Poetas Brasileiros

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Uma voz

Sua voz quando ela canta
me lembra um pássaro mas
não um pássaro cantando:
lembra um pássaro voando

Das ilusões
Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o.
Com ele ia subindo a ladeira da vida.
E, no entretanto, após cada ilusão perdida...
Que extraordinária sensação de alívio!

É claro que a vida é boa... E a alegria, a única indizível emoção...

Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!

Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas...

Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Para quê pensar? Também sou da paisagem...

Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!

Mario Quintana
Quintana de Bolso. Porto Alegre: L&PM Editores, 1997.

Paris, outono de 73
Estou no nosso bar mais uma vez
E escrevo pra dizer
Que é a mesma taça e a mesma luz
Brilhando no champanhe em vários tons azuis
No espelho em frente eu sou mais um freguês
Um homem que já foi feliz, talvez
E vejo que em seu rosto correm lágrimas de dor
Saudades, certamente, de algum grande amor

Mas ao vê-lo assim tão triste e só
Sou eu que estou chorando
Lágrimas iguais
E, a vida é assim, o tempo passa
E fica relembrando
Canções do amor demais
Sim, será mais um, mais um qualquer
Que vem de vez em quando
E olha para trás
É, existe sempre uma mulher
Pra se ficar pensando
Nem sei... nem lembro mais

Nós, latino-americanos

Somos todos irmãos
mas não porque tenhamos
a mesma mãe e o mesmo pai:
temos é o mesmo parceiro
que nos trai. Somos todos irmãos
não porque dividamos
o mesmo teto e a mesma mesa:
divisamos a mesma espada
sobre nossa cabeça.

Somos todos irmãos
não porque tenhamos
o mesmo braço, o mesmo sobrenome:
temos um mesmo trajeto
de sanha e fome. Somos todos irmãos
não porque seja o mesmo sangue
que no corpo levamos:
o que é o mesmo é o modo
como o derramamos.

Sei que o que escrevo aqui
não se pode chamar de
crônica nem de coluna nem
de artigo. Mas sei que hoje é
um grito. Um grito! de
cansaço. Estou cansada! É
óbvio que o meu amor pelo
mundo nunca impediu
guerras e mortes. Amar
nunca impediu que por
dentro eu chorasse lágrimas
de sangue. Nem impediu
separações mortais. Filhos
dão muita alegria. Mas
também tenho dores de parto
todos os dias. O mundo
falhou pra mim, eu falhei
para o mundo. Portanto não
quero mais amar. O que me
resta? Viver automaticamente
até que a morte natural
chegue. Mas sei que não
posso viver automaticamente:
preciso de amparo e é do
amparo do amor.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica O grito.

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Não há homem ou mulher que por acaso não se tenha olhado ao espelho e se surpreendido consigo próprio. Por uma fração de segundo a gente se vê como a um objeto a ser olhado. A isto se chama talvez de narcisismo, mas eu chamaria de: alegria de ser. Alegria de encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é verdade que eu não me imaginei, eu existo.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica A surpresa.

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É difícil, estando acordado, sonhar livremente nos meus remotos mistérios.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Coexistência pacífica

Amai-vos uns aos outros é muito forte para nós: o mais que podemos fazer, dentro da imperfeição humana, é suportarmo-nos uns aos outros.

Mario Quintana
Caderno H. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

NÃO PERCAS TEMPO !!!
Sou o Tempo que passa, que passa,
Sem princípio, sem fim, sem medida!
Vou levando a Ventura e a Desgraça,
Vou levando as vaidades da Vida!
A correr, de segundo em segundo,
Vou formando os minutos que correm . . .
Formo as horas que passam no mundo,
Formo os anos que nascem e morrem.
Ninguém pode evitar os meus danos . . .
Vou correndo sereno e constante:
Desse modo, de cem em cem anos
Formo um século, e passo adiante.
Trabalhai, porque a vida é pequena,
E não há para o Tempo demoras!
Não gasteis os minutos sem pena!
Não façais pouco caso das horas!
Olavo Bilac

Futebol se joga no estádio? Futebol se joga na praia, futebol se joga na rua, futebol se joga na alma.

Há horas em que não se quer ter sentimentos.

Clarice Lispector
Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Nota: Trecho do conto A menor mulher do mundo.

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O cotidiano é o icógnito do mistério.

Amo tuas imperfeições e maravilhas,
amo-as com gratidão, pena e raiva intercadentes.

Carlos Drummond de Andrade
Poesia completa (2002).

"O vento é o mesmo: mas sua resposta é diferente, em cada folha. Somente a árvore seca fica imóvel, entre borboletas e pássaros."

(do poema "O Vento, do livro "Mar Absoluto".)

"A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro" Vinicius de Moraes em Para Viver um Grande Amor (Companhia das Letras).

Saudade de Amar

Deixa eu te dizer, amor
Que não deves partir
Partir nunca mais
Pois o tempo sem amor
É uma dura ilusão
E não volta mais

Se tu pudesses compreender
A solidão que é
Te buscar por aí
Andando devagar
A vagar por aí
Chorando a tua ausência

Vence a tua solidão
Abre os braços e vem
Meus dias são teus
É tão triste se perder
Tanto tempo de amor
Sem hora de adeus

Oh, volta
Que nos braços meus
Não haverá adeus
Nem saudade de amar
E os dois, sorrindo a soluçar
Partiremos depois

Consoada

Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
— Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

Manuel Bandeira
BANDEIRA, M., Libertinagem, 1930

Fico com medo de me afastar da Ordem e cair no abismo povoado de gritos: o Inferno da liberdade. Mas continuarei.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.