Pensadores Alemães
O que foi não mais existe; existe exatamente tão pouco quanto aquilo que nunca foi. Mas tudo que existe, no próximo momento, já foi. Consequentemente, algo pertencente ao presente, independentemente de quão fútil possa ser, é superior a algo importante pertencente ao passado; isso porque o primeiro é uma realidade, e está para o último como algo está para nada.
Nada pode ser mais insensato do que querer propositadamente ser algo diferente do que se é: porque isso constitui uma contradição direta da vontade consigo mesma. Imitar as qualidades e características de outrem é muito mais vergonhoso do que vestir roupas alheias: pois trata-se do juízo da própria nulidade expresso por si mesmo.
Se quisermos avaliar a situação de uma pessoa pela sua felicidade, deve-se perguntar não por aquilo que a diverte, mas pelo que a aflige.
Devemos abster-nos, na conversação, de observações críticas, mesmo que sejam as mais bem intencionadas, pois magoar as pessoas é fácil; difícil, se não impossível, é melhorá-las.
Marchamos através da escuridão, impulsionados pela energia furiosa da vontade de viver e mergulhamos cada vez mais profundamente nas trevas do vício e do pecado, na morte e na aniquilação – até que, gradativamente, a fúria da vida se volta contra si mesma e nos damos conta de qual é o caminho que de fato tínhamos desejado seguir, até que, através do sofrimento, do horror e do espanto, chegamos a nós mesmos e é da dor que nasce o nosso melhor conhecimento.
Nenhum caminho é mais errado para a felicidade do que a vida no grande mundo, às fartas e em festanças (high life), pois, quando tentamos transformar a nossa miserável existência numa sucessão de alegrias, gozos e prazeres, não conseguimos evitar a desilusão; muito menos o seu acompanhamento obrigatório, que são as mentiras recíprocas.
Assim como o nosso corpo está envolto em vestes, o nosso espírito está revestido de mentiras. Os nossos dizeres, as nossas ações, todo o nosso ser é mentiroso, e só por meio desse invólucro pode-se, por vezes, adivinhar a nossa verdadeira mentalidade, assim como pelas vestes se adivinha a figura do corpo.
Antes de mais nada, toda a sociedade exige necessariamente uma acomodação mútua e uma temperatura; por conseguinte, quanto mais numerosa, tanto mais enfadonha será. Cada um só pode ser ele mesmo, inteiramente, apenas pelo tempo em que estiver sozinho. Quem, portanto, não ama a solidão, também não ama a liberdade: apenas quando se está só é que se está livre.
A coerção é a companheira inseparável de toda a sociedade, que ainda exige sacrifícios tão mais difíceis quanto mais significativa for a própria individualidade. Dessa forma, cada um fugirá, suportará ou amará a solidão na proporção exata do valor da sua personalidade. Pois, na solidão, o indivíduo mesquinho sente toda a sua mesquinhez, o grande espírito, toda a sua grandeza; numa palavra: cada um sente o que é.
Ademais, quanto mais elevada for a posição de uma pessoa na escala hierárquica da natureza, tanto mais solitária será, essencial e inevitavelmente. Assim, é um benefício para ela se à solidão física corresponder a intelectual. Caso contrário, a vizinhança frequente de seres heterogêneos causa um efeito incômodo e até mesmo adverso sobre ela, ao roubar-lhe seu ‘eu’ sem nada lhe oferecer em troca. Além disso, enquanto a natureza estabeleceu entre os homens a mais ampla diversidade nos domínios moral e intelectual, a sociedade, não tomando conhecimento disso, iguala todos os seres ou, antes, coloca no lugar da diversidade as diferenças e degraus artificiais de classe e posição, com frequência diametralmente opostos à escala hierárquica da natureza.
Nesse arranjo, aqueles que a natureza situou em baixo encontram-se em ótima situação; os poucos, entretanto, que ela colocou em cima, saem em desvantagem. Como consequência, estes costumam esquivar-se da sociedade, na qual, ao tornar-se numerosa, a vulgaridade domina.
Aqueles que se entregam descontroladamente aos impulsos da “natureza interior” não vivem sem correr um certo perigo. As ondas da espontaneidade podem desmanchar-se ao se esbaterem contra penhascos da dura realidade.
Quem fez da modéstia uma virtude esperava que todos passassem a falar de si próprios como se fossem idiotas. O que é a modéstia senão uma humildade hipócrita, através da qual um homem pede perdão por ter as qualidades e os méritos que os outros não têm?
O Evangelho moraliza admiravelmente sobre aqueles que vêem uma lasca no olho alheio e não vêem a viga no próprio; mas a natureza do olho consiste em enxergar o que está fora, e não dentro de si mesmo. Dessa forma, para nos conscientizarmos dos nossos defeitos, é um meio bastante adequado observá-los e censurá-los nos outros. Para nos corrigirmos, precisamos de um espelho.
Num espaço infinito, inúmeras esferas luminosas em torno das quais rodam dezenas de outras menores, quentes no centro e cobertas com uma casca dura e fria onde uma névoa bolorenta originou a vida e os seres conhecidos. Esta é a realidade, o mundo.
Reduzir ao máximo as expectativas em relação aos nossos meios, sejam eles quais forem, é, pois, o caminho mais seguro para escaparmos de uma grande infelicidade.
A melhor consciência não é uma presença do espírito em luta, é simplesmente uma espécie de alerta lúcida. Quem repousa em si mesmo, que nada quer, nada teme e nada espera.
E, assim, como do ponto de vista físico, o andar não é mais do que uma queda sempre evitada, da mesma maneira a vida do corpo é a morte sempre suspensa, uma morte adiada, e a atividade do nosso espírito, um tédio sempre combatido…
Como suportaríamos a infinita dissimulação, falsidade e malícia dos homens se não houvesse os cães, em cuja face honesta podemos mirar sem desconfiança?
Nossa razão se obscurece ao considerarmos que as inúmeras estrelas fixas, que brilham no céu, não têm outro fim senão o de iluminar mundos onde reinam o pranto, a dôr, e onde, no melhor dos casos, só vinga o aborrecimento; pelo menos a julgar pela amostra que conhecemos.
A solidão concede ao homem intelectualmente superior uma vantagem dupla: primeiro, a de estar só consigo mesmo; segundo, a de não estar com os outros. Esta última será altamente apreciada se pensarmos em quanta coerção, quantos estragos e até mesmo quanto perigo toda a convivência social traz consigo. «Todo o nosso mal provém de não podermos estar a sós», diz La Bruyère. A sociabilidade é uma das inclinações mais perigosas e perversas, pois põe-nos em contacto com seres cuja maioria é moralmente ruim e intelectualmente obtusa ou invertida. O insociável é alguém que não precisa deles.
Desse modo, ter em si mesmo o bastante para não precisar da sociedade já é uma grande felicidade, porque quase todo o sofrimento provém justamente da sociedade, e a tranquilidade espiritual, que, depois da saúde, constitui o elemento mais essencial da nossa felicidade, é ameaçada por ela e, portanto, não pode subsistir sem uma dose significativa de solidão. Os filósofos cínicos renunciavam a toda a posse para usufruir a felicidade conferida pela tranquilidade intelectual. Quem renunciar à sociedade com a mesma intenção terá escolhido o mais sábio dos caminhos.
Quem deseja aprender, deve saber sublimar. Quem quiser viajar só com a cabeça, deverá deixar o corpo em casa: quem quer viajar fisicamente, deve esquecer as viagens intelectuais.
Quem deseja prender-se às coisas do mundo da erudição, deve também possuir o vigor necessário para a renúncia ao mundo concreto.
