Minha Vó
É outro dia sem você. O trecentésimo alguma coisa. As cartas, os búzios e as ciganas erraram. Você não voltou. Minha mãe tava certa. Eu ia me acostumar e continuar respirando e falando e vivendo. A astrologia, as conchinhas, as linhas da minha mão direita mentiram. Minha mãe é que sempre soube.
Se eu tivesse de escolher entre trair a minha pátria e trair um amigo, esperaria ter a coragem necessária para trair a minha pátria.
Faço dizer aos outros aquilo que não posso dizer tão bem, quer por debilidade da minha linguagem, quer por fraqueza dos meus sentidos.
Agora é diferente
Tenho o teu nome o teu cheiro
A minha roupa de repente
ficou com o teu cheiro
Agora estamos misturados
No meio de nós já não cabe o amor
Já não arranjamos
lugar para o amor
Já não arranjamos vagar
para o amor agora
isto vai devagar
isto agora demora
Na minha opinião, escrever e comunicar significa ser capaz de fazer qualquer pessoa acreditar em qualquer coisa.
Tenho a certeza que, desde que pude fazer pleno uso da minha razão, nunca mais ninguém me ouviu rir.
A SOMBRA SOU EU
A minha sombra sou eu,
ela não me segue,
eu estou na minha sombra
e não vou em mim.
Sombra de mim que recebo luz,
sombra atrelada ao que eu nasci,
distância imutável de minha sombra a mim,
toco-me e não me atinjo,
só sei dó que seria
se de minha sombra chegasse a mim.
Passa-se tudo em seguir-me
e finjo que sou eu que sigo,
finjo que sou eu que vou
e que não me persigo.
Faço por confundir a minha sombra comigo:
estou sempre às portas da vida,
sempre lá, sempre às portas de mim!
Por minha própria natureza, não estou longe da dúvida mesmo sobre as coisas consideradas indubitáveis.
A história é uma grande loja para a minha fantasia e os sujeitos devem adaptar-se e tornar-se nas minhas mãos o que quero que eles sejam.
A minha suspeita é de que o universo seja não apenas mais estranho de quanto supomos, porém mais estranho do que podemos supor.
Moço continuarei até a morte porque, além dos bens que obtenho com a minha imaginação, nada mais ambiciono.
