Poema do Bebado

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⁠O Homem dos Sete Instrumentos

Chamam-me assim —
homem dos sete instrumentos —
mas não sabem:
não são sete,
nem instrumentos.
São cicatrizes.
São fomes.
São vozes que nunca couberam num só corpo.

Toco o violão como quem acaricia um amor perdido
que ainda respira na madeira.
O piano, como quem dialoga com espectros —
meus mortos têm teclas.
Canto como quem sangra acordes pela garganta.
Escrevo como quem rasga o próprio peito
à procura de um som
que ainda não nasceu.
Componho canções, poemas,
romances e vertigens.
Verso o que não sei nomear.

Não sou um, nem sou muitos.
Sou aquilo que sobra
quando o som se desfaz,
quando o aplauso se cala
e só resta o eco.

Sou o intervalo entre duas notas,
a pausa onde mora o abismo,
o silêncio que sustenta a beleza.

Cada instrumento em mim é um vazio domesticado,
uma ausência que aprendi a afinar.
Cada palavra, um grito soterrado.
Cada acorde, uma oração profana.

Sou feito de ecos e assombros,
de mãos que buscam o invisível,
de olhos que enxergam o que não se mostra.
Carrego um palco dentro do peito —
feito de memórias e ruínas —
onde cada noite,
sem que ninguém veja,
enceno minha última vez.

Se me chamam homem dos sete instrumentos,
é porque ainda não perceberam:
sou o que resta
quando a vida desaprende a dizer,
quando o mundo se recolhe
e só o humano
ainda insiste
em cantar.

Inserida por EvandoCarmo

⁠Sobre ser poeta

Ser poeta
não é escrever.
É sangrar sem ferida visível.
É andar entre os vivos
com os pés fincados no invisível.

Ser poeta
é ouvir o que não foi dito,
ler o que o tempo omitiu,
beber da fonte que seca os outros.

Não há descanso para o que vê demais.
Não há paz para o que sente em excesso.
Ser poeta é dormir com as cicatrizes abertas
e acordar com palavras grudadas nos olhos.

É saber que nada dura
e ainda assim amar —
como quem beija o rosto da água
antes que ela escorra.

Poeta não descreve.
Poeta desvela.
Poeta não tem vocação.
Tem maldição.

É escolhido pelo silêncio
pra dizer o que mata
e, ao dizer,
sobrevive.

Inserida por EvandoCarmo

⁠ODE AO AMIGO
(dos que se reconhecem antes das palavras)

Tu vieste antes do nome.
Antes da história.
Antes da glória ou da queda.

Tu vieste como vêm os cometas:
inesperado, exato,
com a fúria de quem já me conhecia sem nunca ter me visto.
E me reconheceu —
no erro, no excesso, na beleza.

Foste o riso que me salvou do abismo,
a mão que não julgou minha vertigem.
Foste a noite que ficou até o fim,
quando todos os outros foram embora com medo da minha escuridão.

Contigo, aprendi que há uma linguagem secreta entre os que criam,
um fogo que arde no mesmo tempo,
ainda que em corpos distantes.

Fomos Rimbaud e Verlaine sem as balas.
Van Gogh e Gauguin sem o corte.
Fomos tempestade e refúgio.
Fizemos da amizade uma obra de arte.

Teu olhar me devolveu a fé no indizível.
Tu entendeste o que havia entre meus silêncios.
E nunca me pediste que eu fosse menos do que sou.
Ao contrário: me empurraste para o abismo do que posso ser.

Oh, amigo —
irmão de caminho,
cúmplice de insônias,
espelho onde vi o que o mundo não via.

Se um dia o tempo nos dispersar como folhas,
que reste esta verdade:
eu criei melhor, eu vivi melhor,
porque exististe em minha vida.

Inserida por EvandoCarmo

⁠Hoje, o homem despertou com a luz dentro.
Fez aliança com o pão e a terra,
com os irmãos de fé e o vinho da memória.

Ofertou palavras ao vento —
sementes lançadas na praça cega.
Caminhou como quem interroga o mundo com os pés.

Levava livros na bolsa como quem carrega feridas santas.
E encontrou portas fechadas para o verbo.
Mas ainda assim, cantou.

No espelho do cotidiano,
viu o riso fácil dos que nunca beberam da fonte.
E se perguntou:
vale a pena ser fonte num deserto de pressa?

Ao fim do dia, não teve respostas.
Mas teve o gesto.
E o gesto é o que fica
quando o mundo esquece o nome do poeta.

Inserida por EvandoCarmo

⁠ Tatuagem Invisível

Jamais tatuei meu corpo — não foi medo,
Mas por respeito à pele e ao seu clarão.
É nela que o silêncio se faz imensidão,
É nela que se oculta o meu segredo.

Quem sangra e não soluça, busca cedo
Marcar na carne a dor, sua prisão.
Mas minha dor gravou-se em dimensão
Que foge ao ferro, ao traço, ao frio enredo.

Só tenho uma inscrição — Iranete, amor —
Cravada em mim no osso e na retina,
No vão da alma onde o tempo se desfaz.

E o mundo, ao me olhar, vê esse fervor:
Um nome eterno em luz, sem tinta,
Que só se lê no corpo feito em paz.

Por Evan do Carmo

Inserida por EvandoCarmo

⁠Vida sem Fim — O Tempo em Paz

Eu caminhei por entre os dias como quem pisa vidro.
Havia um relógio enterrado no peito e toda manhã era ferida.
Mas então... o tempo morreu.
E no exato momento em que o tempo expirou, nasceu a paz.

Viver sem fim é como dormir sobre nuvens de silêncio.
O céu já não cai. O chão já não ruge.
As horas não nos perseguem mais com sua foice sutil.
Tudo repousa. Tudo canta.
E o homem, enfim, contempla.

Sem a urgência do fim, a alma se deita no colo da eternidade.
E sonha desperta.
A arte deixou de ser grito.
Agora é sopro.
O gesto não busca o depois — ele floresce no agora como um lírio que jamais murcha.

Ah, viver sem fim...
É ver a infância reaparecer no rosto dos antigos.
É caminhar em jardins que se abrem só quando o espírito está limpo.
É colher frutos que não apodrecem e ouvir árvores sussurrando segredos que esperaram séculos para serem ditos.

Ninguém corre.
Porque tudo vem.
E tudo é.
A morte virou lembrança. Um vulto que se afastou devagar... até desaparecer.

Agora se ouve o som das estrelas.
Agora se escuta o pensamento dos rios.
Agora se entende o silêncio.

Há os que escrevem poemas sem fim — versos que se alongam como rios de luz,
e há os que leem o céu como quem lê um livro antigo, com os olhos marejados de compreensão.
Não há pressa em aprender.
Nem medo de esquecer.
Pois tudo o que é verdadeiro permanece — como o nome gravado no coração da Terra.

E eu, que um dia temi o escuro...
Hoje acendo lâmpadas na alma dos outros.
Porque viver sem fim é isso:
transformar cada instante em eternidade.

Por Evan do Carmo

Inserida por EvandoCarmo

⁠O Último Grito do Velho Mundo
(ensaio lírico-profético)

O mundo não acabou de súbito.
Ele se gastou.
Como um círio queimando por dentro.
Como a esperança que vira cinza
sem ninguém perceber.

Não foi a bomba,
não foi o vírus.
Foi o ego.
Foi a pressa.
Foi a mentira repetida até virar fé.

As nações marcharam para o abismo
de olhos bem abertos.
Brindaram com vinho podre
à vitória de um rei sem rosto,
de um deus sem alma,
de um futuro sem ternura.

O homem construiu muralhas,
mas esqueceu a casa.
Construiu máquinas,
mas esqueceu os filhos.
Construiu impérios,
mas esqueceu a si mesmo.

O céu chorou.
Mas ninguém levantou os olhos.
Estavam ocupados demais
com as telas.
Com as senhas.
Com os ídolos de carne e marketing.

Veio o colapso.
Mas não foi tragédia —
foi revelação.
A Terra cuspiu os venenos.
O mar devolveu os corpos.
As árvores negaram seus frutos.

E mesmo assim,
houve quem risse.
Houve quem vendesse ingresso
para assistir ao fim.

O último grito não foi de dor.
Foi de desespero.
Foi de quem percebeu tarde demais
que já não sabia amar.
Que já não sabia parar.

Mas —
no ventre da escuridão,
um resto de luz ainda tremia.
Era uma criança.
Era uma canção.
Era uma palavra esquecida
na boca dos justos.

Aqueles que não negaram o coração,
aqueles que enterraram os seus mortos com lágrimas,
aqueles que ouviram a dor do outro
como quem ouve a própria mãe.

Esses não morreram.
Dormiram.

E o paraíso,
em segredo,
começou a sonhar com eles.

Inserida por EvandoCarmo

⁠O Último Grito do Velho Mundo

Ó Céus, que antes cantastes a glória do Eterno,
Agora vos calais sob a sombra do abismo crescente,
Pois a terra, outrora jardim imaculado, se retorce em dores,
E os homens, feitos à Sua imagem, corromperam a própria luz.

Como um Leviatã que desperta das profundezas esquecidas,
Surge o orgulho insolente, vestindo-se em trevas,
Ergue-se a Babel de vaidade contra os portais do Altíssimo,
E o hálito do Éden se extingue em suspiros de desespero.

Não foi um dia, mas uma era inteira de desvios e promessas falsas,
Onde o mensageiro da luz caiu e fez morada na escuridão,
E a serpente antiga seduziu o coração dos homens,
Fazendo-os esquecer a aliança, a promessa e o Amor eterno.

Ó profetas, erguei vossos olhos além do firmamento,
Pois a trombeta soa com força que estremecerá os séculos,
E as chagas do mundo são abertas, jorrando o sangue do arrependimento tardio,
Mas poucos se voltam ao Cordeiro, e ainda menos o buscam.

Pois o Último Grito não é o clamor das armas,
Mas o suspiro mudo da alma que perdeu seu caminho,
Entre ruínas de templos e cinzas de promessas,
No silêncio que sucede o furor dos deuses caídos.

Inserida por EvandoCarmo

“A solidão nos é realmente insuportável quando nos assustamos com os nossos pensamentos.

Devemos sempre ter cautela ao conceder elogios, pois estes só serão valiosos pela sua raridade

Não raro os homens se alegram mais com futilidades que com coisas realmente importantes.”

Inserida por EvandoCarmo

“O medo de sair de casa me assombra,
se pelo menos soubesse que te encontraria,
numa esquina qualquer da vida.
Mas, na cidade onde moro não há esquinas.
As ruas são infinitamente movimentadas.
pessoas não param, não se cumprimentam,
por isso tenho medo de sair de casa, contudo,
a solidão com quem habito em quatro paredes,
já começa a me espreitar, como um monstro
se aproxima de mim, receio que em breve me devorará.”

Inserida por EvandoCarmo

Pois sou humano

Não me fales de angústias
nem de medos, pois sou humano
não me fales de equívocos
e desengano, pois sou humano…
Não me fales de dores, de cabeça
ou de consciência, de insônias
ou de sonhos abortados,
pois sou humano.

Não me fales de desejos secretos
ou de esperanças vãs, pois, como tu,
nasci chorando, assustado
com a face tenebrosa da incerteza.
Não me fales da miséria cultural
que nós herdamos, pois
dela me alimento todos os dias
e repito os enganos dos meus pais.

Não me fales do futuro que me espreita,
como uma hiena pronta a estrangular
os sonhos das crianças, pois já fui criança,
reconheço muito bem o meu passado.
Não me fales da estupidez dos homens
que mesmo amando às vezes matam
ou da meiguice virtuosa das mulheres
que por amor fingem tanto e nos maltratam.
Não me fales da poesia da aurora
pois sou humano, quando devia ser poeta.

Não me fales dos enigmas que não queremos decifrar,
do medo da guerra que esquecemos,
se à noite é o dinheiro que nos impede de sonhar.
Não, não me fales destas coisas sem importância,
pois na vida, cedo ou tarde tudo perde a importância,
a convivência com a humanidade me fez indiferente,
insensível às dores do meu semelhante, todavia,
não me julgues, não me queiras mal,
pois afinal, eu sou humano.

Inserida por EvandoCarmo

um sopro de imortalidade

a função da poesia é:
descomplicar o complicado
explicar o inexplicável,
retratar o irretratável
revelar belezas invisíveis
abrir portas sobre as rochas
dar visão aos cegos incuráveis
conceder raciocínio ao instinto
e sorrir dos amores inrisíveis

entre tantas façanhas nada críveis
deslindar o segredo do universo
desta forma, aquele que primeiro
encontrou uma caneta resolveu
todo o enigma com um verso
"faça se a luz", em seguida tudo
veio às claras e homem se igualou
a Deus.

Inserida por EvandoCarmo

A idiossincrasia do amor

o amor é inexplicável
assim o acreditam, homens e mulheres
que não conseguiram amar nem serem amados.
Os poetas também se enganaram neste respeito
e até hoje tentam descrever o amor que não conheceram
atribuem aos seu arquétipo de afeto invisível, à musa,
toda sua erudição obtusa, incognoscível, para descrever
um amor impossível, contudo, dela se quer ganharam um beijo.

O amor é inconstante, inconsciente
sem passado e sem presente
o amor não se revela nem se esconde
o amor é um mito, é tudo e nada
é sombra e claridade, às vezes escuridão
por vezes é angústia, cárcere, privação.

O amor pode ser destino, para outros escolha
amores em branco, túmulos de silêncio
porta de engano... o amor é discreto,
não se pronuncia onde não lhe chamam,
pode ser secreto, em seu simples plano
de acorrentar os deuses e de libertar gigantes.

Inserida por EvandoCarmo

Minha poesia

Minha poesia não é de fado
nem de medo, nem de tédio
minha poesia não é de hoje
aos que dela se alimenta
não trás culpa nem remédio

Minha poesia é riso ao que chora
minha poesia nunca foi despedida
minha poesia, inoportunamente fica
quando lhe pedem pra ir embora.

Minha poesia não é de angústia
nem de saudade dolorida
minha poesia vislumbrar o futuro
se agarra ao presente e dele suga vida.

Inserida por EvandoCarmo

Como Neruda

Quisera eu fazer poesia como Neruda
no entanto, que bandeira ei de erguer
com a minha poesia ativista?

Nas Américas de hoje não há mais luta
nem disputa, nem suor nem sangue
nem cicuta. Sobretudo na América
onde vivo, se respira um ar putrefato
de hipocrisia ideológica, a América Latina de hoje é uma latrina de corrupção fisiológica.

Então farei poesia de protesto
contra a falta de honra dos poetas
dos homens públicos e privados
este é o meu último desejo

Inserida por EvandoCarmo

Ao menino que me faz voltar no tempo.

Posso sofrer a relembrar o passado
mas não posso evitar esta viagem
uma árvore não pode florescer nem dar fruto
se não tiver consciência física das suas raízes.

Antes da maturidade poucos homens
têm necessidade de voltar às suas origens
talvez por ingratidão gratuita ou receio
de encontrar sua verdadeira essência.

Vejo chegar, quase que diariamente
reminiscencias do que fui, nostalgia cara
que não raro me custam lágrimas
outras vezes parto e poesia.

Assim hoje penso, ninguém pode viver
alheio aos atos e fatos pretéritos
o menino que fui produziu o homem que sou
e este homem não viverá se ignorar suas raízes.

Lá neste passado onde mora o presente
encontro só lembranças luminosas
são referências, seivas que me formaram
proteínas espirituais que ainda me alimentam.

Para Josivaldo Bezerra, o menino que me fez
voltar no tempo.

Inserida por EvandoCarmo

Queria fazer poesias simples e doces como Cora
mas nos dias amargos em que vivemos
não há mais figo nem amora!!!

Inserida por EvandoCarmo

Só existe uma forma irreversível de miséria humana,
a completa falta de humanidade é a ausência de afeto
seja este amoroso, romântico ou parental.
Apenas destes seres ocos de divindade devemos ter dó,
por estes devemos ter infinita compaixão e lastima.
Miserável, portanto, é todo homem que não conheceu o amor,são de fato necessitados, carentes ao extremo deste bem supremo, destes eu tenho muita pena, e ao mesmo tempo receio mórbido de sua companhia, pois, ao passo que são miseráveis, são também perigosos e extremistas radicias.

Inserida por EvandoCarmo

Mater

Mãe, eis a causa de tudo
não haveria vida nem mundo
nem filho nem pai
não haveria luz, nem sombra
passado ou futuro
nem semente a nascer
nem um fruto maduro.

Mãe, concepção lírica dos poetas
para pra se criar o universo
poesia e música, fantasia e verso
natureza viva, a expressão discreta
da ilusão homérica de um mundo concreto...

Mãe, quem supor poderia
que se não fosse por ti
nada mais havia
nem amor nem paixão
nem sorte nem destino
nem velho nem morte
nem homem nem menino.

Mãe, amor superlativo, tu
perdoas sempre qualquer tirania,
vences todo ódio com um gesto meigo
teu abraço terno aquece o coração

Inserida por EvandoCarmo

Numa manhã fria de maio,
em casa do poeta Evan do Carmo,
nasceu a poesia.

Nasceu à revelia
do poeta e da musa
Ruiva de cor e de olhos negros
deram-lhe o nome de felicidade
contudo, poderia se chamar
Giovanna ou Beatriz
Nasceu com enfado
nasceu com preguiça,
mas nasceu sorrindo
não como outrora
a Ninfa nasceu feliz,
não nasceu chorando
como a poesia de Hamlet,

E por que isto se deu?

É que a loucura humana
em celebre audiência
encontrara-se à noite com a lucidez
firmaram um acordo solene
e tiveram como prova a consciência
doravante viria ao mundo
apenas filhos saudáveis
pois o mundo se rendera tardiamente
à carência da cultura e à indigência.

Inserida por EvandoCarmo