Poetas Portugueses
— Deus! Crer em Deus! Sim como o grito íntimo o revela nas horas frias do medo — nas horas em que se tirita de susto e que a morte parece roçar úmida por nós! Na jangada do náufrago, no cadafalso, no deserto — sempre banhado do suor frio — do terror e que vem a crença em Deus! — Crer nele como a utopia do bem absoluto, o sol da luz e do amor, muito bem! Mas se entendeis por ele os ídolos que os homens ergueram banhados de sangue, e o fanatismo beija em sua inanimação de mármore de há cinco mil anos! Não credo nele!
Pois meus olhos não cansam de chorar
Tristezas não cansadas de cansar-me;
Pois não se abranda o fogo em que abrasar-me
Pôde quem eu jamais pude abrandar;
Não canse o cego Amor de me guiar
Donde nunca de lá possa tornar-me;
Nem deixe o mundo todo de escutar-me,
Enquanto a fraca voz me não deixar.
E se em montes, se em prados, e se em vales
Piedade mora alguma, algum amor
Em feras, plantas, aves, pedras, águas;
Ouçam a longa história de meus males,
E curem sua dor com minha dor;
Que grandes mágoas podem curar mágoas.
Os teus olhos são frios como espadas
E claros como trágicos punhais
Têm brilhos cortantes de metais
Vejo neles imagens retratadas
De abandonos cruéis e desleais
Bucólica
A vida é feita de nadas;
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;
De casas de moradia
Caiadas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;
De poeira;
De ver esta maravilha:
Meu Pai a erguer uma videira
Como uma Mãe que faz a trança à filha.
A solidão desola-me; a companhia oprime-me. A presença de outra pessoa descaminha-me os pensamentos; sonho a sua presença com uma distracção especial, que toda a minha atenção analítica não consegue definir.
O amor é uma amostra mortal da imortalidade.
Descobri que a leitura é uma forma servil de sonhar. Se tenho de sonhar, porque não sonhar os meus próprios sonhos?
"nunca deixo saber aos meus sentimentos o que lhes vou fazer sentir... brinco com minhas sensações como uma princesa cheia de tédio com os seus grandes gatos prontos e cruéis..."
Passei por ti sem que te visse
Vi-te depois de ti não ver
O lembrar traz à superfície
O que o olhar deixa perder.
UNO
Nossos corpos se acalmam e se exaltam.
Num contato tão intenso e magnifico,
Que é dança, é arte, é vívido.
Movimento e sensação, sentimento.
Enquanto nossos rostos são vistos, são lidos.
Entre dedos e olhos atrevidos.
Nossas bocas se provocam e degustam.
Dentes e mordidas a todo custo.
O seu pudor, seu medo é meu abuso.
E meu susto, absurdo é seu conteúdo.
Me complementa, me alimenta.
Transforma minhas certezas em tormenta.
Cabelos, pele, unhas e beijos.
Partes cheias de vontades, desejos.
Justificam os hematomas e as palavras sobre tudo.
Receios, medos, sustos, sugestões, sonhos, mundo.
Num momento onde os dois não se anulam.
Mas por sentir e transmitir, formam algo uno.
Esperar pelo melhor e preparar-se para o pior: eis a regra.
Quer pouco: terás tudo.
Quer nada: serás livre.
O mesmo amor que tenham
Por nós, quer-nos, oprime-nos.
Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.
A presença dos céus não é a Tua, embora o vento venha não sei donde. Os oceanos não dizem que os criaste, nem deixas o Teu rasto nos caminhos. Só o olhar daqueles que escolheste nos dá o Teu sinal entre os fantasmas.