A Estrela Olavo Bilac
A filosofia parece ser compatível com todas as posições de classe, com todas as condições profissionais e econômicas. Sócrates era um empreiteiro aposentado, Platão um aristocrata, Aristóteles um filho de funcionário público, Epicteto um escravo. Descartes era militar, Bacon juiz de direito, Espinosa técnico em fabricação de lentes, Leibniz diplomata, Vico mestre-escola, Marx jornalista e, last not least, Gramsci operário e depois agitador profissional.
Hugo de S. Victor explicava que pensar é transitar de uma idéia à outra (seja vagando pela floresta das analogias, seja subindo ou descendo na escala das proposições, do geral para o particular e vice-versa). Meditar, ao contrário é retroceder metodicamente desde um pensamento até seu fundamento ou raiz na experiência que o tornou possível.
"O 'eu' é aquele que responde por aquilo que sabe, e, mais ainda, por aquilo que ele sabe que sabe. O mais elevado autoconhecimento não consiste senão na admissão de um saber prévio assumido responsavelmente."
O eu que responde – o eu responsável – é a realidade humana mais direta, universal e permanente. Mesmo culturas que não chegaram a ter uma noção clara da individualidade psíquica já sabiam disso, como o prova o fato de que em todas elas quem é chamado a responder por seus atos é o autor deles, não um terceiro. Não há sociedade, por mais primitiva, onde as noções de autoria, culpa e mérito não estejam perfeitamente identificadas entre si.
"O eu não poderia ser criado por incorporação de papéis sociais se já não estivesse prefigurado, por um lado, na individualidade física e, por outro, na memória da memória – a recordação de estados interiores revividos na pura intimidade do indivíduo consigo mesmo."
O eu responsável – a consciência da consciência – não existe como coisa nem como estado: existe apenas como tensão permanente em direção a mais consciência, mais responsabilidade, mais abrangência e maior integração.
A consciência responsável é a verdadeira situação do ser humano no mundo. Observa-se isto nas interações mais simples, onde aquele que fala sempre espera que o outro o compreenda: não apenas que apreenda o sentido de uma frase, mas que adivinhe uma intenção e por trás dela capte a presença de um eu consciente semelhante ao seu.
O eu responsável é um dos fundamentos primários da sociedade humana. Ele é a origem de todas as idéias, criações, instituições, leis, hábitos, estruturas. Tudo o que, na sociedade, não possa ser rastreado até sua origem no eu consciente assume a aparência de coisa externa vinda ao mundo por pura magia espontânea. É o coeficiente de fantasmagoria que resta em toda sociedade por efeito da alienação e da perda de memória.
A música, em suma, tem não apenas ordem – o ruído de um motor também tem. Ela tem significado: aponta para algo que vai além dos elementos sonoros que a compõem. A distância entre ouvir sons e apreender uma melodia é a mesma que há entre ouvir palavras e compreender o que dizem – ou, pior ainda, entre compreender o mero sentido verbal das frases e reconhecer a que elas se referem na vida real.
"Não importa do que você esteja falando, o milagre da linguagem abstrata permite que você se refira aos objetos não só sem necessidade de que eles estejam presentes fisicamente, mas sem necessidade de que você pense neles como coisas reais. [...] No entanto, nada de parecido se dá com a consciência. Você não pode falar dela sem que ela esteja presente e em ação naquele mesmo instante. O verdadeiro discurso sobre a consciência tem, ao contrário, o dom de intensificar a consciência no instante mesmo em que você raciocina a respeito dela [...]."
"Consciência, no sentido forte da palavra, é autoconsciência atual, responsável – é algo que só pode existir no indivíduo real, presente, atuante. Consciência genérica, abstrata, é um puro fetiche lógico."
Um filósofo é, afinal, um especialista em unidade: raramente ele enunciará alguma proposição solta, sem raiz em princípios gerais e sem uma rede de conexões com a totalidade de suas idéias. Um bom leitor de filosofia não se perde na discussão de detalhes isolados, mas, guiado por um instinto de coerência que já o torna um pouco filósofo, busca por trás de tudo os princípios e fundamentos.
Em filosofia, toda expressão é provisória e requer o acúmulo praticamente interminável de esclarecimentos. Mas ao público brasileiro de hoje falta algo mais que a consciência disso. Falta o sentido mesmo da ligação orgânica entre as asserções e os argumentos que as embasam.
Em filosofia [...], nenhuma proposição significa nada quando considerada independentemente das razões que a ela conduzem. Nas discussões vulgares, ao contrário, cada afirmação vale por si; os argumentos podem torná-la mais aceitável, mas nada lhe acrescentam: sobra-lhes apenas a função de floreados enfáticos, destinados a sublinhar e colorir uma decisão tomada antes e independentemente deles.
A precaução mais elementar, ao ler os escritos de um filósofo, é lembrar que nossas objeções mais imediatas já devem ter-lhe ocorrido e podem estar respondidas, ao menos de maneira implícita, em alguma outra parte de sua obra.
"Esta expressão [tune deafness], para a qual não achei uma tradução unanimemente aceita em português (pode ser 'privação melódica'), designa a pessoa que, embora sem sofrer de nenhuma deficiência auditiva, simplesmente não consegue captar uma melodia. Ouve as notas separadas, mas não atina com a frase musical que compõem. Se o cantor desafina, ou o pianista toca um ré onde deveria entrar um fá, ela não nota a mínima diferença. Nos casos mais graves, o doente não consegue nem mesmo entender o que é música: não nota a mínima diferença entre os Concertos de Brandemburgo e o som das buzinas no tráfego congestionado. A doença é esquisita, mas não rara: segundo dados recentes, dois por cento das pessoas têm algum grau de tune deafness."
"A objetividade é sempre possível. O que não é possível é garanti-la mediante regrinhas e norminhas padronizadas. [...] Em geral, o conceito padronizado de objetividade é justamente um refúgio contra a necessidade de um esforço pessoal de descoberta e admissão da verdade."
"A objetividade é, em última análise, humildade perante o real – a humildade da inteligência. É talvez a mais difícil das virtudes. Não é coisa que se conquiste sem uma ascese interior, dificilmente acessível a pessoas que, como os jornalistas, vivem num meio antes propenso à tagarelice do que à reflexão. A probabilidade de que a massa dos jornalistas alcance essas alturas é a mesma de que todos os homens do mundo se tornem virtuosos por força das normas legais."
“Ou a luta contra o mal começa pela luta contra a confusão, ou só acaba contribuindo para a confusão entre o bem e o mal.”
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