Poemas de Victor Hugo Amizades
- Alô, quem fala?
- Ninguém. Quem fala é você que está perguntando quem fala.
- Mas eu preciso saber com quem estou falando.
- E eu preciso saber antes a quem estou respondendo.
- Assim não dá. Me faz o obséquio de dizer quem fala?
- Todo mundo fala, meu amigo, desde que não seja mudo.
- Isso eu sei, não precisava me dizer como novidade. Eu queria saber é quem está no aparelho.
- Ah, sim. No aparelho não está ninguém.
- Como não está, se você está me respondendo?
- Eu estou fora do aparelho. Dentro do aparelho não cabe ninguém.
- Engraçadinho. Então, quem está fora do aparelho?
- Agora melhorou. Estou eu, para servi-lo.
- Não parece. Se fosse para me servir já teria dito quem está falando.
- Bem, nós dois estamos falando. Eu de cá, você de lá. E um não conhece o outro.
- Se eu conhecesse não estava perguntando.
- Você é muito perguntador. Pois se fui eu que telefonei.
- Não perguntei nem vou perguntar. Não estou interessado em conhecer outras pessoas.
- Mas podia estar interessado pelo menos em responder a quem telefonou.
- Estou respondendo.
- Pela última vez, cavalheiro, e em nome de Deus: quem fala?
- Pela última vez, e em nome da segurança, por que eu sou obrigado a dar esta informação a um desconhecido?
- Bolas!
- Bolas digo eu. Bolas e carambolas. Por acaso você não pode dizer com quem deseja falar, para eu lhe responder se essa pessoa está ou não aqui, mora ou não mora neste endereço? Vamos, diga de uma vez por todas: com quem deseja falar?
…Silêncio.
- Vamos, diga: com quem deseja falar?
- Desculpe, a confusão é tanta que eu nem sei mais. Esqueci. Tchau!
No mundo quis um tempo que se achasse
o bem que por acerto ou sorte vinha;
e, por experimentar que dita tinha,
quis que a Fortuna em mim se experimentasse.
Mas por que meu destino me mostrasse
que nem ter esperanças me convinha,
nunca nesta tão longa vida minha
cousa me deixou ver que desejasse.
Mudando andei costume, terra e estado,
por ver se se mudava a sorte dura;
a vida pus nas mãos de um leve lenho.
Mas, segundo o que o Céu me tem mostrado,
já sei que deste meu buscar ventura,
achado tenho já, que não a tenho.
No pequeno museu sentimental
No pequeno museu sentimental
os fios de cabelo religados
por laços mínimos de fita
são tudo que dos montes hoje resta,
visitados por mim, montes de Vênus.
Apalpo, acaricio a flora negra,
a negra continua, nesse branco
total do tempo extinto
em que eu, pastor felante, apascentava
caracóis perfumados, anéis negros,
cobrinhas passionais, junto do espelho
que com elas rimava, num clarão.
Os movimentos vivos no pretérito
enroscam-se nos fios que me falam
de perdidos arquejos renascentes
em beijos que da boca deslizavam
para o abismo de flores e resinas.
Vou beijando a memória desses beijos.
Professorinha ensinando à crianças; a adultos; ao povo;
toda a arte de ser, sem esconder o ser.
(Trecho de Drummond, no dia da morte de Leila)
Você compreende, sem alimento, depois de três dias de marcha, meu coração não devia estar batendo com muita força...
Pois em certo momento, quando eu progredia ao longo de uma encosta vertical, cavando buracos para enfiar as mãos, o coração me caiu em pane...
Hesitou, deu mais uma batida... Uma batida estranha... Senti que se ele hesitasse um segundo mais seria o fim.
Fiquei imóvel, escutando...nunca - está ouvindo? - nunca, num avião, me senti tão preso ao ruído do motor como, naquele momento, às batidas do meu próprio coração.
E eu lhe dizia: Vamos, força! Veja se bate mais... Hesitava mas depois recomeçava, sempre...
Se você soubesse como tive orgulho do meu coração!
(Terra dos Homens)
Sentimento do Mundo
Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microcopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais noite que a noite.
A Um Ausente
Tenho razão de sentir saudade
tenho razão de te recusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
(...) - Não lhe assustam meus caprichos e eletricidades?
- Se eu os adoro! respondeu Seixas.
- Não lhe parece difícil fazer a felicidade de um coração desabusado como este meu, e tão aflingido pela dúvida?
- Tenho fé no meu amor; Com ele vencerei o impossível.(...)
O sândalo é o perfume das mulheres de Estambul,
e das huris do profeta; como as borboletas,
que se alimentam do mel, a mulher do Oriente
vive com as gotas dessa essência divina.
"Não desperdiça seu tempo
Querendo ser flor antes da hora.
Cumpre o ritual de existir,
Compreendendo-se em cada etapa".
que pode uma criatura senão,entre criaturas,amar?
Amar e esquecer,Amar,desamar,amar?
Sempre,e até de olhos vidrados,amar?...
Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência herdada, ouvida.
Amor começa tarde.
Não interprete ao pé da letra. Pelo corpo do texto estão as partes que compõem o sentido.
Esta regra vale para as relações humanas. É no conjunto dos detalhes que nos revelamos.
Mas na revelação há sempre a prevalência do mistério, o que no outro nunca é acessível.
A Hermenêutica é sempre bem vinda.
Ainsi toujours poussés vers de nouveaux rivages,
Dans la nuit éternelle emportés sans retour,
Ne pourrons-nous jamais sur l'océan des âges
Jeter l'ancre un seul jour?
Capítulo VIII
Razão contra Sandice
Já o leitor compreendeu que era a Razão que voltava à casa, e convidava a Sandice a sair, clamando, e com melhor jus, as palavras de Tartufo:
La maison est à moi, c´est à vous d'en sortir.
Mas é sestro antigo da Sandice criar amor às casas alheias, de modo que, apenas senhora de uma, dificilmente lha farão despejar. É sestro; não se tira daí; há muito que lhe calejou a vergonha. Agora, se advertirmos no imenso número de casas que ocupa, umas de vez, outras durante as suas estações calmosas, concluiremos que esta amável peregrina é o terror dos proprietários. No nosso caso, houve quase um distúrbio à porta do meu cérebro, porque a adventícia não queria entregar a casa, e a dona não cedia da intenção de tomar o que era seu. Afinal, já a Sandice se contentava com um cantinho no sótão.
– Não, senhora, replicou a Razão, estou cansada de lhe ceder sótãos, cansada e experimentada, o que você quer é passar mansamente do sótão à sala de jantar, daí à de visitas e ao resto.
– Está bem, deixe-me ficar algum tempo mais, estou na pista de um mistério...
– Que mistério?
– De dois, emendou a Sandice; o da vida e o da morte; peço-lhe só uns dez minutos.
A Razão pôs-se a rir.
– Hás de ser sempre a mesma coisa... sempre a mesma coisa... sempre a mesma coisa...
E dizendo isto, travou-lhe dos pulsos e arrastou-a para fora; depois entrou e fechou-se. A Sandice ainda gemeu algumas súplicas, grunhiu algumas zangas; mas desenganou-se depressa, deitou a língua de fora, em ar de surriada, e foi andando...
Havia
uma palavra
no escuro.
Minúscula. Ignorada.
Martelava no escuro.
Martelava
no chão da água.
Do fundo do tempo,
martelava.
contra o muro.
Uma palavra.
No escuro.
Que me chamava.
De repente do riso fez-se o pranto
silencioso e branco como a bruma
e das bocas unidas fez-se a espuma
e das mãos espalmadas fez-se o espanto
de repente da calma fez-se o vento
que dos olhos desfez a última chama
e da paixão fez-se o pressentimento
LÀ-BAS, JE NE SAIS OÙ...
Véspera de viagem, campainha...
Não me sobreavisem estridentemente!
Quero gozar o repouso da gare da alma que tenho
Antes de ver avançar para mim a chegada de ferro
Do comboio definitivo,
Antes de sentir a partida verdadeira nas goelas do estômago,
Antes de pôr no estribo um pé
Que nunca aprendeu a não ter emoção sempre que teve que partir.
Quero, neste momento, fumando no apeadeiro de hoje,
Estar ainda um bocado agarrado à velha vida.
Vida inútil, que era melhor deixar, que é uma cela?
Que importa? Todo o universo é uma cela, e o estar preso não tem que ver com o tamanho da cela.
Sabe-me a náusea próxima o cigarro. O comboio já partiu da outra estação...
Adeus, adeus, adeus, toda a gente que não veio despedir-se de mim,
Minha família abstracta e impossível...
Adeus dia de hoje, adeus apeadeiro de hoje, adeus vida, adeus vida!
Ficar como um volume rotulado esquecido,
Ao canto do resguardo de passageiros do outro lado da linha.
Ser encontrado pelo guarda casual depois da partida —
«E esta? Então não houve um tipo que deixou isto aqui?» —
Ficar só a pensar em partir,
Ficar e ter razão,
Ficar e morrer menos...
Vou para o futuro como para um exame difícil.
Se o comboio nunca chegasse e Deus tivesse pena de mim?
Já me vejo na estação até aqui simples metáfora.
Sou uma pessoa perfeitamente apresentável.
Vê-se — dizem — que tenho vivido no estrangeiro.
Os meus modos são de homem educado, evidentemente.
Pego na mala, rejeitando o moço, como a um vício vil.
E a mão com que pego na mala treme-me e a ela.
Partir!
Nunca voltarei.
Nunca voltarei porque nunca se volta.
O lugar a que se volta é sempre outro,
A gare a que se volta é outra.
Já não está a mesma gente, nem a mesma luz, nem a mesma filosofia.
Partir! Meus Deus, partir! Tenho medo de partir!...
“Princípio dos seres é o ilimitado. Pois donde a geração é para
todos os seres, é para onde também a corrupção se gera segundo
o necessário; pois concedem eles mesmos justiça e deferência
uns aos outros pela injustiça, segundo a ordenação
do tempo”
Existe uma coisa difícil de ser ensinada e que, talvez por isso, esteja cada vez mais rara: a elegância do comportamento.
É um dom que vai muito além do uso correto dos talheres e que abrange bem mais do que dizer um simples obrigado.
É a elegância que nos acompanha da primeira hora da manhã até a hora de dormir e que se manifesta nas situações mais prosaicas, quando não há festa alguma nem fotógrafos por perto.