Poemas curtos de Clarice Lispector
Nunca houve – em todo o passado do mundo – alguém que fosse como ela. E depois, em três trilhões de trilhões de ano – não haveria uma moça exatamente como ela.
Ir para o sono se parece tanto com o modo como agora tenho de ir para a minha liberdade. Entregar-me ao que não entendo será pôr-me à beira do nada.
(...) mas agora, por desprezo pela palavra, talvez enfim eu possa começar a falar.
Como eu não sabia o que era, então “não ser” era a minha maior aproximação da verdade: pelo menos eu tinha o lado avesso: eu pelo menos tinha o “não”, tinha o meu oposto. O meu bem eu não sabia qual era, então vivia com algum pré-fervor o que era o meu mal.
Só agora sei que eu já tinha tudo, embora do modo contrário: eu me dedicava a cada detalhe do não. Detalhadamente não sendo, eu me provava que – que eu era.
Oh Deus, como estou sendo feliz. O que estraga a felicidade é o medo.
O que é um espelho? É o único material inventado que é natural. Quem olha um espelho, quem consegue vê-lo sem se ver, quem entende que a sua profundidade consiste em ele ser vazio, quem caminha para dentro de seu espaço transparente sem deixar nele o vestígio da própria imagem – esse alguém então percebeu o seu mistério de coisa.
A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia.
Sentia que "podia".
Há uma hora em que se deve esquecer a própria compreensão humana e tomar um partido, mesmo errado, pela vítima, e um partido, mesmo errado, contra o inimigo. E tornar-se primário a ponto de dividir as pessoas em boas e más. A hora da sobrevivência é aquela em que a crueldade de quem é vítima é permitida, a crueldade e a revolta.
A maioria das coisas "impossíveis" são impossíveis apenas porque não foram tentadas.
E o amor, em vez de dar, exige.
Sejam vocês mesmas! Estudem cuidadosamente o que há de positivo ou negativo na sua pessoa e tirem partido disso. A mulher inteligente tira partido até dos pontos negativos. Uma boca demasiadamente rasgada, uns olhos pequenos, um nariz não muito correto podem servir para marcar o seu tipo e torná-lo mais atraente.
Desde que seja seu mesmo.
Sei que ele não exige que eu faça sentido ou me explique.
Bem, e daí? Daí, nada. Quanto a mim, autor de uma vida, me dou mal com a repetição: a rotina me afasta de minhas possíveis novidades.
Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens.
É difícil compreender e amar o que é espontâneo e franciscano. Entender o difícil não é vantagem, mas amar o que é fácil de se amar é uma grande subida na escala humana. Quantas mentiras sou obrigada a dar. Mas comigo mesma é que eu queria não ser obrigada a mentir. Senão, o que me resta?
Eu me trato como as pessoas me tratam, sou aquilo que de mim os outros veem.
Sou assombrada pelos meus fantasmas, pelo que é mítico e fantástico – a vida é sobrenatural. (...) Antes de me organizar tenho que me desorganizar internamente. Para experimentar o primeiro e passageiro estado primário de liberdade. Da liberdade de errar, cair e levantar-me.
