Poemas inteligentes

A realidade é delicada demais, só a realidade é delicada, minha irrealidade e minha imaginação são mais pesadas.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Quero antes afiançar que essa moça não se conhece senão através de ir vivendo à toa. Se tivesse a tolice de se perguntar “quem sou eu?” cairia estatelada e em cheio no chão. É que “quem sou eu?” provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

E eis que não entendo o ovo. Só entendo o ovo quebrado: quebrado na frigideira. É deste modo indireto que me ofereço à existência do ovo: meu sacrifício é reduzir-me à minha vida pessoal. Fiz de meu prazer e de minha dor o meu destino disfarçado. Como aqueles que no convento varrem o chão e lavam as roupas, servindo sem a glória de função maior, meu trabalho é o de viver os meus prazeres e minhas dores. É necessário que eu tenha a modéstia de viver.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Atualidade do ovo e da galinha (II).

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Conhecer a si mesmo e aos outros ...Ver o mal com mais clareza...ó triste e doloroso dom!
E sofrer mais que todos, no final sem o consolo de ter sido bom...

Bondade que não agride nem lambe, mas que desentranha e luta porque é a própria arma da vida.
E, assim, só se chamarão bons os de coração recto, os não flexíveis, os insubmissos, os melhores. Reinvindicarão a bondade apodrecida por tanta baixeza, serão o braço da vida e os ricos de espírito. E deles, só deles, será o reino da terra.

Olhou em torno de si a manhã perfeita, respirando profundamente e sentindo, quase com orgulho, o coração bater cadenciado e cheio de vida.

Clarice Lispector
Triunfo. Revista Pan, 25 mai. 1940, n. 227.

Nota: Trecho do conto Triunfo, o primeiro da escritora publicado na imprensa de que se tem registro.

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É preciso saber sentir, mas também saber como deixar de sentir, porque se a experiência é sublime pode tornar-se igualmente perigosa. Aprenda a encantar e a desencantar. Observe, estou lhe ensinando qualquer coisa de precioso: a mágica oposta ao “abre-te, Sésamo”. Para que um sentimento perca o perfume e deixe de intoxicar-nos, nada há de melhor que expô-lo ao sol.

Clarice Lispector
Todos os contos. Rio de Janeiro: Rocco, 2016.

Nota: Trecho do conto Obsessão.

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Como um cego, grita a gente: ‘Felicidade, onde estás?’ Ou vai-nos andando à frente, ou ficou lá para trás.

Perdi alguma coisa que me era essencial, que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar, mas que fazia de mim um tripé estável.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Eu estava agora tão maior que já não me via mais. Tão grande como uma paisagem ao longe. (...) como poderei dizer senão timidamente assim: a vida se me é. A vida se me é, e eu não entendo o que digo. E então adoro.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

E, mesmo, quem já não desejou possuir um ser humano só para si? O que, é verdade, nem sempre seria cômodo, há horas em que não se quer ter sentimentos.

Clarice Lispector
Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

E eu? quem sou? como é que me classificaram? Deram-me um número? Sinto-me numerificada e toda apertada. Mal caibo dentro de mim. Eu sou um euzinho muito mixa. Mas com certa classe.

Clarice Lispector
Para não esquecer. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Nota: Trecho da crônica Brasília: esplendor.

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É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer.

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Vi, sim. Vi, e me assustei com a verdade bruta de um mundo cujo maior horror é que ele é tão vivo que, para admitir que estou tão viva quanto ele – e minha pior descoberta é que estou tão viva quanto ele – terei que alçar minha consciência de vida exterior a um ponto de crime contra a minha vida pessoal.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

O que te escrevo não tem começo: é uma continuação. Das palavras deste canto, canto que é meu e teu, evola-se um halo que transcende as frases, você sente? minha experiência vem de que eu já consegui pintar o halo das coisas. O halo é mais importante que as coisas e as palavras. O halo é vertiginoso. Finco a palavra no vazio descampado: é uma palavra como fino bloco monolítico que projeta sombra. E é trombeta que anuncia.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Meu trabalho é o de viver os meus prazeres e as minhas dores. É necessário que eu tenha a modéstia de viver.

Clarice Lispector
Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Nota: Trecho do conto O ovo e a galinha.

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Quando me traíram ou assassinaram, quando alguém foi embora para sempre, ou perdi o que de melhor me restava, ou quando soube que vou morrer – eu não como. Não sou ainda esta potência, esta construção, esta ruína. Empurro o prato, rejeito a carne e seu sangue.

Clarice Lispector
Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Nota: Trecho do conto O jantar.

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(...) estava permanentemente ocupada em querer e não querer ser o que eu era, não me decidia por qual de mim, toda eu é que não podia; ter nascido era cheio de erros a corrigir. Não, não era para irritar o professor que eu não estudava; só tinha tempo de crescer. O que eu fazia para todos os lados, com uma falta de graça que mais parecia o resultado de um erro de cálculo: as pernas não combinavam com os olhos, e a boca era emocionada enquanto as mãos se esgalhavam sujas – na minha pressa eu crescia sem saber para onde.

Clarice Lispector
A legião estrangeira. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho do conto Os desastres de Sofia.

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"Substitui-te sempre a ti - próprio. Tu não és bastante para ti. Sê sempre imprevenido [?] por ti - próprio. Acontece-te perante ti - próprio. Que as tuas sensações sejam meros acasos, aventuras que te acontecem. Deves ser um universo sem leis para poderes ser superior"

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