Poema de Amor Clarice Lispector
Até que por horas desisti. E, por Deus, tive o que eu não gostaria. Não foi ao longo de um vale fluvial que andei – eu sempre pensara que encontrar seria fértil e úmido como vales fluviais. Não contava que fosse esse grande desencontro.
Morri de muitas mortes e mantê-las-ei em segredo até que a morte do corpo venha, e alguém, adivinhando, diga: esta, esta viveu.
Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe.
Escuta, diante da barata viva, a pior descoberta foi a de que o mundo não é humano, e de que não somos humanos.
Não, não te assustes! certamente o que me havia salvo até aquele momento da vida sentimentizada de que eu vivia, é que o inumano é o melhor nosso, é a coisa, a parte coisa da gente. Só por isso é que, como pessoa falsa, eu não havia até então soçobrado sob a construção sentimentária e utilitária: meus sentimentos humanos eram utilitários, mas eu não tinha soçobrado porque a parte coisa, matéria do Deus, era forte demais e esperava para me reivindicar.
Quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espírito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa que ouro – existe a quem falte o delicado essencial.
Sei que as coisas são complicadas. Mas são ao mesmo tempo simples. Elas se complicam à medida em que se tem medo da simplicidade – porque essa simplicidade seja o fato em si, a verdade.
Eu quero o pensar-sentir hoje e, não, tê-lo apenas tido ontem ou ir tê-lo amanhã. Tenho certa pressa em sentir tudo.
Falta apenas o golpe da graça – que se chama paixão. O que estou sentindo agora é uma alegria. (...) Ser vivo é um estágio muito alto, é alguma coisa que só agora alcancei. É um tal alto equilíbrio instável que sei que não vou poder ficar sabendo desse equilíbrio por muito tempo – a graça da paixão é curta.
Ora, não sou linda. Mas quando estou cheia de esperança, então de minha pessoa se irradia algo que talvez se possa chamar de beleza.
Há um tipo de choro bom e há outro ruim. O ruim é aquele em que as lágrimas correm sem parar e, no entanto, não dão alívio. Só esgotam e exaurem. (...)
Homem chorar comove. Ele, o lutador, reconheceu sua luta às vezes inútil. Respeito muito o homem que chora. Eu já vi homem chorar.
É por isso que na graça eu me mantive sentada, quieta, silenciosa. E como em uma anunciação. Não sendo porém precedida por anjos. Mas é como se o anjo da vida viesse me anunciar o mundo.
Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma.
Um dia, quando eu tiver mais vontade e se você ainda quiser, eu lhe falarei de como me mexo dentro de Deus.
Experimentamos ficar calados – mas tornávamos inquietos logo depois de nos separarmos.
É que ela sentia falta de encontrar-se consigo mesma e sofrer um pouco é um encontro.
Aquela relutância em ceder, mas aquela vontade do grande abraço. Ela se abraçava a si mesma com vontade do doce nada.
Por que ela estava tão ardente e leve, como o ar que vem do fogão que se destampa?
O que os outros recebem de mim reflete-se então de volta para mim, e forma a atmosfera do que se chama: eu.
Estou atrás do que fica atrás do pensamento. Inútil querer me classificar: eu simplesmente escapulo.
Parece-me que eu vagamente sentia que, enquanto sofresse fisicamente de um modo tão insuportável, isso seria a prova de estar vivendo ao máximo.
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