Textos de Caio Fernando Abreu

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Eu não podia apenas sorrir quando me lembrasse de você? Mas acontece tipo assim: lembro do seu rosto, do seu abraço, do seu cheiro, do seu olhar, do seu beijo e começo a sorrir, é assim mesmo, automático, como se tivesse uma parte do meu cérebro que me fizesse por um instante a pessoa mais feliz do mundo. Eu sei, é lindo. Mas logo em seguida, quando penso em quão longe você está sinto-me despedaçar por inteira. E dói. Uma dor cujo único remédio é a sua presença. Então sigo assim, penso em você, sorrio, sofro e rezo, peço pra Deus amenizar essa dor.

E se perguntassem o que vem a ser o certo, Gabriela olharia com a cabeça torta como a de um cachorro quando parece não compreender o que se passa. O olhar de repente vidrado de quem tem sede de entender as coisas que acontecem ao redor. Ela não sabia amar, talvez. Então mais um amor havia ido embora, mais um amor havia chegado ao fim. Nessa imensa individualidade onde ninguém podia entristecê-la sempre cresciam espinhos. Espinhos para machucar aqueles que a machucavam, então assim não a tocavam. Não tocava porque o medo da mágoa não deixava que lhe tocassem, ou então havia medo porque não haviam tocado fundo o suficiente para que o medo não existisse. Que triste então estava sendo, mas Gabriela parecia acostumada. Acostumada e fria porque depois de tantas lágrimas, ela finalmente parecia ter secado. A maquiagem borrada em volta dos olhos tinha sido limpa na noite anterior. Quando Antônio e ela se encontraram; ela parecia inteira. Inteira porque não tinha ficado nada dela para trás.

Tenho medo de, dia após dia, cada vez mais não estar no que você vê. E tanto tempo terá passado, depois, que tudo se tornará cotidiano e a minha ausência não terá nenhuma importância. Serei apenas memória, alívio, enquanto agora sou uma planta carnívora exigindo a cada dia uma gota de sangue para manter-se viva. Você rasga devagar o seu pulso com as unhas para que eu possa beber. Mas um dia será demasiado esforço, excessiva dor, e você esquecerá como se esquece um compromisso sem muita importância. Uma fruta mordida apodrecendo em silêncio no quarto.

A perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro (a) mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo (a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo - porque se poderia ter, já que está vivo (a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é NEVER.

Escuta - Ele disse, bem perto do meu ouvido, a boca vermelha no rosto pálido quase encostada na minha pele. Tive uma vontade quase incontrolável de beijá-lo outra vez. Era meio compulsivo, aquilo. Ou magnético, sei lá. Fluidos, odores imperceptíveis, vibrações. Que coisa era aquela que, independente da razão, atraía ou repelia as pessoas? - A gente precisa conversar. Eu fiquei pensando naquilo que aconteceu. Do livro: Onde andará Dulce Veiga?

(...) Atrás da vidraça, olhando a chuva que, aos poucos, começa a passar.(...) “Tenho uma boa taça. Quero compartilhá-la com você”. Estende as mãos para a frente, como se fosse tocar o rosto de alguém. Mas você está sozinho, e isso não chega a doer, nem é triste. Então você abre a janela para o ar muito limpo, depois da chuva. Você respira fundo. Quase sorri, o ar tão leve: blue.

Parei um pouco de escrever para olhar pela janela e principalmente para ver se eu conseguia deter o pensamento. Acho que consegui. Porque quando começo assim não consigo mais parar, e não quero ouvir eles dizendo que não tem remédio, que eu não tenho cura, que você não existe. Depois eu paro e fico olhando a porta por onde você não entra, o telefone por onde você não fala, e então penso que talvez eles tenham razão, que talvez você não venha mais, e com dificuldade consigo até pensar que talvez você não exista mesmo. Mas não é possível, eu sei que não é possível: se estou escrevendo para você é porque você existe.

Eu entro nesse barco, é só me pedir. Nem precisa de jeito certo, só dizer e eu vou. Faz tempo que quero ingressar nessa viagem, mas pra isso preciso saber se você vai também. Porque sozinha, não vou. Não tem como remar sozinha, eu ficaria girando em torno de mim mesma. Mas olha, eu só entro nesse barco se você prometer remar também.

Brigadeiro, Guaraná, as praias mais bonitas do mundo, Chinelos Hawaianas, Feijoada, Carnaval, as mulheres mais bonitas do mundo, melhor vôlei, melhor futebol, melhor tenista, Caipirinha, cacau show, Tapioca, a modelo mais cobiçada do planeta, a língua mais difícil do mundo, Leite condensado, a maior floresta do mundo, não existem ataques terroristas frequentemente, Vulcões, Terremotos, Maremotos. O maior índice de humoristas do mundo, a maior variedade de estilos musicais, pessoas com histórias para contar. Você tem certeza que não gosta do Brasil?

Você me avisou que seria difícil, mesmo assim eu ainda continuo tentando. Meu desafio favorito passou a ser te decifrar. Seus gostos mais excêntricos, já não são tão esquisitos para mim. Seu mundo particular não me é mais estranho. E ainda me ouso tentar adentrar nele, mas as luzes estão apagadas, não consigo achar a porta. Só que não me dou por vencida, perseverança é meu forte. Mas você teme não enxergar que nesse nosso jogo eu quero ser o teu amor, ter o teu amor.

Apertou o livro entre dedos subitamente frios, depois colocou-o no colo para ajoelhar-se e estender as mãos em direção ao fogo. Eu parado na porta às quatro da manhã. Você indo embora. Eu me perdendo então desamparado entre cinzeiros cheios e garrafas vazias. Você indo embora. Eu indeciso entre beber um pouco mais ou procurar uma beata em plena devastação ou lavar copos bater sofás guardar discos mastigar algum verso adoçando o inevitável amargo despertar para depois deitar partir morrer dormir sonhar quem sabe. Você indo embora. Acordar na manhã seguinte com gosto de corrimão de escada na boca: mais frustração que ressaca, desgosto generalizado que aspirina alguma cura. Tocaria, o telefone? Você indo embora, fotograma repetido. Na montagem, intercalar. Você indo embora você indo embora.

E se perguntassem o que vem a ser o certo, Gabriela olharia com a cabeça torta como a de um cachorro quando parece não compreender o que se passa. O olhar de repente vidrado de quem tem sede de entender as coisas que acontecem ao redor. Ela não sabia amar, talvez. Então mais um amor havia ido embora, mais um amor havia chegado ao fim. Nessa imensa individualidade onde ninguém podia entristecê-la sempre cresciam espinhos. Espinhos para machucar aqueles que a machucavam, então assim não a tocavam. Não tocava porque o medo da mágoa não deixava que lhe tocassem, ou então havia medo porque não haviam tocado fundo o suficiente para que o medo não existisse. Que triste então estava sendo, mas Gabriela parecia acostumada. Acostumada e fria porque depois de tantas lágrimas, ela finalmente parecia ter secado. A maquiagem borrada em volta dos olhos tinha sido limpa na noite anterior. Quando Antônio e ela se encontraram; ela parecia inteira. Inteira porque não tinha ficado nada dela para trás. Seus olhos eram de desilusão, de cansaço. Cansada de construir sonhos, planos, fantasias. E depois da desilusão ter de destruir uma a uma, como se nada daquilo tivesse um dia existido, só para olhar para trás e não sentir nada do que sentira antes. Era mais um fim doído, choroso, arrastado.

Muito mais que com amor ou qualquer outra forma tortuosa da paixão, será surpreso que o olharás agora, porque ele nada sabe de seu poder sobre ti, e neste exato momento poderias escolher entre torná-lo ciente de que dependes dele para que te ilumines ou escureças assim, intensamente, ou quem sabe orgulhoso negar-lhe o conhecimento desse estranho poder, para que não te estraçalhe entre as unhas agora calmamente postas em sossego, cruzadas nas pontas dos dedos sobre os joelhos.[...]

Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe, berrando de pavor para o mundo insano, e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó. O que ou quem cruzo esses dois portos gelados da solidão é vera viagem: véu de maya, ilusão, passatempo. E exigimos o eterno do perecível, loucos.

Mergulho no cheiro que não defino, você me embala dentro dos seus braços, você cobre com a boca meus ouvidos entupidos de buzinas, versos interrompidos, escapamentos abertos, tilintar de telefones, máquinas de escrever, ruídos eletrônicos, britadeiras de concreto, e você me beija e você me aperta e você me leva pra Creta, Mikonos, Rodes, Patmos, Delos, e você me aquieta repetindo que está tudo bem, tudo bem.

Fico tão cansada às vezes, e digo pra mim mesma que está errado, que não é assim, que não é este o tempo, que não é este o lugar, que não é esta a vida. E fumo, e fico horas sem pensar absolutamente nada: então eu não sentia nada, podia fazer as coisas mais audaciosas sem sentir nada, bastava estar atenta como estes gerânios, você acha que um gerânio sente alguma coisa? Quero dizer, um gerânio está sempre tão ocupado em ser um gerânio e deve ter tanta certeza de ser um gerânio que não lhe sobra tempo para nenhuma outra dúvida. Claro, é preciso julgar a si próprio com o máximo de rigidez, mas não sei se você concorda, as coisas por natureza já são tão duras para mim que não me acho no direito de endurecê-las ainda mais.

Pena também que a gente se envergonhe de dizer, a gente não devia ter vergonha do que é bonito. Penso sempre que um dia a gente vai se encontrar de novo, e que então tudo vai ser mais claro, que não vai mais haver medo nem coisas falsas. Há uma porção de coisas minhas que você não sabe, e que precisaria saber para compreender todas as vezes que fugi de você e voltei e tornei a fugir. São coisas difíceis de serem contadas, mais difíceis talvez de serem compreendidas...

No início você briga, chora, faz drama mexicano. Então percebe que é cansativo demais manter esse jeito de levar as coisas. Acostuma-se… Não que pare de doer, mas que cai no seu entendimento que às vezes perdemos algo e não há solução. No fim você coloca um sorriso no rosto e finge que é sincero, até que a vida o faça realmente ser. Talvez os amores eternos sejam amenos e os intensos, passageiros. É isso.

Dá vontade de escrever carta, dizendo coisas que as pessoas não dizem mais, porque seriam coisas que só se dizem por carta, não por telefone, e ninguém escreve mais cartas, só telefona, e portanto há coisas que não são mais ditas entre as pessoas. Que coisas, não sei ao certo. Que hoje não consigo quase nada, além de pensar vadio. Isso, aquilo: perdoe.

Estou apostando minhas fichas em você e saiba que eu não sou de fazer isso. Mas estou neste momento frágil que não quer acabar. Fiquei menos cafajeste, menos racional, menos eu. E estou aproveitando pra tentar levar algo adiante. Relacionamentos que não saem da primeira página já me esgotaram, decorei o prólogo e estou pronto pro primeiro capítulo.

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