor
ter
é dor
perder
é dor

só doer
não é dor
delícia
de experimentador

As flores
são mesmo
umas ingratas
a gente as colhe
depois elas morrem
sem mais nem menos
como se entre nós
nunca tivesse havido vênus

Invernáculo

Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quem sabe maldigo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.

Cansei da frase polida / por anjos da cara pálida (...) / agora eu quero a pedrada / chuva de pedras palavras / distribuindo pauladas.

E que dizer de uma frase assim: a poesia existe para satisfazer a necessidade de poesia dos poetas? Escândalo, loucura e anátema! Quando, em minhas palestras, chego nesse ponto, instala-se o tumulto, que deixo desenvolver-se um pouco para valorizar a frase que vem a seguir. – Um momento. Poeta não é só quem faz poesia. É também quem tem sensibilidade para entender e curtir poesia. Mesmo que nunca tenha arriscado um verso. Quem não tem senso de humor, nunca vai entender a piada. E concluo: – Tem que ter tanta poesia no receptor quanto no emissor. Nesse auge, a multidão prorrompe em aplausos e me carrega em triunfo até o bar mais próximo, onde beberemos à saúde de todos os poetas-produtores e todos os poetas receptores do mundo. Saúde a vocês que fazem, saúde a vocês que curtem, pólos magnéticos por onde passa a faísca da poesia.

se amor é troca
ou entrega louca
discutem os sábios
entre os pequenos
e os grandes lábios

Paulo Leminski
Toda Poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

Nota: Trecho do poema Donna Mi Priega 88.

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⁠Uma vida é curta
Para mais de um sonho

Paulo Leminski
Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

A poesia é A LIBERDADE da minha LINGUAGEM