Poema de Amor Clarice Lispector
O que escrevo não pede favor a ninguém e não implora socorro: aguenta-se na sua chamada dor com uma dignidade de barão.
Uma vida é curta: mas, se cortarmos os seus pedaços mortos, curtíssima fica ela.
Se tu não puderes te libertar de desejar paixões, lê romances e aventuras, que para isso também existem os escritores.
Vida nascendo era tão mais sangrento do que morrer. Morrer é ininterrupto. Mas ver matéria inerte lentamente tentar se erguer como um grande morto-vivo... Ver a esperança me aterrorizava, ver a vida me embrulhava o estômago.
Não é saudade, porque eu tenho agora a minha infância mais do que enquanto ela decorria...
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
Viver tem dessas coisas: de vez em quando se fica a zero. E tudo isso é por enquanto. Enquanto se vive.
Tão poderosa que imaginava ter escolhido os caminhos antes de neles penetrar – e apenas com o pensamento.
Voar alto e selvagemente para soltar as minhas grandes asas. Até agora parece-me que eu não voei grande.
Eu agora sei pensar em nada. Foi uma conquista. Não pensar significa o contato inexprimível com o Nada.
Em tudo, em tudo você terá a seu favor o corpo. O corpo está sempre ao lado da gente. É o único que, até o fim, não nos abandona.
Mas é que o erro das pessoas inteligentes é tão mais grave: elas têm os argumentos que provam.
Mas se nós, que somos os reis da natureza, não havemos de ter medo, quem há de ter?
Pense que ninguém é uma fortaleza, que nós todos somos apenas humanos e nos ajudamos, pense que não existe uma só pessoa no mundo que não tenha pelo menos uma vez (é pouco uma vez, muito mais vezes) necessidade inclusive de chorar.
Acontece que sou tão ávida da vida, tanto quero dela e aproveito-a tanto e tudo é tanto – que me torno imoral. Isso mesmo: sou imoral.
Não podia me dar ao luxo de pedir, lembrei-me de todas as vezes em que, por ter tido a doçura de pedir, não me deram.
Não, nunca fui moderna. E acontece o seguinte: quando estranho uma pintura é aí que é pintura. E quando estranho a palavra é aí que ela alcança o sentido. E quando estranho a vida aí é que começa a vida.
Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes.
Eu poderia resolver pelo caminho mais fácil, matar a menina-infante, mas quero o pior: a vida.
Não, quem tem razão é este meu coração indireto, mesmo que os fatos me desmintam diretamente.
