Poema de Amor Clarice Lispector
Eu tenho tanto medo de ser eu. Sou tão perigoso. Me deram um nome e me alienaram de mim.
Tenho que ter paciência para não me perder dentro de mim: vivo me perdendo de vista. Preciso de paciência porque sou vários caminhos, inclusive o fatal beco sem saída.
O tempo passa depressa demais e a vida é tão curta. Então – para que eu não seja engolido pela voracidade das horas e pelas novidades que fazem o tempo passar depressa – eu cultivo um certo tédio. Degusto assim cada detestável minuto. E cultivo também o vazio silêncio da eternidade da espécie. Quero viver muitos minutos num só minuto.
Para vermos o azul, olhamos para o céu. A Terra é azul para quem a olha do céu. Azul será uma cor em si, ou uma questão de distância? Ou uma questão de grande nostalgia? O inalcançável é sempre azul.
E a doçura é tanta que faz insuportável cócega na alma. Viver é mágico e inteiramente inexplicável.
Então comecei uma listinha de sentimentos dos quais não sei o nome. Se recebo um presente dado com carinho por pessoa de quem não gosto – como se chama o que sinto? A saudade que se tem de pessoa de quem a gente não gosta mais, essa mágoa e esse rancor – como se chama? Estar ocupada – e de repente parar por ter sido tomada por uma súbita desocupação desanuviadora e beata, como se uma luz de milagre tivesse entrado na sala: como se chama o que se sentiu?
Porque na pobreza de corpo e espírito eu toco na santidade, eu que quero sentir o sopro do meu além. Para ser mais do que eu, pois tão pouco sou.
A raiva é a minha revolta mais profunda de ser gente? Ser gente me cansa. (...)
Há dias que vivo da raiva de viver.
Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.
Penso que agora terei que pedir licença para morrer um pouco. Com licença – sim? Não demoro. Obrigada.
Aliás – descubro eu agora – eu também não faço a menor falta, e até o que escrevo um outro escreveria.
E eis que de repente eles param e mudos, graves, espantados se olham nos olhos: é que eles sabiam que um dia iriam amar.
Desconfortável. Não me sinto bem. Não sei o que é que há. Mas alguma coisa está errada e dá mal-estar. No entanto estou sendo franca e meu jogo é limpo. Abro o jogo. Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza.
Nada jamais fora tão acordado como seu corpo sem transpiração e seus olhos-diamantes, e de vibração parada.
E o Deus? Não. Nem mesmo a angústia. O peito vazio, sem contração. Não havia grito.
Quando penso no que já vivi me parece que fui deixando meus corpos pelos caminhos.
Se uma pessoa perguntar durante meia hora a palavra "eu", essa pessoa se esquece quem é. Outras podem enlouquecer. É mais seguro não fazer jamais perguntas – porque nunca se atinge o âmago de uma resposta. E porque a resposta traz em si outra pergunta.
A violeta é introvertida e sua introspecção é profunda. Dizem que se esconde por modéstia. Não é. Esconde-se para poder captar o próprio segredo. Seu quase-não-perfume é glória abafada mas exige da gente que o busque. Não grita nunca o seu perfume. Violeta diz levezas que não se pode dizer.
Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade.
Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri. Mas tantos defeitos tenho. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha.
Por que é que um cão é tão livre? Porque ele é o mistério vivo que não se indaga.
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