Everton Medeiros
O DIFERENTE
este mundo não me compreende
e não me aceita
pois
lá no fundo
ninguém também se entende
quando o diferente
sempre alguém rejeita
contudo
quem é este ente?
decerto
não é quem cala e consente
quiçá
quem segue a própria mente
consciente que este mundo
lá no fundo
é diferente
perdi a conta do tanto que escrevi
entretanto, sei que é muito pouco
quando me dou conta de tudo que já li
TÊNIS
meu tênis já não funciona
está um tanto velho
e um pouco torto
gasto por muito uso
e esfolado em cada lado
caiu... em desuso
mas o descolado na ponta
desde muito novo
nunca levei em conta
pois sempre serviu bem
do jeito que se espera
CINZEL
Ah, se capaz eu fosse
lapidaria um universo
e, no cinzel, retiraria
todo o excesso que recobre
o meu mais lindo verso
na certeza de que agora
encontraria uma poesia
tão bela quanto você
NO CAFÉ
um homem
e seu filho
um café
um pão
e uma porção de amor
a atenção
nesta união
independe da fé
e de qualquer obrigação
pois é tudo o que importa
muito antes de passar
por aquela
ou qualquer outra porta
Para que uma obra-prima nasça, de antemão, há de haver a mão que a faça. O belo não surge sem um elo.
SUA POESIA
a garganta vibra
enquanto canta
tanto quanto encanta
entoa em bela melodia
o que pra muitos soa música
pra mim sua poesia
HOSPÍCIO
vivo num concreto espaço
e fujo da besta draconiana
tão besta quanto insana
ela degrada pelo cansaço
a fraca mente humana
aqui, neste louco hospício
neste pouco espaço
isolo-me do homem demente e mal-encarado
imundo, mas bem-humorado
vejo-me são num mundo deturpado
para além daquela porta
reina a insanidade, a vida de ilusão
mas aquém da vida torta
apenas eu, e meu mundo são
neste cubículo
tão concreto como abstrato
eu vejo o meu retrato
e nele percebo
o quanto sou ingrato
já vivi lá fora
e um dia fui um louco
agora, eu tenho um grande amigo
o médico do inimigo
hoje me chamou, sorriu e escancarou:
- lamento, meu amigo, mas a inês é morta.
lamento pela Inês.
ILUSÃO LATENTE
a consciência
já não mais é consciente
e a vida
embora ainda exista
é ilusão latente
mesmo que persista
no tal inconsciente
colheres sepulcradas
na argila do passado
remontam ao desconhecido
embebido por milênios
de águas dirpersas no tempo
pouco se revela
do muito que se vela
à luz da incapacidade humana
TOCA FUNDO
uma tocante melodia
tocando em seu pior dia
toca fundo
quando no fundo se entoca
uma falta de harmonia