Poemas Anjos de Pijama Matilde Rosa Araujo
O corpo da minha mãe foi enterrado no Cemitério de Santo Amaro.
Mas, sua alma se encontra por entre sargaços no mar da Praia de Boa Viagem.
Minha esposa diz, de vez em quando, que estou errado.
E eu lhe digo que, de vez em quando, sou humano.
Parte da minha história hoje é feita das sobras dos rastros das pessoas que por mim passaram.
Se eu fosse uma rua, seria uma rua repleta de buracos.
Para onde vão os amores findados? Deve haver algum céu em que o suor evaporado dos amantes se transforma em nuvem, que o vento leva no dissipar do horizonte.
Passei décadas buscando ser feliz. Fracassei. Decidi, então, ser calmo, sossegado e tranquilo. Agora que sou calmo, sossegado e tranquilo, sinto-me feliz.
Felicidade não é um fim em si mesmo, mas efeito colateral.
Visto de cima, onde moram os deuses, a Terra é um micróbio. Visto de dentro, eu sou a bactéria da molécula do piolho da pulga do elétron do átomo da menor célula do micróbio, que escapa do olhar do microscópio. Afora isso, considero-me grandioso.
Deitado na cama visitei Cairo, Roma, Marraquexe, Budapeste e Paris. Andei pelos quatro cantos do mundo, escalei o Everest, surfei no Havaí, cacei rinocerontes nas savanas africanas, pesquei marlins no alto mar de Havana, separei-me de Audrey Hepburn e me casei com Mariinha, a menina mais bonita da sala de aula.
Quando me levantei da cama o quarto era o mesmo, a casa era a mesma e o mundo era apático, distante, fosco e indiferente. Estava atrasado, havia perdido o metrô das onze, apenas porque passei da hora, inerte no leito quieto, batendo as asas e planando no teto do quarto.
A noite levou de mim o sonho. Quando acordei, estava com uma lacuna na alma, como se tivesse sido roubado.
Não busque ser feliz. Procure não ser infeliz. É na não infelicidade que a alma encontra a felicidade.
Se está certo Schopenhauer que “viver é sofrer”, sei que estou amadurecendo na vida, quando tenho sofrimentos novos.
Meus mortos não estão no passado. No passado estão meus vivos. Meus mortos estão no futuro, que é para lá que eu vou, quando também desaparecer
Conheci alguém que queria amar tanto alguém, mas tanto, tanto, tanto... Que morreu sem amar ninguém
A gente devia ter errado menos, falhado menos e compreendido mais. A gente devia ter nascido com mais idade
Escoltei o tempo até as cercanias da infância,
pois no território da meninice o tempo não me passa mais
Após o instante que passa, aproveito o intervalo para colocar em versos, antes que o piscar das pálpebras apague com o chegar do instante próximo, o que o ido momento me legou.
Eu e meu neto, juntos, brincamos de infância, explorando o mundo com olhos de criança, que os adultos esqueceram de ver
Agradeço aos meus erros pretéritos, pois eles me permitem continuar errando erros novos. Os erros são a alfabetização da alma.