Menina Gente Boa
SER FELIZ
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Ser feliz é receita que a gente varia;
põe orégano, açúcar, sal, tomate a gosto;
faz folia, não faz, escolhe de qual jeito,
mostra o rosto, camufla, se quiser desfaz...
Não tem forma nem fôrma, pode ser geoide,
mas não pode agredir quem difere ou discorda;
quem dá corda excessiva, quem se vela e castra
ou não pode; afinal, escolheu não poder...
Decidir quanto a isto é desenho abstrato;
cada um vê ou vive de modo só seu;
é um eu disponível pra todos os sonhos...
Só se dá por feliz quem se doa sem medo
a si mesmo, ao enredo que a vida compõe
para sua verdade tão somente sua...
DITADURA CANHOTA
Demétrio Sena, Magé – RJ.
É tanta gente polêmica
só por ser,
ou porque só precisa
se uniformizar,
que se tornou questão
de sobreviver,
porque agora é polêmico
não polemizar.
À DERIVA
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Sinto como a tristeza deságua na gente;
como chega serena feito rio raso;
traz a mágoa escondida numa bolha sonsa;
uma lente que abafa meus olhos pro dia...
Esta minha tristeza me abraçou de leve,
mas trancou seu abraço em silêncio profundo,
fez o mundo perder a profusão de cores
e a graça que os olhos procuram em tudo...
Só me cabe sentir sua enchente morosa,
ver a rosa fluir no seu transbordamento,
dar os olhos ao vento e não pedir de volta...
Quase alegre de triste recolho as vontades;
perco as minhas verdades e nem sei mentir;
deixo ir... deixo ir... deixo ir... deixo ir...
POVO BRASILEIRO
Demétrio Sena, Magé – RJ.
A gente pega doença em hospital;
a gente vira bandido na prisão;
a gente fica maluca em sanatório;
a gente come veneno por dieta...
É atleta sem força nem saúde,
é artista sem arte que se veja,
faz velório de morte pré-datada
na capela mortuária da vida...
Uma gente marcada feito boi,
pra pastar nos desertos do direito
que não vale pra gente como a gente...
A gente sempre foi vista como bicho
pelo lixo que a gente põe nos tronos
pra sugar o que a gente já não tem...
GENTE ILESA
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Quero gente com tempo pra perder
entre o tempo corrido, assoberbado,
numa leve conversa; só de gente;
sem os ranços do quadro funcional...
Tenho grande ambição de gente livre
pra sair dos projetos, dos ofícios,
dos comícios, das elucubrações,
e lembrar que pessoas são pessoas...
Busco gente ocupada com a lida,
mas que tenha uma vida pra sorver,
para ver que amizades não têm preço...
Já me canso do mundo impessoal;
do real que desmente o ser humano;
quero gente com tempo de ser gente...
NATAIS
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Tanta gente que se foi
para longe ou muito além
da Belém ao meu alcance...
Ou que vejo sem sentir,
nas angústias do deserto
de tão perto dos meus olhos...
Tantas perdas, quantos danos
por humanos desatinos
que podiam não haver...
Muitas vidas me deixaram
menos vivo do que tento
me sentir para viver...
Nada vai me recompor
no vazio que reflete
solidão de algum viveiro...
Eu queria tanta gente
de presença e de presente
nos natais do ano inteiro...
ANJOS RAIVOSOS
Demétrio Sena, Magé - RJ.
De repente um país de gente pura,
com moral pra julgar, dar veredito,
segue um mito e se apossa da verdade
que até ontem não tinha detentor...
São arcanjos raivosos e medonhos;
guarda-costas de santos preconceitos;
castram sonhos, proíbem liberdades,
calam seres e coisas que se opõem...
Céu terrível pra quem pensa por si,
pros que sabem quem são, não se renegam
e não pregam virtudes irreais...
Guardiães de moral regurgitada;
moralistas untados de azedume;
uma farsa montada em cada ego...
HUMANOS
Demétrio Sena, Magé - RJ.
As pessoas permutam seus modos de ser;
gente sempre se usa numa roda insana,
pois humana é a espécie que perdeu essência,
pra viver apesar do seu desprezo à vida...
Ter amigos não conta pra se ter certeza;
é saltar no vazio como quem aposta;
todos trocam vantagens, beleza, quantias
por passados de afetos um dia pra sempre...
Minha lida com gente não tem utopia;
tem um dia mais dia do que a vida expõe
entre paz e conflitos de muitas verdades...
A pessoa de agora se desfaz no fim;
ser humano é assim, também sou esse bicho
e reviro esse lixo desde que nasci...
NOSSA LENTE
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Um sonhar nos revive, mas outro nos mata;
muita gente simula o que buscamos nela;
luz de vela se forja e pode ser divina
pra carência da fé que se perdeu da chama...
Tem um mundo em redor, outro dentro de nós;
um eu íntimo e outro que os outros conhecem;
uma voz que fluimos, outra que se guarda
pra ficar ecoando em nossa consciência...
Temos ódio que às vezes é profundo amor;
lado bom só é lado; pois há lado mau;
somos flor tão espinho quanto flor tão frágil...
Nossa lente se ajusta quando não há cores,
nossas dores nos curam daqueles alívios
que nos fazem pensar que já nascemos nós...
SOLITÁRIAS ESTRELAS
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Tenho pena de gente que só se mistura
com aqueles que atendem às suas demandas;
é amiga das provas de seus resultados
ou cirandas e jogos de sucesso e fama...
Gente fria e sem tempo pra tempo de gente
cujo afeto não conte para seus negócios;
não tem ócios e sonhos pro que não acresce
patrimônio e vitrine pra suas carreiras...
Solidão é resumo de vidas que avançam
sobre vidas e laços aquém de seus planos;
não descansam à sombra de pausas serenas...
São pessoas sensíveis ao que as engrandece;
ao que não as engesse nem por um segundo
em um mundo sem ares de protagonismo...
RESTO DE POVO
Demétrio Sena - Magé
Há um povo que foge do saber,
uma gente que busca ignorância,
quer viver de mentira e de aparência
pra sentir sua treva dominar...
Um rebanho nascido para o caos;
multidão num estouro indefinido,
no desfile dos maus; dos imbecis
que o cupido das sombras seduziu...
Tem um resto indizível de país,
muita rês infeliz que vai ao nada
e rasteja sem alma e coração...
Alegria infeliz e sem sentido;
esse povo esquecido por si mesmo
tece a teia da própria estupidez...
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PORQUE SOMOS PAIS
Demétrio Sena - Magé
Filhos a gente acolhe. Repreende, critica os erros, aconselha e lamenta, mas acolhe. E como quase todo mundo é cristão, acredita em Deus, este ateu pergunta, com base na própria máxima cristã: não é esse o exemplo que O Próprio Deus dá? Ou não é dito nos templos, que Ele odeia o pecado, mas ama o pecador? E quem somos nós, meros pais/mães, para nos sentirmos superiores a um filho, uma filha?Aprendemos com os nossos erros e podemos, sim, tentar evitar que os filhos sofram com os próprios, porém, se não conseguirmos, eles farão o mesmo que nós fizemos; darão cabeçadas até entenderem onde estão os limites da vida.
Seja como for, filhos a gente ama. Não põe panos quentes, não apoia burradas nem os esconde para não pagarem por eventuais crimes, mas ama. O amor é acolhimento... abraçar para sempre, não importa a idade... é não promover o conceito inaceitável de ex-filho. É deixar levar os tombos, quando não tem jeito... ver sofrer as consequências e depois lamber as feridas, porque os nossos pais fizeram isso por nós, e se não fizeram, estavam errados, porque não agiram como pais; apenas como juízes de condenação fixa... sem julgamento justo.
Filhos a gente acolhe; ama; perdoa; respeita... entende que são seres humanos cujas falhas muitas vezes puxaram pelas nossas. E que esperam de nós o que também esperamos dos nossos pais, quando foi a nossa vez... quando fomos filhos.
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REVISÃO DA VIDA TODA
Demétrio Sena - Magé
Já magoei tanta gente, e tão profundo, que as mágoas têm herdeiros. Atravessaram geração. Tive muita raiva do mundo, na infância e juventude. Com a raiva, muitos complexos, paranoia, espírito armado e uma truculência, um deboche ácido que não poupavam ninguém... todo mundo era o mundo do qual tive raiva.
É tanto perdão a ser pedido, que meu medo é dar espetáculos e constranger. Às vezes o faço de forma expressa, e outras, com tentativas sutis de aproximação nem sempre bem sucedidas. Sei como me dirigir a quem magoei, mas é difícil fazê-lo com os herdeiros das mágoas. Acho que todas as demonstrações de afeto, apreço e as manifestações naturais das mudanças que o tempo fez em mim serão insuficientes. Criei nas pessoas um temor de que aquele jovem ainda esteja escondido em minhas entranhas. Hoje, quando me recolho, é porque reconheço a razão que todos têm para isso.
Neste momento escrevo para mim. Mas também para que meus "ledores", que porventura tenham essa experiência, não se sintam sós... e para que alguns jovens, também raivosos do mundo, reflitam sobre não permitirem que sua raiva lhes faça o mesmo que a mim. Esse sentimento habita bem mais pessoas do que supomos.
Não sou o típico indivíduo maduro que bate no peito e se diz alguém muito melhor do que "ontem". Sou a mesma pessoa, que hoje lida melhor consigo, com o outro, aprendeu a se administrar, desenvolveu afeto e faz da raiva do mundo, ativismo social com literatura. E ter errado tanto, com tantos, me ajudou a não levar a ferro e fogo aqueles que hoje erram comigo (sim, algumas pessoas também erram comigo).
Sermos mais humanos, por termos aprendido com a própria desumanidade, nos ajuda a entender e ter empatia pelo próximo. E se não cometo os erros do passado, sei que ora cometo outros; espero que não tão contundentes... como espero continuar melhorando e aprendendo. Isso é para sempre... na duração do nosso sempre.
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REDENÇÃO
Demétrio Sena - Sena
Tem gente que afirma incansavelmente, que "não rasteja para ninguém". Se é verdade, não sei. Mas houve um tempo em que também pensei dessa forma e para mim tanto fazia que as pessoas queridas estivessem distantes, próximas ou não existissem mais. Meu orgulho era perverso; gelado; irredutível. Sem a menor chance para quem queria o que hoje sou eu quem tanto quer.
Não sei o que deu em mim e não vou arrotar que "me tornei uma pessoa melhor"... mas atualmente, confesso que dou as minhas rastejadas. Não por amores românticos, paixões, desejos ardentes... nem por aproximações que me tragam vantagens, prestígio, notoriedade (real ou de fato)... e sim, por amizades que prezo muito, afetos consanguíneos próximos ou distantes. Rastejo por aproximações, reaproximações e desmanches de mal entendidos ou até das más impressões que, justificadamente, um dia causei.
Quero trocar os remorsos do passado, no qual fui soberbo, frio, grosseiro e afastei tantos afetos, pela consciência de minhas tentativas no presente. Mereci chegar ao estágio dos rastejos, e o faço com sinceridade; pronto a entender que meus pedidos, velados ou abertos, de perdão por quem fui, não podem ser impostos, porém pedidos; rastejados; dispostos a entender os nãos.
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VIVEIROS HUMANOS
Demétrio Sena - Magé
Tenho pena de gente que vive assombrada
e que foge de gente que não tem assombros,
vai e vem numa estrada que tem por herança
de seus ombros arcados com tantos avisos...
Tem temor do que possa lhe tirar do estreito;
dar alguma emoção que não foi permitida;
ver um jeito mais simples e livre de andar
ou ter vida mais leve sob os passos tensos...
Uma gente que ri com recato e pudor;
viciada na dor de se livrar do mal
de sentir um carinho fora dos padrões...
Que se rói de remorsos pelo encantamento,
quando sente outro vento passear no rosto,
com um cheiro de gosto que provoca sonhos...
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MEUS IGUAIS
Demétrio Sena - Magé
Tem um mundo apressado ao meu redor,
num estouro de gente sem destino,
numa dor coletiva que se oculta
em quem dança, quem malha e dá porrada...
Vejo muita pobreza em lixo e luxo;
como tudo está cheio de vazio;
fico murcho com tantos eus inflados
que desfilam nos palcos de quimeras...
Há um surto que ri de nervosismo,
auto estimas forjadas por pressão,
no mesmismo do posso, quero e faço...
Nas mazelas da minha realidade,
meus iguais estão cada vez mais presos
nessa desigualdade que os recolhe...
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NEFASTOS
Demétrio Sena - Magé
Essa gente cismada e recolhida,
que se assombra por ver a própria sombra,
desconfia da vida e quem a cerca
e se perde na própria solidão...
Indivíduos privados de uma luz
no semblante, nos olhos, nas palavras,
têm a cruz como fardo obrigatório
até onde a brandura se oferece...
Uma gente sofrida por missão
abraçada por puro masoquismo,
procissão solitária e sem contexto...
Há um povo esquisito em meio ao povo,
cada um no seu ovo, sua bolha,
sua rolha, seus dentes de ranger...
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VALE TUDO
Demétrio Sena - Magé
Vale tudo pra porcos em couro de gente,
para o lobo na pele de cordeiro magro,
toda mente ocupada pelos intestinos
ou pro agro sem olhos para o ser humano...
Tudo vale pra todos que não valem nada,
pro carrasco que finge ser o condenado,
pra malvada no espelho que a chama de boa
e vilão diplomado como paladino...
As milícias com fardas de policiais,
os malandros formais em tribunas e ternos,
cristandade perversa comparsa do mal...
Vale até Cristo novo a revogar a graça,
porque só a desgraça da lei do mais forte
pode ser divertida pros donos das leis...
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DOR SOCIAL
(um poema solidário)
Demétrio Sena - Magé
Não entendo essa gente que bajula,
porque tem que ficar do "melhor lado",
coagula o carinho, a identidade,
por agrado a quem dá maior status...
Cuja escolha faz contas, avalia
os perigos do ético e do justo;
da real amizade, a promissória
ou o custo por não se tabelar...
Beija pés de patrão contra o colega,
se desvia do amigo por prestígio;
menospreza os afetos por "imagem"...
Vim aqui te abraçar, correr os riscos
desses fiscos cobrados ao redor,
nessa dor social que te sufoca...
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DE SE SENTIR
Demétrio Sena - Magé
Muita gente (de todos os gêneros, etnias e meios) precisa se sentir menos alvo de "sonhos de consumo"... ou de olhares interessados, tentativas de conquista e de aproximação interesseira. Precisa entender que muita gente é realmente solícita e gentil... muita gente é mesmo ambiental, cultural e humanamente inclusiva e não está nem aí para quem é diva ou divo, porque sua gentileza é linear... sua inclusão é para todas as margens e o miolo delas. Ao invés de "cravar", muita gente precisa observar melhor... com aquela simplicidade de quem se reconhece um ser humano comum... sem aquelas narinas de quem procura, constantemente, saber de onde saiu um flato. Muita gente precisa se sentir menos... bem menos.
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Respeite autorias. É lei
