Rubem Alves Jardim
As crianças não tem ideia religiosas, mas têm experiências místicas. Experiência mística não é seres de um outro mundo. É ver este mundo iluminado pela beleza ...
“As almas dos velhos e das crianças brincam no mesmo tempo. As crianças ainda sabem aquilo que os velhos esqueceram e têm de aprender de novo: que a vida é brinquedo que para nada serve, a não ser para a alegria!”
(trecho extraído do livro em PDF: Se eu pudesse viver minha vida novamente)
É preciso reconhecer que Dostoiévski estava certo: os homens não estão
atrás de Deus por amor; o que eles querem mesmo são os milagres...
Otimismo é quando, sendo primavera do lado de fora,nasce a primavera do lado de dentro.
Esperança é quando, sendo inverno do lado de fora, a despeito dele brilha o Sol de verão no lado de dentro.
Sobre o tamanho
Se o maior fosse o melhor, o elefante seria o dono do circo.
(do livro em PDF: Ostra feliz não faz pérola)
Somos como os moluscos. Frágeis diante de um mundo imenso e assustador. Tratamos, então, de nos defender: construimos conchas duras de palavras.
O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: “Se eu fosse você…” A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta”.
(em “Se Eu Fosse Você”, do livro ‘O Amor Que Ascende a Lua’. Campinas/SP: Papirus, 1999.)
A alma é uma cigarra. Há na vida um momento em que uma voz nos diz que chegou a hora de uma grande metamorfose; é preciso abandonar o que sempre fomos para nos tornarmos outra coisa: “Cigarra! Morre e transforma-te! Saia da escuridão da terra. Voa pelo espaço vazio!”
"Amar e ser amado é isso: pensar numa pessoa ausente e sorrir. Ficar feliz sabendo que ela vai voltar. Ter alguém que escute e dê colo, sem dar conselhos. Andar de mãos dadas conversando abobrinhas. Olhar nos olhos da pessoa e sentir que eles estão dizendo: “como é bom que você existe”… ser, simplesmente, sem pensar que há um par de olhos nos vigiando para cobrar algo. Conversar madrugada afora, sem pensar em sexo."
PSICANÁLISE: Conversa na recepção: Conversa vai, conversa vem, digo que sou psicanalista. A moça entra em pânico, temerosa de que eu tivesse poderes para ver a sua alma. “Eu já fiz terapia”, ela disse. “Mas agora estou resolvida.” Pergunto: “Quando se deu o óbito?”. Ela me olha sem entender. Óbito? Explico: as únicas pessoas resolvidas que conheço estão no cemitério.
Os conhecimentos nos dão meios para viver. A sabedoria nos dá razões para viver. Quem não muda sua maneira adulta de ver e sentir e não se torna criança, jamais será sábio.
“Hoje é tudo o que temos: morangos à beira do abismo, alegria sem razões. A possibilidade da esperança”.
(Em “Sobre o otimismo e a esperança” – Concerto para corpo e alma. Página 160 – Editora Papirus – Campinas – São Paulo, 2012).
Gosto de tomates. Resolvi plantar uns tomateiros lá em Pocinhas do Rio Verde (MG). Amadureceu o primeiro tomate, todo vermelho, com exceção de um pontinho preto na casca. Nem liguei para o ponto preto. Colhi o tomate e me preparei para comê-lo. Dei a primeira dentada e cuspi. O que havia dentro dele era um verme branco, grande, enrugado, gordo por haver comido toda a polpa do tomate.
Foi essa a imagem que me veio à memória quando me preparava para falar sobre o mais terrível de todos os demônios. Ninguém suspeita. Ele vai comendo por dentro as coisas boas que crescem no nosso quintal. Eu sempre digo: demônios fazem ninhos no corpo. Cada um tem sua preferência. Neste caso a que me refiro, o demônio faz seu ninho nos olhos. E ele não gosta de coisas ruins e feias. Como o verme, ele prefere os tomates. Gosta de coisas bonitas. E o resultado é que, quando uma coisa bonita que cresce no nosso quintal (note bem: o demônio só faz sua obra no nosso quintal) é tocada pelo olho onde mora o verme ela imediatamente murcha, apodrece, cai. E aí vêm as moscas.
O demônio que se aloja nos olhos se chama inveja. Inveja vem do latim invidere que, segundo o dicionário Webster, quer dizer "olhar pelos cantos dos olhos". Inveja não olha de frente. Quem olha de frente tem prazer no que vê. Quem olha de lado olha com olho mau.
Olho mau, olho gordo: muita gente tem medo desse olhar. Não precisa. O verme da inveja nunca faz nada com os tomates da horta alheia. Ele só como os tomates da horta da gente.
Explico. Fernando Pessoa diz que a inveja "dá movimento aos olhos". Olho de inveja não olha numa direção só. Lembre-se do que eu disse: que o olho onde se aninha o verme da inveja só gosta de ver coisas bonitas. Então é assim que acontece. Eu tenho um belo tomate crescendo no meu quintal. É certo que não há vermes dentro dele. Vai dar uma deliciosa salada. Mas antes, vou mostrar o meu tomate para meu vizinho... Um pouco de exibicionismo faz bem para o ego. Mas aí eu olho para o quintal do vizinho. Ele também cultiva tomates. Vejo o tomate que cresce no tomateiro dele. Lindo! Vermelhíssimo, mais bonito que o meu. É nesta hora que o verme entra no meu olho. Meus olhos se movimentam. Voltam-se para o meu tomate que era minha alegria e orgulho. Já não é mais. Vejo-o agora mirrado, pequeno murcho. E ele corresponde: apodrece repentinamente e cai... Perdi o prazer da minha salada.
Esse movimento dos olhos é a maldição da comparação. Quando eu comparo o meu 'bom-bom-mesmo-mais-que-suficiente-para-me-fazer-feliz" com o "bom" maior do outro, fico infeliz. E o que antes me dava felicidade passa a me dar infelicidade. Com a comparação tem início a infelicidade humana. Isso acontece com tudo. Comparo minha casa, meu carro, minhas roupas, meu corpo, minha inteligência e até mesmo meu filho.
Frequentemente os filhos são vítimas no jogo de inveja dos seus pais. Aquele meu filho, que é a minha alegria, delícia de criança, com um jeitinho só dele e que me encanta... Mas o filho do vizinho tira notas mais altas que o meu, é campeão de natação, é mais forte, mais alto e não é gordinho... Então, meu olho se movimenta e o verme se aninha. E se dá o mesmo com meu tomate: apodrece.
* Rubem Alves é escritor, educador e psicanalista. Texto extraído da Revista Psique, maio de 2009
“Bernardo Soares escreveu que nosso problema está em nossa incapacidade de desembarcar de nós mesmos. É inútil ir até a China se não saímos da bolha onde vivemos".
(trecho extraído do livro em PDF: ostra feliz não faz pérola)
