Rompendo Lacos-Carlos Drumond de Andrade
Se cometi tantos erros, se tão rico e variado é o repertório dos meus pecados, para que inventar mais um, acusando-me logo daquilo que não fiz?
Era preciso erguer o povo à altura da cultura e não rebaixar a cultura ao nível do povo.
Não acredito que existam qualidades, valores, modos de vida especificamente femininos: seria admitir a existência de uma natureza feminina, quer dizer, aderir a um mito inventado pelos homens para prender as mulheres na sua condição de oprimidas. Não se trata para a mulher de se afirmar como mulher, mas de tornarem-se seres humanos na sua integridade.
A característica da maturidade está em, justamente, a gente aprender a lidar com a vida que não precisa ser perfeita.
A maturidade chega no nosso coração no dia em que descobrimos que nós temos problemas na vida, mas que ter problemas na vida não significa que a partir de então nós precisaremos ser infelizes por causa disso.
Ter problema na vida não é ter vida infeliz.
Porém, é preciso maturidade para compreendê-los.
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão
Tens o dom de ver estradas
Onde eu vejo o fim
Me convences quando falas
Não é bem assim
Se me esqueço, me recordas
Se não sei, me ensinas
E se perco a direção
Vens me encontrar
Tens o dom de ouvir segredos
Mesmo se me calo
E se falo me escutas
Queres compreender
Se pela força da distância
Tu te ausentas
Pelo poder que há na saudade
Voltarás
Quando a solidão doeu em mim
Quando meu passado não passou por mim
Quando eu não soube compreender a vida
Tu vieste compreender por mim
Quando os meus olhos não podiam ver
Tua mão segura me ajudou a andar
Quando eu não tinha mais amor no peito
Teu amor me ajudou a amar
Quando o meu sonho vi desmoronar
Me trouxeste outros pra recomeçar
Quando me esqueci que era alguém na vida
Teu amor veio me relembrar
Que Deus me ama, que não estou só
Que Deus cuida de mim
Quando fala pela tua voz
Que me diz: Coragem
Que Deus me ama, que não estou só
Que Deus cuida de mim
Quando fala pela tua voz
Que me diz: Coragem
Tudo é permitido, mas nem tudo convém. Tudo é permitido, mas nem tudo edifica.
É claro que a vida é boa (…)
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste…
Nota: Trecho de poema "Dialética", de Vinicius de Moraes.
Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes.
Nós, que somos fortes, devemos suportar as fraquezas dos fracos, e não agradar a nós mesmos. Suportar, não meramente tolerar ou “aguentar”, mas sustentar com amor.
Vazio
A noite é como um olhar longo e claro de mulher.
Sinto-me só.
Em todas as coisas que me rodeiam
Há um desconhecimento completo da minha infelicidade.
A noite alta me espia pela janela
E eu, desamparado de tudo, desamparado de mim próprio
Olho as coisas em torno
Com um desconhecimento completo das coisas que me rodeiam.
Vago em mim mesmo, sozinho, perdido
Tudo é deserto, minha alma é vazia
E tem o silêncio grave dos templos abandonados.
Eu espio a noite pela janela
Ela tem a quietação maravilhosa do êxtase.
Mas os gatos embaixo me acordam gritando luxúrias
E eu penso que amanhã...
Mas a gata vê na rua um gato preto e grande
E foge do gato cinzento.
Eu espio a noite maravilhosa
Estranha como um olhar de carne.
Vejo na grade o gato cinzento olhando os amores da gata e do gato preto
Perco-me por momentos em antigas aventuras
E volto à alma vazia e silenciosa que não acorda mais
Nem à noite clara e longa como um olhar de mulher
Nem aos gritos luxuriosos dos gatos se amando na rua.
Rio de Janeiro, 1933
A CAROLINA
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.
Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.
E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconseqüente,
Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico,
Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.
E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,
De haver melhor em mim do que eu.
Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa,
Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores,
De haver falhado tudo como tropeçar no capacho,
De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas,
De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida.
Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica,
Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar,
De que mais vale ser criança que querer compreender o mundo —
A impressão de pão com manteiga e brinquedos
De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina,
De uma boa-vontade para com a vida encostada de testa à janela,
Num ver chover com som lá fora
E não as lágrimas mortas de custar a engolir.
Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado,
O emissário sem carta nem credenciais,
O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro,
A quem tinem as campainhas da cabeça
Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.
Sou eu mesmo, a charada sincopada
Que ninguém da roda decifra nos serões de província.
Sou eu mesmo, que remédio! ...
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
Nota: Trecho de soneto de Luís de Camões.
Amor é fogo que arde sem se ver. É ferida que dói e não se sente.
Nota: Trecho de soneto de Luís de Camões.
Não te quero ter porque em meu ser está tudo terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados.
Tem dia que põe virgula, tem dia que põe reticências, tem dia que põe ponto final e tem dia que tem a necessidade de virar a página.