Poemas inteligentes

Vou continuar, é exatamente da minha natureza nunca me sentir ridícula, eu me aventuro sempre, entro em todos os palcos.

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Tenho em mim, objeto que sou, um toque de santidade enigmática. Sinto-a em certos momentos vazios e faço milagres em mim mesma: o milagre do transitorial mudar de repente, a um leve toque em mim, a mudar de repente de sentimento e pensamentos, e o milagre de ver tudo claríssimo e oco: vejo a luminosidade sem tema, sem história, sem fatos. Faço grande esforço para não ter o pior dos sentimentos: o de que nada vale nada. E até o prazer é desimportante.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor. E não é prêmio, por isso não envaidece.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Atualidade do ovo e da galinha (II).

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Perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova da "solidão de não pertencer" começou a me invadir como heras num muro.

Clarice Lispector
Todas as crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 2018.

Nota: Trecho da crônica Pertencer.

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E eu impávida finjo que não tenho dono. Pontas de cigarro apagadas eu recebo. Um dia vou pegar fogo. De noite fico sozinha no escuro, vazia, pousada num canto do chão. Meu silêncio fede. Ai de mim, que sou o receptáculo da morte das coisas.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Não sejas muito justo, e nem utilize sua sabedoria mais que o necessário, para que não venhas a ser estúpido.

Mario Quintana

Nota: Adaptado do Eclesiastes

O ar tinha gosto de sábado. E de súbito os dois eram raros, a raridade no ar. Eles se sentiam raros, não fazendo parte das mil pessoas que andavam pelas ruas. Os dois às vezes eram coniventes, tinham uma vida secreta porque ninguém os compreenderia. E mesmo porque os raros são perseguidos pelo povo que não tolera a insultante ofensa dos que se diferenciavam.

Clarice Lispector
Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Nota: Trecho do conto A partida do trem.

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Há uma cor que não vem nos dicionários. É essa indefinível cor que têm todos os retratos, os figurinos da última estação...a cor do tempo.

Quando estou sozinha procuro não pensar porque tenho medo de de repente pensar uma coisa nova demais para mim mesma.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Que sei eu do que serei eu que não sei o que sou? Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa! E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!

E Macabéa, com medo de que o silêncio já significasse uma ruptura, disse ao recém-namorado:
– Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor?

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Quando se realiza o viver, pergunta-se: mas era só isto? E a resposta é: não é só isto, é exatamente isto.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Não façamos esforços inúteis, pois o amor nasce ou não espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes é inútil esforçar-se demais... nada se consegue; outras vezes, nada damos e o amor se rende a nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido.

Clarice Lispector
Correio feminino. Rio de Janeiro: Rocco, 2013.

Nota: O pensamento é atribuído a Clarice Lispector, mas não há fontes que confirmem essa autoria.

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O esquecimento das coisas é minha válvula de escape. Esqueço muito por necessidade.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Está fazendo um dia de sol. A praia estava cheia de vento bom e de uma liberdade. E eu estava só. Sem precisar de ninguém. É difícil porque preciso repartir contigo o que sinto. O mar calmo. Mas à espreita e em suspeita. Como se tal calma não pudesse durar. Algo está sempre por acontecer. O imprevisto improvisado e fatal me fascina. Já entrei contigo em comunicação tão grande que deixei de existir sendo. Você tornou-se um eu. é tão difícil falar e dizer coisas que não podem ser ditas. É tão silencioso. Como traduzir o silêncio do encontro real entre nós dois? Dificílimo contar: olhei para você fixamente por uns instantes. Tais momentos são meus segredos. Houve o que se chama de comunhão perfeita. Eu chamo isto de estado agudo de felicidade.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma ideia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade. Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. Há um perigo: se reflito demais, deixo de agir. E muitas vezes prova-se depois que eu deveria ter agido. Estou num impasse.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica O impulso.

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Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando...

Clarice Lispector
Minhas queridas. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.

Nota: Trecho de carta para Tania Kaufmann, escrita em 23 de fevereiro de 1944.

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As almas fracas como você são facilmente levadas a qualquer loucura com um olhar apenas por almas fortes como a minha.

Clarice Lispector
Todos os contos. Rio de Janeiro: Rocco, 2016.

Nota: Trecho do conto Obsessão.

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Eu sonho acordada, mesmo como uma mocinha de quinze anos. É o que se chama de sonho estéril. Imagino conversas, imagino situações e cenas – pareço nunca ter tido nenhuma experiência.

Clarice Lispector
Borelli, Olga. Clarice Lispector: esboço para um possível retrato. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
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A verdadeira coragem consiste, apenas, em não nos importarmos com a opinião dos outros. Mas como custa!