Poetas Brasileiros
Escrevo-te toda inteira e sinto um sabor em ser e o sabor-a-ti é abstrato como o instante. é também com o corpo todo que pinto os meus quadros e na tela fixo o incorpóreo, eu corpo a corpo comigo mesma. Não se compreende música: ouve-se. Ouve-me então com teu corpo inteiro. Quando vieres a me ler
perguntarás por que não me restrinjo à pintura e às minhas exposições, já que escrevo tosco e sem ordem. É que agora sinto necessidade de palavras – e é novo para mim o que escrevo porque minha verdadeira palavra foi até agora intocada. A palavra é a minha quarta dimensão.
Noite Morta
Noite morta.
Junto ao poste de iluminação
Os sapos engolem mosquitos.
Ninguém passa na estrada.
Nem um bêbado.
No entanto há seguramente por ela uma procissão de sombras.
Sombras de todos os que passaram.
Os que ainda vivem e os que já morreram.
O córrego chora.
A voz da noite...
(Não desta noite, mas de outra maior.)
Cantiga de Amor
Mulheres neste mundo de meu Deus
Tenho visto muitas — grandes, pequenas,
Ruivas, castanhas, brancas e morenas.
E amei-as, por mal dos pecados meus!
Mas em parte alguma vi, ai de mim,
Nenhuma que fosse bonita assim!
Andei por São Paulo e pelo Ceará
(Não falo em Pernambuco, onde nasci)
Bahia, Minas, Belém do Pará...
De muito olhar de mulher já sofri!
Mas em parte alguma vi, ai de mim,
Nenhuma que fosse bonita assim!
Atravessei o mar e, no estrangeiro,
Em Paris, Basiléia e nos Grisões,
Lugano, Gênova por derradeiro,
Vi mulheres de todas as nações.
Mas em parte alguma vi, ai de mim,
Nenhuma que fosse bonita assim!
Mulher bonita não falta, ai de mim!
Nenhuma porém, tão bonita assim!
Sou assombrada pelos meus fantasmas, pelo que é mítico e fantástico – a vida é sobrenatural. E eu caminho em corda bamba até o limite de meu sonho. As vísceras torturadas pela voluptuosidade me guiam, fúria dos impulsos. Antes de me organizar tenho que me desorganizar internamente. Para experimentar o primeiro e passageiro estado primário de liberdade. Da liberdade de errar, cair e levantar-me.
Alguém deve rever, escrever e assinar os autos do Passado antes que o Tempo passe tudo a raso.
Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei!
O instante existe (...) Não sou alegre nem sou triste: (...) Não sito gozo nem tormento. Atravesso noite e dias no vento. Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço. não sei, não sei. Não sei se fico ou passo.
Eu e tu perdemos tudo.
Suplicávamos o infinito.
Só nos deram o mundo.
CANÇÃO
Dá-me as pétalas de rosa
Dessa boca pequenina:
Vem com teu riso, formosa!
Vem com teu beijo, divina!
Transforma num paraíso
O inferno do meu desejo...
Formosa, vem com teu riso!
Divina, vem com teu beijo!
Oh! tu, que tornas radiosa
Minh’alma, que a dor domina,
Só com teu riso, formosa,
Só com teu beijo, divina!
Tenho frio, e não diviso
Luz na treva em que me vejo:
Dá-me o clarão do teu riso!
Dá-me fogo do teu beijo!