Poema de Amor Clarice Lispector
Amor (...) é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor verdadeiro, porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões.
Eu ainda não sei controlar meu ódio mas já sei que meu ódio é um amor irrealizado, meu ódio, é uma vida ainda nunca vivida. Pois vivi tudo – menos a vida. E é isso o que não perdoo em mim, e como não suporto não me perdoar, então não perdoo aos outros. A este ponto cheguei: como não consegui a vida, quero matá-la. A minha cólera – que é ela senão reivindicação? – a minha cólera, eu sei, eu tenho que saber neste minuto raro de escolha, a minha cólera é o reverso de meu amor; se eu quiser escolher finalmente me entregar sem orgulho à doçura do mundo, então chamarei minha ira de amor.
Ah, então era por isso que eu sempre havia tido uma espécie de amor pelo tédio. E um contínuo ódio dele. Porque o tédio é insosso e se parece com a coisa mesmo. E eu não fora grande bastante: só os grandes amam a monotonia. (...)
Mas o tédio – o tédio fora a única forma como eu pudera sentir o atonal. E eu só não soubera que gostava do tédio porque sofria dele. Mas em matéria de viver, o sofrimento não é medida de vida: o sofrimento é subproduto fatal e, por mais agudo, é negligenciável.
E quando notou que aceitava em pleno o amor, sua alegria foi tão grande que o coração lhe batia por todo o corpo, parecia-lhe que mil corações batiam-lhe nas profundezas de sua pessoa.
Vê, meu amor, vê como por medo já estou organizando, vê como ainda não consigo mexer nesses elementos primários do laboratório sem logo querer organizar a esperança. É que por enquanto a metamorfose de mim em mim mesma não faz nenhum sentido. É uma metamorfose em que perco tudo o que eu tinha, e o que eu tinha era eu – só tenho o que sou. E agora o que sou? Sou: estar de pé diante de um susto. Sou: o que vi. Não entendo e tenho medo de entender, o material do mundo me assusta, com os seus planetas e baratas. Eu, que antes vivera de palavras de caridade ou orgulho ou de qualquer coisa. Mas que abismo entre a palavra e o que ela tentava, que abismo entre a palavra amor e o amor que não tem sequer sentido humano – porque – porque amor é a matéria viva. Amor é a matéria viva?
Inclusive mais amor inclui uma alerteza maior para achar bonito o que nem mesmo bonito é.
E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração.
Mas ela já o amava tanto que não sabia mais como se livrar dele, estava em desespero de amor.
Quem, como eu, estava chamando o medo de amor? e querer, de amor? e precisar, de amor?
E a revolta de súbito me tomou: então não podia eu me entregar desprevenida ao amor?
Amor é achar bonita uma bota, amor é gostar da cor rara de um homem que não é negro, amor é rir de amor a um anel que brilha.
Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato... Ou toca, ou não toca.
(trecho de entrevista dada em 1977)
Liberdade é pouco, o que eu desejo ainda não tem nome.
(Perto do coração selvagem)
Sou implícita. E quando vou me explicitar perco a úmida intimidade.
(Água viva)
Lembrar-se com saudade é como se despedir de novo.
(Água viva)
A única verdade é que vivo. Sinceramente, eu vivo. Quem sou? Bem, isso já é demais.
(Perto do coração selvagem)
Queria saber: depois que se é feliz o que acontece? O que vem depois?
(Perto do coração selvagem)
Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço.
(Água viva)
Agora é um instante. Você sente? Eu sinto.
(Água viva)
Saudade é um dos sentimentos mais urgentes que existem.
(Crônicas para jovens: de amor e amizade)
Escuta: eu te deixo ser, deixa-me ser então.
(Água viva)
Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.
(A hora da estrela)
Os fatos são sonoros mas entre os fatos há um sussurro. É o sussurro que me impressiona.
Estou tentando te dizer de como cheguei ao neutro e ao inexpressivo de mim. Não sei se estou entendendo o que falo, estou sentindo – e receio muito o sentir, pois sentir é apenas um dos estilos de ser.
Cada pessoa é um mundo, cada pessoa tem sua própria chave e a dos outros nada resolve.
E eu impávida finjo que não tenho dono. Pontas de cigarro apagadas eu recebo. Um dia vou pegar fogo.
Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia.
Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente.
Nasci dura, heróica, solitária e em pé. E encontrei meu contraponto na paisagem sem pitoresco e sem beleza. A feiura é o meu estandarte de guerra. Eu amo o feio com um amor de igual para igual. E desafio a morte. Eu – eu sou a minha própria morte. E ninguém vai mais longe. O que há de bárbaro em mim procura o bárbaro e cruel fora de mim. Vejo em claros e escuros os rostos das pessoas que vacilam às chamas da fogueira. Sou uma árvore que arde com duro prazer. Só uma doçura me possui: a conivência com o mundo. Eu amo a minha cruz, a que doloridamente carrego. É o mínimo que posso fazer de minha vida: aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite.
O tédio é de uma felicidade primária demais! E é por isso que me é intolerável o paraíso.
