Leminski

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Pra que é que eu quero quem chora,
se estou tão bem assim,
e o vazio que vai lá lá fora
cai macio dentro de mim?

soprando esse bambu
só tiro
o que lhe deu o vento

Nada foi
feito o sonhado
mas foi bem-vindo
feito tudo
fosse lindo

ASAS E AZARES

Voar com asa ferida?
Abram alas quando eu falo.
Que mais foi que fiz na vida?
Fiz, pequeno, quando o tempo
estava todo do meu lado
e o que se chama passado,
passatempo, pesadelo,
só me existia nos livros.
Fiz, depois, dono de mim,
quando tive que escolher
entre um abismo, o começo,
e essa história sem fim.
Asa ferida, asa ferida,
meu espaço, meu herói.
A asa arde. Voar, isso não dói.

Essa minha secura
Essa falta de sentimento
Não tem ninguém que segure,
Vem de dentro

Tem explicação? Sempre gostei de times de massa, pura emoção, explosão, gritos de gol. E as cores? Sou descendente de polonês, mas nunca seria coxa-branca, por exemplo. O verde e branco não toca, não tem a força do vermelho e preto.

Quem nunca viu
que a flor, a faca e a fera
tanto fez como tanto faz,
e a forte flor que a faca faz
na fraca carne,
um pouco menos, um pouco mais,
quem nunca viu
a ternura que vai
no fio da lâmina samurai,
esse, nunca vai ser capaz.

Sentado não tem sentido

ERA UMA VEZ

o sol nascente
me fecha os olhos
até eu virar japonês

vazio agudo
ando meio
cheio de tudo

Vai me ver com outros olhos ou com os olhos dos outros?

Confira
tudo que
respira
conspira

Pergunta tão rica precisava andar por aí mendigando respostas?

PARADA CARDÍACA

Essa minha secura
essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure,
vem de dentro.

Vem da zona escura
donde vem o que sinto.
Sinto muito,
sentir é muito lento.

Já me matei faz muito tempo
Me matei quando o tempo era escasso
E o que havia entre o tempo e o espaço
Era o de sempre
Nunca mesmo o sempre passo

Morrer faz bem á vista e ao baço
Melhora o ritmo do pulso
E clareia a alma

Morrer de vez em quando
É a única coisa que me acalma

Aqui
nesta pedra
alguém sentou
olhando o mar

o mar
não parou
para ser olhado
foi mar
para tudo quanto é lado

Paulo Leminski
Toda Poesia

sorte no jogo
azar no amor
de que me serve
sorte no amor
se o amor é um jogo
e o jogo não é meu forte,
meu amor?

Temporal
Fazia tempo
Que eu não me sentia
Tão sentimental

Coração
PRA CIMA
Escrito embaixo
FRÁGIL

sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos afora

calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa

ano novo
anos buscando
um ânimo novo

você está muito sensata
acho bom
você consultar um psicopata

um bom poema leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto

Você nunca vai saber o que vem depois de sábado, quem sabe um século muito mais lindo e mais sábio, quem sabe apenas mais um domingo.

Sei quando uma pessoa está por dentro ou está por fora. Quem está por fora não segura um olhar que demora...