Poemas de Rubem Alves

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‎As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor. Aprendemos palavras para melhorar os olhos.

Quando a gente abre os olhos, abrem-se as janelas do corpo, e o mundo aparece refletido dentro da gente.

É isto que amamos nos outros: o lugar vazio que eles abrem para que ali cresçam as nossas fantasias.

Foi assim que a escola me ajudou: forçando-me a pensar ao contrário dos meus próprios pensamentos.

O amor vive neste sutil fio de conversação, balançando-se entre a boca e o ouvido.

E é assim que as religiões se multiplicam, porque os desejos dos homens não têm fim, e os seus santuários se enchem de santos de todos os tipos.

Agora é o tempo da felicidade. Cada novo dia é um milagre de graça, uma taça de prazer que deve ser bebida até o fim, sem deixar para amanhã. “Tempus fugit”! Portanto, carpe diem – colha o que se inicia como quem colhe uma flor que nunca mais se repetirá.

Rubem Alves
O retorno e terno. São Paulo: Papirus, 1992.

Antes que qualquer árvore seja plantada ou qualquer lago seja construído, é preciso que as árvores e os lagos tenham nascido dentro da alma. Quem não tem jardim por dentro, não planta jardins por fora e nem passeia por eles.

O que faço é tentar pintar com palavras as minhas fantasias diante do assombro que é a vida.

Uma das missões da poesia é colocar palavras no lugar da dor. Não para que a dor termine, mas para que ela seja transfigurada pela beleza.

O que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de um ser humano? O que e quem a define? (…) Dizem as escrituras sagradas: “Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer”. A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A “reverência pela vida” exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir.

A vida precisa do vazio:
a lagarta dorme num vazio chamado casulo até se transformar em borboleta.
A música precisa de um vazio chamado silêncio para ser ouvida.
Um poema precisa do vazio da folha de papel em branco para ser escrito.
E as pessoas, para serem belas e amadas, precisam ter um vazio dentro delas.
A maioria acha o contrário; pensa que o bom é ser cheio.
Essas são as pessoas que se acham cheias de verdades e sabedoria e falam sem parar.
São umas chatas quando não são autoritárias.
Bonitas são as pessoas que falam pouco e sabem escutar.
A essas pessoas é fácil amar.
Elas estão cheias de vazio.
E é no vazio da distância que vive a saudade...

Somos assim. Sonhamos o voo, mas tememos as alturas. Para voar é preciso amar o vazio. Porque o voo só acontece se houver o vazio. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Os homens querem voar, mas temem o vazio. Não podem viver sem certezas. Por isso trocam o voo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram.

É um engano pensar que os homens seriam livres se pudessem, que eles não são livres porque um estranho os engaiolou, que se as portas das gaiolas estivessem abertas eles voariam. A verdade é o oposto. Os homens preferem as gaiolas ao voo. São eles mesmos que constroem as gaiolas onde passarão as suas vidas.

Rubem Alves
Religião e Repressão. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

Nota: Trecho da introdução do livro. O pensamento muitas vezes é atribuído erroneamente a Fiódor Dostoiévski. Acredita-se que a confusão aconteça por Rubem Alves mencionar o escritor e a obra "Os irmãos Karamazov" na introdução do livro "Religião e Repressão".

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A alma é o lugar onde os sentimentos
são profundos demais para palavras.
Calamos não porque não tenhamos o que dizer,
mas porque não sabemos como dizer tudo
aquilo que gostaríamos de dizer.

São as crianças, que sem falar,
nos ensinam as razões para viver.
Elas não têm saberes a transmitir.
No entanto, elas sabem o essencial da vida.

Deus tem de existir.
Tem beleza demais no universo,
e beleza não pode ser perdida.
E Deus, é esse Vazio sem fim,
gamela infinita,
que pelo universo vai colhendo
e ajuntando toda a beleza que há,
garantindo que nada se perderá,
dizendo que tudo o que se amou
e se perdeu haverá de voltar,
se repetirá de novo.
Deus existe para tranqüilizar a saudade.

Tudo o que vive é pulsação do sagrado.
As aves do céu, os lírios dos campos... Até o mais insignificante grilo, no seu cricri rítmico, é uma música do Grande Mistério.
É preciso esquecer os nomes de Deus que as religiões inventaram para encontrá-lo sem nome no assombro da vida.

Quero viver enquanto estiver acesa, em mim, a capacidade de me comover diante da beleza. Essa capacidade de sentir alegria é a essência da vida.

O desejo que move os poetas não é ensinar, esclarecer, interpretar. O desejo que move os poetas é fazer soar de novo a melodia esquecida.

"e, repentinamente nos damos conta de que os enigmas da Via Láctea são pequenos demais comparados com aqueles das pessoas que vemos todo dia. Só que nossos olhares ficaram baços e não percebemos o maravilhoso ao nosso lado. Se fossemos tomados pelo fascínio, então pararíamos para ver e veríamos coisas de que nunca havíamos suspeitado."