Poetas Brasileiros

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Satélite

Fim de tarde.
No céu plúmbeo
A lua baça
Paira.

Muito cosmograficamente
Satélite.

Desmetaforizada,
Desmitificada,

Despojada do velho segredo de melancolia,
Não é agora o golfão de cismas,
O astro dos loucos e enamorados,
Mas tão somente
Satélite.

Ah! Lua deste fim de tarde,
Desmissionária de atribuições românticas;
Sem show para as disponibilidades sentimentais!

Fatigado de mais-valia,
gosto de ti, assim:
Coisa em si,
-Satélite.

Manuel Bandeira
BANDEIRA, M. A Estrela da Tarde, 1960

Chorarei quando for preciso...
Depois, tudo estará perfeito...
Meus olhos secos como pedra.

Cecília Meireles

Nota: Versão adaptada de trechos do poema "Canção": Link

Pensando bem: quem não é um acaso na vida?

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Procuro o sopro da palavra que dá vida aos sussurros.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

— Eu queria propor-lhe uma troca de ideias...
— Deus me livre!

Tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras. Sou irritável e firo facilmente.

Clarice Lispector
Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

"Para me refazer volto ao meu estado de fresca realidade, mal existo e se existo é com delicado cuidado."

Ali estava eu, a menina esperta demais, e eis que tudo o que em mim não prestava servia a Deus e aos homens. Tudo o que em mim não prestava era o meu tesouro.

Clarice Lispector
Todos os contos. Rio de Janeiro: Rocco, 2016.

Nota: Trecho do conto Os desastres de Sofia, que pertencia originalmente ao livro "A legião estrangeira".

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É que "quem sou eu?" provoca necessidade. É como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Há um arco-íris ligando o que sonha e o que entende – e por essa frágil ponte circula um mundo maravilhoso e terrível, que os não iniciados apenas de longe percebem, mas de cuja grandeza se vêem separados por muralhas estranhas, que tanto afastam como atraem.

Perplexidades

a parte mais efêmera
de mim
é esta consciência de que existo
e todo o existir consiste nisto
é estranho!
e mais estranho
ainda
me é sabê-lo
e saber
que esta consciência dura menos
que um fio de meu cabelo
e mais estranho ainda
que sabê-lo
é que
enquanto dura me é dado
o infinito universo constelado
de quatrilhões e quatrilhões de estrelas
sendo que umas poucas delas
posso vê-las
fulgindo no presente do passado

A onda

a onda anda
aonde anda
a onda?
a onda ainda
ainda onda
ainda anda
aonde?
aonde?
a onda a onda

Manuel Bandeira
BANDEIRA, M. A Estrela da Tarde, 1960

Balada do amor através das idades

Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
para matar seu irmão.
Matei, brigamos, morremos.
Virei soldado romano,
perseguidor de cristãos.
Na porta da catacumba
encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua
caída na areia do circo
e o leão que vinha vindo,
dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.

Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
onde você se escondia
da fúria de meu bergantim.
Mas quando ia te pegar
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal-da-cruz
e rasgou o pito a punhal..
Me suicidei também.

Depois (tempos mais amenos)
fui cortesão de Versailles,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira..
Pulei o muro do convento
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.

Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável
boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos.

Eu me permito mais liberdade e mais experiências.
E aceito o acaso.
Anseio pelo que ainda não experimentei.
Maior espaço psíquico.
Estou felizmente mais doida.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

No amor felizmente a riqueza está na doação mútua. O que não significa que não haja luta: é preciso se doar o direito de receber amor. Mas lutar é bom.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Doar a si próprio.

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Meu anjo da guarda acaba de me dizer que eu tenho que fazer tudo por mim mesma – e foi embora.

Clarice Lispector
Todas as cartas. Rio de Janeiro: Rocco, 2020.

Nota: Trecho de carta para Fernando Sabino, escrita em 14 de agosto de 1946.

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No entanto como seria bom construir alguma coisa pura, liberta do falso amor sublimizado, liberta do medo de não amar...Medo de não amar, pior que o medo de não ser amado...

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

A prova de que estou recuperando a saúde mental, é que estou cada minuto mais permissiva: eu me permito mais liberdade e mais experiências. E aceito o acaso. Anseio pelo que ainda não experimentei. Maior espaço psíquico. Estou felizmente mais doida.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Das delicadezas que a vida ensina, o mais bonito sempre fica:
Os laços que se formam entre duas almas também são formas de abraço.
É assim que é o abraço: coração com coração, tudo isso cercado de braçanão.

Seiscentos e Sessenta e Seis

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ª feira...
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente...
e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

Mario Quintana
Antologia poética. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.

Nota: O poema costuma circular pela internet com algumas alterações no texto e com o título O tempo.

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