Poetas Brasileiros
O não sentido das coisas me faz ter um sorriso de complacência. De certo tudo deve estar sendo o que é.
O vazio tem o valor e a semelhança do pleno. Um meio de obter é não procurar, um meio de ter é o de não pedir e somente acreditar que o silêncio que eu creio em mim é resposta a meu – a meu mistério.
Se tivesse a tolice de se perguntar “quem sou eu?” cairia estatelada e em cheio no chão. É que “quem sou eu?” provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.
Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite. Embora não aguente bem ouvir um assovio no escuro, e passos.
Quero aceitar minha liberdade sem pensar o que muitos acham: que existir é coisa de doido, caso de loucura. Porque parece. Existir não é lógico.
É melhor eu não falar em felicidade ou infelicidade – provoca aquela saudade desmaiada e lilás, aquele perfume de violeta, as águas geladas da maré mansa em espumas pela areia. Eu não quero provocar porque dói.
(Mas quem sou eu para censurar os culpados? O pior é que preciso perdoá-los. É necessário chegar a tal nada que indiferentemente se ame ou não se ame o criminoso que nos mata. Mas não estou seguro de mim mesmo: preciso perguntar, embora não saiba a quem, se devo mesmo amar aquele que me trucida e perguntar quem de vós me trucida. E minha vida, mais forte do que eu, responde que quer porque quer vingança e responde que devo lutar como quem se afoga, mesmo que eu morra depois. Se assim é, que assim seja.)
Irei até onde o ar termina, irei até onde a grande ventania se solta uivando, irei até onde o vácuo faz uma curva, irei aonde meu fôlego me levar.
Estou muito próxima, de um modo geral. É bom e não é bom. É que sinto falta de um silêncio. Eu era silenciosa. E agora me comunico, mesmo sem falar. Mas falta uma coisa. Eu vou tê-la. É uma espécie de liberdade, sem pedir licença a ninguém.
DOS PONTOS DE VISTA
A mosca, a debater-se: "Não! Deus não existe!
Somente o Acaso rege a terrena existência."
A Aranha: "Glória a Ti, Divina Providência,
Que à minha humilde teia essa mosca atraíste!"
Por enquanto há diálogo contigo. Depois será monólogo. Depois o silêncio. Sei que haverá uma ordem.
Que nunca te arrependas pelo amor dado,
faz parte da vida arriscar-se por um sonho...
Porque se não fosse assim, nunca teríamos sonhado.
Mas, antes de tudo, que você saiba que tem aliado,
ele se chama TEMPO... seu melhor amigo.
Só ele pode dar todas as certezas do amanhã.
A certeza que... realmente você amou.
A certeza que... realmente você foi amada.
Fácil é saber que está rodeado por pessoas queridas.
Difícil é saber que está se sentindo só no meio delas...
DEZEMBRO
Quem me acode
à cabeça e ao coração
neste fim de ano,
entre alegria e dor?
Que sonho,
que mistério,
que oração?
Amor.
Não estava abatida de chorar. (...) E sua tristeza era um cansaço grande, pesado, sem raiva.
Por que me vens, com o mesmo riso,
Por que me vens, com a mesma voz,
Lembrar aquele Paraíso,
Extinto para nós?
Por que levantas esta lousa?
Por que, entre as sombras funerais,
Vens acordar o que repousa,
O que não vive mais?
Ah! esqueçamos, esqueçamos
Que foste minha e que fui teu:
Não lembres mais que nos amamos,
Que o nosso amor morreu!
O amor é uma árvore ampla, e rica
De frutos de ouro, e de embriaguez:
Infelizmente, frutifica
Apenas uma vez...
Sob essas ramas perfumadas,
Teus beijos todos eram meus:
E as nossas almas abraçadas
Fugiam para Deus.
Mas os teus beijos esfriaram.
Lembra-te bem! lembra-te bem!
E as folhas pálidas murcharam,
E o nosso amor também.
Ah! frutos de ouro, que colhemos,
Frutos da cálida estação,
Com que delícia vos mordemos,
Com que sofreguidão!
Lembras-te? os frutos eram doces...
Se ainda os pudéssemos provar!
Se eu fosse teu... se minha fosses,
E eu te pudesse amar...
Em vão, porém, me beijas, louca!
Teu beijo, a palpitar e a arder,
Não achará, na minha boca,
Outro para o acolher.
Não há mais beijos, nem mais pranto!
Lembras-te? quando te perdi
Beijei-te tanto, chorei tanto,
Com tanto amor por ti,
Que os olhos, vês? já tenho enxutos,
E a minha boca se cansou:
A árvore já não tem mais frutos!
Adeus! tudo acabou!
Outras paixões, outras idades!
Sejam os nossos corações
Dois relicários de saudades
E de recordações.
Ah! esqueçamos, esqueçamos!
Durma tranqüilo o nosso amor
Na cova rasa onde o enterramos
Entre os rosais em flor...
Um domingo de tarde sozinha em casa dobrei-me em dois para a frente – como em dores de parto – e vi que a menina em mim estava morrendo. Nunca esquecerei esse domingo. Para cicatrizar levou dias. E eis-me aqui. Dura, silenciosa e heroica. Sem menina dentro de mim.
O mundo todo é ligeiramente chato, parece.
O que importa na vida é estar junto de quem se gosta.
Ninguém saberia de que negras raízes se alimenta a liberdade de um homem.
Só que dessa não se morre. Mas tudo, menos a angústia, não? Quando o mal vem, o peito se torna estreito, e aquele reconhecível cheiro de poeira molhada naquela coisa que antes se chamava alma e agora não é chamada nada. E a falta de esperança na esperança. E conformar-se sem se resignar. Não se confessar a si próprio porque nem se tem mais o quê. Ou se tem e não se pode porque as palavras não viriam. Não ser o que realmente se é, e não se sabe o que realmente se é, só se sabe que não se está sendo. E então vem o desamparo de se estar vivo. Estou falando da angústia mesmo, do mal. Porque alguma angústia faz parte: o que é vivo, por ser vivo, se contrai.