Poetas Brasileiros

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(...) às vezes me parece que estou perdendo tempo, às vezes me parece que pelo contrário, não há modo mais perfeito, embora inquieto, de usar o tempo: o de te esperar.

Clarice Lispector
Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Como é chato lidar com fatos, o cotidiano me aniquila, estou com preguiça de escrever esta história que é um desabafo apenas. Vejo que escrevo aquém e além de mim. Não me responsabilizo pelo que agora escrevo.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Às vezes só a mentira salva. Então, no dia seguinte, quando as quatro Marias cansadas foram trabalhar, ela teve pela primeira vez na vida uma coisa a mais preciosa: a solidão. Tinha um quarto só para ela. Mal acreditava que usufruía o espaço. E nem uma palavra era ouvida. Então dançou num ato de absoluta coragem, pois a tia não a entenderia. Dançava e rodopiava porque ao estar sozinha se tornava: l-i-v-r-e! Usufruía de tudo, da arduamente conseguida solidão, do rádio de pilha tocando o mais alto possível, da vastidão do quarto sem as Marias. Arrumou, como pedido de favor, um pouco de café solúvel com a dona dos quartos, e, ainda como favor, pediu-lhe água fervendo, tomou tudo se lambendo e diante do espelho para nada perder de si mesma. Encontrar-se consigo própria era um bem que ela até então não conhecia. Acho que nunca fui tão contente na vida, pensou. Não devia nada a ninguém e ninguém lhe devia nada. Até deu-se ao luxo de ter tédio — um tédio até muito distinto.

Clarice Lispector

Nota: Nota feita pela própria Clarice no 117º parágrafo do livro "A hora da estrela".

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia

Louco é quem não procura ser feliz.

Se fosse criatura que se exprimisse diria: o mundo é fora de mim, eu sou fora de mim.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

O ano passado não passou, continua incessamente.

O Peru
Glu! Glu! Glu!
Abram alas pro Peru!

O Peru foi a passeio
Pensando que era pavão
Tico-tico riu-se tanto
Que morreu de congestão.

O Peru dança de roda
Numa roda de carvão
Quando acaba fica tonto
De quase cair no chão.

O Peru se viu um dia
Nas águas do ribeirão
Foi-se olhando foi dizendo
Que beleza de pavão!

Glu! Glu! Glu!
Abram alas pro Peru!

“Não basta o que a vida ensina, pois como mestra a vida ensina mal: é demorada, insuficiente, especula com os dados de seu interesse imediato e muito se inclina a acomodar-se. Ela por si não larga segredos. O fundamental consiste em que cada um aprenda como as coisas são. Nesse aprendizado, sucessão de atos de coragem e dureza, principalmente coragem de fechar as portas ao erro que foi verdade, encontra-se a justificativa mais ilustre da existência humana”.

Os antigos retratos de parede
Não conseguem ficar por longo tempo abstratos.

Às vezes os seus olhos te fitam, obstinados.
Porque eles nunca se desumanizam de todo.

Jamais te voltes para trás de repente:
Poderias pegá-los em flagrante.

Não, não olhes nunca!
O melhor é cantares cantigas loucas e sem fim...
Sem fim e sem sentido...
Dessas que a gente inventava para enganar a solidão
dos caminhos sem lua.

Porque o perdão também cansa de perdoar.

Mundo vasto mundo, meu coração não é maior que o mundo. Nele nem cabem as minhas dores. O vasto mundo, o vasto e triste coração.

Beijo eterno

Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue. Acalma-o com teu beijo,
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!
Fora, repouse em paz
Dormida em calmo sono a calma natureza,
Ou se debata, das tormentas presa, -
Beija inda mais!
E, enquanto o brando calor
Sinto em meu peito de teu seio,
Nossas bocas febris se unam com o mesmo anseio,
Com o mesmo ardente amor!
De arrebol a arrebol,
Vão-se os dias sem conto! E as noites, como os dias,
Sem conto vão-se, cálidas ou frias!
Rutile o sol
Esplêndido e abrasador!
No alto as estrelas coruscantes,
Tauxiando os largos céus, brilhem como diamantes!
Brilhe aqui dentro o amor!
Suceda a treva à luz!
Vele a noite de crepe a curva do horizonte;
Em véus de opala a madrugada aponte
Nos céus azuis,
E Vênus, como uma flor,
Brilhe, a sorrir, do ocaso à porta,
Brilhe à porta do Oriente! A treva e a luz – que importa?
Só nos importa o amor!
Raive o sol no Verão!
Venha o Outono! do Inverno os frígidos vapores
Toldem o céu! das aves e das flores
Venha a estação!
Que nos importa o esplendor
Da primavera, e o firmamento
Limpo, e o sol cintilante, e a neve, e a chuva, e o vento?
Beijemo-nos, amor!
Beijemo-nos! que o mar
Nossos beijos ouvindo, em pasmo a voz levante!
E cante o sol! a ave desperte e cante!
Cante o luar,
Cheio de um novo fulgor!
Cante a amplidão! cante a floresta!
E a natureza toda, em delirante festa,
Cante, cante este amor!
Rasgue-se, à noite, o véu
Das neblinas, e o vento inquira o monte e o vale:
“Quem canta assim?” E uma áurea estrela fale
Do alto do céu
Ao mar, presa de pavor:
“Que agitação estranha é aquela?”
E o mar adoce a voz, e à curiosa estrela
Responda que é o amor!
E a ave, ao sol da manhã,
Também,. a asa vibrando, à estrela que palpita
Responda, ao vê-la desmaiada e aflita:
“Que beijo, irmã!
Pudesses ver com que ardor
Eles se beijam loucamente!”
E inveje-nos a estrela... e apague o olhar dormente,
Morta, morta de amor!...
Diz tua boca: “Vem!”
“Inda mais!”, diz a minha, a soluçar... Exclama
Todo o meu corpo que o teu corpo chama:
“Morde também!”
Ai! morde! que doce é a dor
Que me entra as carnes, e as tortura!
Beija mais! Morde mais! Que eu morra de ventura,
Morto por teu amor!
Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue: acalma-o com teu beijo!
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para minha vida,
Só para o meu amor!

(...) até que um dia, por astúcia ou acaso, depois de quase todos os enganos, ela descobriu a porta do labirinto. (...) nada de ir tateando os muros como um cego. Nada de muros. Seus passos tinham - enfim! – a liberdade de traçar seus próprios labirintos.

APELO

Ah,
Meu amor não vá embora,
Vê a vida como chora,
Vê que triste esta canção.
Não, eu te peço não te ausentes
Pois a dor que agora sentes,
Só se esquece no perdão.

Ah, minha amada me perdoa,
Pois embora ainda doa
A tristeza que causei.
Eu te suplico não destruas
Tantas coisas que são tuas,
Por um mal que eu já paguei...

Ah, minha amada se soubesses
Da tristeza que há nas preces
Que a chorar te faço eu,
Se tu soubesses num momento
Como arrependimento
Como tudo entristeceu.
Se tu soubesses como é triste
Em saber que tu partiste
Sem sequer dizer adeus...
Ah, meu amor tu voltarias
E de novo cairias
A chorar nos braços meus

Quero apenas ver você, sentir você, pegar em você como se pega num objeto precioso. Ter mais uma vez (a última?) a sensação de que você é uma admirável criação da natureza ou do demônio, uma coisa diferente de todas as coisas.

"...mesmo as pedras, com o tempo, mudam”.

(do poema "Viagem".)

A vida inteira que podia ter sido e que não foi.

Manuel Bandeira
BANDEIRA, M., Estrela da Vida Inteira, Poesias Reunidas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973

"É claro que sou imortal. Não tenho onde cair morto."

Sou entre flor e nuvem,
estrela e mar.
Por que havemos de ser unicamente humanos,
limitados em chorar?

Não encontro caminhos
fáceis de andar.
Meu rosto vário desorienta as firmes pedras
que não sabem de água e de ar.

E por isso levito.
É bom deixar
um pouco de ternura e encanto indiferente
de herança, em cada lugar.

Rastro de flor e de estrela,
nuvem e mar.
Meu destino é mais longe e meu passo mais rápido:
a sombra é que vai devagar.