Vestido de Noiva de Nelson Rodrigues
Redação do Trabalhador no ENEM
“A educação é fundamental, é a chave para que o Brasil se torne de fato um país desenvolvido” (ROUSSEFF, Dilma. 2010). Ideia atraente em palavras e, disto, decorre a falsificação da realidade, bem como o seu mau-uso nesta mesma realidade.
Falando em realidade, nos atentemos a ela. Sábado e domingo, fiscalizando o Enem, deparei-me com o seguinte paradoxo: o trabalhador quer mudar de vida através da educação (nada mais bonito de se constatar). Entretanto, como mudará de vida através dela – da educação - se no dia anterior trabalhou o dia ou a noite inteira e, naqueles dois dias, estava diante de uma prova de 90 questões por dia (além da redação no domingo)?
Com a licença de uma amiga a qual comentei isto, reproduzirei parte de nossas trocas de ideias. Ao comentar o caso, ela me disse que “a pessoa tem que estar focada, mas não tem como desistir. A superação é maior do que a realidade permite, a pessoa tem que se superar pra depois não se arrepender”. Pois bem, “focada”, o “foco do indivíduo”, “a força de vontade”. Isto é o que o Capitalismo auxiliado pelo pensamento Liberal faz alguns pensarem, pensar que só depende da pessoa e, desta maneira, se consegue, heroísmo e dotado de grande força de vontade, se não consegue, preguiçoso e sem falta de vontade própria, não se superou, fracassado. A amiga também disse da negociação entre trabalhador e patrão. Como haver negociação favorável ao trabalhador se o mesmo se encontra em desigualdade. Como esperar conciliação se há interesses divergentes? O governo não deve esperar negociação, ou melhor, não deve esperar “a falsificação de uma falsa negociação”, uma falsa conciliação. Meu pai é empresário, e pelo que lhe conheço, sei que liberaria – até orgulhosamente – seu funcionário caso ele pedisse folga no dia anterior à prova para “preparar-se melhor”. Porém, e se um dia lhe ocorrer de não “conciliar” o seu interesse com o de seu trabalhador? E se o seu trabalhador não tiver audácia – sim, pois para alguns empresários, tal pedido seria encarado assim – de pedir-lhe a liberação? Não há conciliação de interesses entre patrões e empregados. Não há conciliação entre capital e trabalho. Não se deve esperar a boa vontade do empresário. Desta boa vontade, o “inferno” está cheio. O governo, que se propõe ao lado do trabalhador, deve, de fato, defender seus interesses.
Fracassados? Voltando a realidade daqueles dois dias, percebi que as duas senhoras que declararam ser trabalhadoras – uma, inclusive, trabalhando à noite inteira numa cozinha porque não atendida pelo patrão quando pediu uma “folga” – não estavam em mínimas condições físicas e psicológicas de fazer a prova. Sentadas na cadeira, lutavam pra manter os olhos abertos e fixos nas questões. No insucesso, uma delas entregou-se aos cochilos por várias vezes e a outra suspirava fundo, andava um pouco no corredor, ia ao banheiro, lavava o rosto – inclusive, me perguntando se, em algum lugar, conseguiria café, o que respondi em poucas (e dolorosas) palavras, como me foi incumbido, que não tinha conhecimento uma vez que era a primeira vez trabalhando ali.
O que constatei observando as duas senhoras é que não, estas duas senhoras e mais milhares de outros trabalhadores não são fracassados, já são vencedores somente ao se proporem mudar socialmente pela educação, não podendo ser culpabilizados pelas condições que não lhes eram favoráveis, como foram a mim quando fiz a prova, descansado, sem ter trabalhado no dia anterior ou em quaisquer outros dias, ou seja, minhas condições - e a de vários “concorrentes” das duas senhoras naquele dia - era de preparo físico e psicológico, além de, é claro, teórico. (Estou aqui falando somente da preparação física – e, até certo ponto, psicológica - do trabalhador que é o imediato do exame. A preparação em outro sentido, qual seja nos conteúdos, é algo mais complexo pra caber neste pequeno texto, mas igualmente importante.)
Além disso, constatei também que não se pode restringir algo que se propõe – e deve ser de fato – universal: o acesso à educação. Não falo da igualmente ridícula “concorrência em igualdade de condições”. No acesso à educação que se pretende universal, não há concorrência, caso contrário e obviamente, não é universal. Falo, pelo menos neste pequeno texto e mais imediatamente, de um caso dentre as diversas condições desfavoráveis ao trabalhador no acesso à educação, condições estas, falsificadas por frases de efeito, ideais e raras histórias de “superação pessoal”.
Mais uma vez, voltando à realidade, a trabalhadora que tentou ficar acordada o tempo todo, por fim e vencida pelo cansaço, desiste de terminar a prova, desiste no meio de sua redação. Frustrada e cabisbaixa, desenha, cochila, desenha, cochila, desenha, coch... E o governo, que se diz preocupado tanto com a educação - encarando-a como indispensável pr’uma mudança social - quanto com os trabalhadores – haja vista que o Partido dos TRABALHADORES está à sua frente – nada faz nesta lamentável situação. Contraditório, não?
Amor tem perfume
Não meça o amor
através do perfume de quem se ame:
quando não mais sente o cheiro,
acabou o novo – não o amor.
O amor é velho!
Há perfume, não se engane.
O amor e as saudades
Afasto-me pela saudade
afastado
ela aumenta.
Ponho-me perto
- em tua vida -
há saudade na presença.
Duas saudades:
não o costume ou a ausência,
é só o amor quem alimenta.
O Dia do Estudante Capixaba
Os apitos, os cartazes
as pernas, os gritos
batucadas!
A luta,
não baderna,
-“minha nossa!”-
é a vanguarda organizada!
E se são 4 ou 6 mil
- me pergunto –
o que importa
pra gente que se uniu?
Importa que não se vive mais no chumbo:
o dia do estudante capixaba
não é 11 de agosto,
foi dia 3 de junho!
Cida e Maria
Na falta da branca,
as mães-pretas.
E a presença das pretas
acalmava a da branca.
Na falta dos filhos,
o branco.
E a presença do branco
acalmava a dos filhos.
Mães-pretas,
me perdoem,
roubei de vocês
os filhinhos!
Mães-pretas,
me abençoem,
no corpo sou branco
na alma, neguinho!
A Parte Única do Poema
Quem é o homem
que se esconde na rima, estrofe
no ritmo
ou num poema?
Foge do amor
da mulher amada
dum problema
da vida?
Ou o amor
a mulher amada
um problema, a vida
refugia-se no poeta?
Este homem,
ninguém saberá
se não lê-lo
como parte do poema.
As vezes do poema
Às vezes é uma insônia,
às vezes é uma dor,
às vezes é uma alegria.
Às vezes é um acaso,
às vezes é um propósito,
às vezes um cotidiano,
às vezes um inesperado.
Às vezes é uma mulher,
às vezes um passarinho
às vezes um terremoto.
Às vezes é um vento...
e o que é sempre
é o poema que chega.
Teu poema
Procurando teu poema,
madrugada a dentro - manhã chegou.
Os teus traços, o teu encanto
nenhum deles revelou.
Prostra-se a manhã
e não exito em te escrever.
Fosse eu poeta fino,
já diria
- vai menino
e te entregaria este fazer.
Teu poema eu fiz agora,
bem parece com você:
texto único, obra ímpar,
versos próprios em belas rimas
que em poetas ou meninas
eu jamais me pus a ler.
Aeroporto em lotação
Caos pra quem?
Fato novo, mal moderno
pro Eike ou pro João?
Que não tem
coisa melhor
ver o rico, homem-fino
indo atrás de um peão.
Fato novo
e coisa boa
é ver o povo no avião.
O aeroporto, as salas cheias,
o operário, o “subalterno”
ir ao lado do patrão!
Morre; Não morre; Mata
Um amor
que morria de medo
da morte do amor
matar.
Descobriu que não morre.
Matou outro amor
de uma morte
não morrida.
O poeta quer morrer
O poeta tem vocação pra morrer:
De dor, de ciúme, de alegria, de amor
de tudo que viveu.
Mas o poeta é eterno.
Posto que é eterno
quem um dia
já morreu.
5 Aiaiai ou AI-5
Tô parado
amarrado
fui socado
enjaulado
e torturado.
Tiraram meu poder
tiraram meu comer
tiraram meu dizer
tiraram meu viver.
Digo a eles:
Não.
Não deixo o país
não o amo infeliz
nem quero o bis
dessa diretriz.
Pois se o que querem
é conseguir
meu direito de ir e vir...
...To parado
amarrado
fui socado
enjaulado
e torturado...
...e eu jamais irei calar.
Vila Velha
Oh minha bela Vila Velha
vila nova,terra bela.
Pôde ser nova ante bela
pois escolheu ser velha.
Desde os tempos da manivela
encantou caravela
És mais formosa dentre as vilas,
dentre as vilas que se vela.
Primeira
Sentado num sofá,
teu sorriso fez-me dançar
numa valsa dançante
e me pus a acompanhar.
Fixei-me em seu moldado olhar ,
que dum jeito querendo fugir
-fugir da realidade.
Levava-me contigo
de toda essa maldade.
Quissá que todas
fossem alvas assim
e teríamos neve
enfim.
Pena,
não sou mais um menino.
Quero amar deuses
traçando
meu já traçado
destino.
Espelho seu
Seus olhos-de-cana
me atraem pra cama,
levam-me ao mar,
fazendo incendiar.
Tens beijos molhados,
doces,
amargos,
salgados.
Cabelos mexidos
revelam segredos
e os lindos vestidos
encobrem-te aos pés
sob encantos fiéis.
Nossos corpos amarrados,
cheiros entrelaçados
num abraço colado
qual fazem-me amado.
Sorriso aberto
sinto-me certo.
Sinto-me bom.
Sinto-me um.
Sinto-me eu.
Sinto-me dois.
Sinto-me nós.
Escuto sua voz
que me leva pra longe
e depois nos esconde.
Deixa eu te amar,
deixa eu sonhar
deixa eu falar.
Só não me deixe
recordar.
La Ventana
Minha porta está fechada
o mundo inteiro:lá fora
pessoas enterradas
daqui,
vejo ir tudo embora.
Quando acendem as luzes,
iluminam as ruas
escurecem caminhos
eu, só,
viro Lua.
Meu horizonte é humano
cinzento,pobre-enriquecido
minha paisagem é sombria
respiro ar poluído.
O meu alto se torna baixo
e meu baixo é inabitado.
Vos descrevo tudo que fotográfo
da janela do meu quadrado.
Quero-Quero
Se me perguntares se ainda a quero,
lhe responderei quando sozinho: sim
e lhe responderei quando com ela: sim
A quero em toda circunstância
numa mera semelhança
a quem ama.
Thays
Transito
num amor
infinito.
Humanamente
tenho poderes
esquisitos.
Arte
de ter sorrisos
explícitos.
Yasmins
são perto de ti
mito.
Só
amo a ti e, logo,
grito.
Do tempo de amigos
Vivo no tempo
em que amigos
podem ficar no meio do caminho
mas nunca antes de completarem seu percurso.
Estou no tempo
que não se fabricam amigos
- a fábrica fechou,
qual único funcionário aposentou.
Se acata a todos
pra não ter inimigos.
Sou do tempo
que pra ser amigo
basta um sorriso,
não necessita talento, rodeios, palavras,
dotes e nem tempo...
...afinal, tempo material
não acompanha o sentimental.
...e digo mais...
Sentimento não tem tempo
Sentimento,
tem momento.
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