Perda de um Amor por Orgulho

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Sois belas, mas vazias. Não se pode morrer por vós. Minha rosa, sem dúvida um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco. Ela sozinha é porém mais importante que vós todas, pois foi a ela que eu reguei. Foi a ela que pus a redoma. Foi a ela que abriguei com o para-vento. Foi dela que eu matei as larvas. Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. É a minha rosa.

Os dois horizontes

Dois horizontes fecham nossa vida:

Um horizonte, – a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, – a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, – sempre escuro, –
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.

Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O vôo das andorinhas,
A onda viva e os rosais;
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.

Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.

No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, – tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.

Que cismas, homem? – Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? – Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.

Dois horizontes fecham nossa vida.

Machado de Assis
Crisálidas (1864).

O professor disserta sobre ponto difícil do programa.
Um aluno dorme, cansado das canseiras desta vida.
O professor vai sacudi-lo?
Vai repreendê-lo?
Não.
O professor baixa a voz,
Com medo de acordá-lo.

Carlos Drummond de Andrade
ANDRADE, C. D. “Mosaico de Manuel Bandeira” apud Bandeira a vida inteira. Edições Alumbramento. Instituto Nacional do Livro. 1986
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Um fim de mar colore os horizontes.

Manoel de Barros
BARROS, M. Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2011.

A ingratidão é um direito do qual não se deve fazer uso.

Machado de Assis

Nota: Citação atribuída. Autoria não confirmada.

Resíduo

(...) Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.

Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.

(...) E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.

Carlos Drummond de Andrade
ANDRADE, C. D. A Rosa do Povo, José Olympio, 1945

Tempo é um tecido invisível em que se pode bordar tudo, uma flor, um pássaro, uma dama, um castelo, um túmulo. Também se pode bordar nada. Nada em cima de invisível é a mais sutil obra deste mundo, e acaso do outro.

Machado de Assis
Esaú e Jacó (1904).

- Exatamente, disse a raposa. Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos.
E eu não tenho necessidade de ti.
E tu não tens necessidade de mim.
Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás pra mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo...
Mas a raposa voltou a sua idéia:
- Minha vida é monótona. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei o barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora como música.
E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. E então serás maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento do trigo...
A raposa então calou-se e considerou muito tempo o príncipe:
- Por favor, cativa-me! disse ela.

Para ganhar um ano-novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano-Novo cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade
Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002.

Minha vida é monótona. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente de outros...

De quantas graças tinha, a Natureza

De quantas graças tinha, a Natureza
Fez um belo e riquíssimo tesouro,
E com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angélica beleza.

Pôs na boca os rubis, e na pureza
Do belo rosto as rosas, por quem mouro;
No cabelo o valor do metal louro;
No peito a neve em que a alma tenho acesa.

Mas nos olhos mostrou quanto podia,
E fez deles um sol, onde se apura
A luz mais clara que a do claro dia.

Enfim, Senhora, em vossa compostura
Ela a apurar chegou quanto sabia
De ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.

Nada, jamais, substituirá um companheiro perdido.
Ninguém pode recriar velhos companheiros.
Nada vale o tesouro de tantas recordações comuns, de tantas horas más vividas juntos, de tantas desavenças, de tantas reconciliações, de tantos impulsos afetivos.
Não se reconstroem essas amizades.
Seria inútil plantar um carvalho na esperança de ter, em breve, o abrigo de suas folhas.

Assim vai a vida.
A princípio enriquecemos.
Plantamos durante anos, mas os anos chegam em que o tempo destrói esse trabalho, arranca essas árvores.
Um a um, os companheiros nos tiram suas sombras.
E aos nossos lutos mistura-se então
A mágoa secreta de envelhecer...

Sou hoje um caçador de achadouros da infância.
Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos.

Manoel de Barros
BARROS, M. Memórias inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003.

A vaidade da ignorância é um abismo de miséria humana.

Vazio

A noite é como um olhar longo e claro de mulher.
Sinto-me só.
Em todas as coisas que me rodeiam
Há um desconhecimento completo da minha infelicidade.
A noite alta me espia pela janela
E eu, desamparado de tudo, desamparado de mim próprio
Olho as coisas em torno
Com um desconhecimento completo das coisas que me rodeiam.
Vago em mim mesmo, sozinho, perdido
Tudo é deserto, minha alma é vazia
E tem o silêncio grave dos templos abandonados.
Eu espio a noite pela janela
Ela tem a quietação maravilhosa do êxtase.
Mas os gatos embaixo me acordam gritando luxúrias
E eu penso que amanhã...
Mas a gata vê na rua um gato preto e grande
E foge do gato cinzento.
Eu espio a noite maravilhosa
Estranha como um olhar de carne.
Vejo na grade o gato cinzento olhando os amores da gata e do gato preto
Perco-me por momentos em antigas aventuras
E volto à alma vazia e silenciosa que não acorda mais
Nem à noite clara e longa como um olhar de mulher
Nem aos gritos luxuriosos dos gatos se amando na rua.

Rio de Janeiro, 1933

Vinicius de Moraes

Nota: Poema constante da seção de poesia do site oficial de Vinicius de Moraes.

O Tempo

Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar
e entregar os pontos.

Aí entra o milagre da renovação
e tudo começa outra vez, com outro número
e outra vontade de acreditar
que daqui para diante tudo vai ser diferente.

Roberto Pompeu de Toledo

Nota: Texto muitas vezes atribuído, de forma errônea, a Carlos Drummond de Andrade.

Árvore

Um passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore.
Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de
sol, de céu e de lua mais do que na escola.
No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo
mais do que os padres lhes ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.
Seu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor o azul.
E descobriu que uma casca vazia de cigarra esquecida
no tronco das árvores só serve pra poesia.
No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores são vaidosas.
Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se transformara,
envaidecia-se quando era nomeada para o entardecer dos pássaros
E tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos brejos.
Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore
porque fez amizade com muitas borboletas.

Manoel de Barros
BARROS, M. Ensaios fotográficos. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000.

Se procuro em minhas recordações os que me deixaram um sabor duradouro, se faço balanço das horas que valeram, sempre me encontro com aquelas que não valeram a pena.

É bem mais difícil julgar a si mesmo que julgar os outros. Se consegues fazer um bom julgamento de ti, és um verdadeiro sábio.

Antoine de Saint-Exupéry
O Pequeno Príncipe (1943).

Teoria do Humanitismo (Quincas Borba)

Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. (...) Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.

Machado de Assis
Quincas Borba (1891).