Luis Fernando Verissimo Sonhos
Um ser comum
cresceu juntando
erros e acertos
em seu ingente
coração
descobriu na primavera
que o sol da vida
às vezes,
nem alcança
o verão.
Vou tirar os fones
a melodia externa
é a que mais me consome
chove intenso
é noite de orgias
pingos molhados
gargalham energias
noite de amor
gotejam as torneiras do vinho
e as trovoadas
arrancam rolhas
de espumantes
é noite de charcos
de relâmpagos faiscantes
de entrelaces de amantes
é noite
e chove
tudo está
distante.
Chegas à noite
nem tão discreta
penduras balões iluminados
― tuas luas de bordéis ―;
sentas à porta
sapatos vermelhos
lábios avermelhados
como uma flor carnívora
em pleno jardim do pecado
decotes generosos
mostrando os seios
e a tristeza
camuflando teus anseios.
Recordo teus dias e
sei que me queres feliz.
A emoção
bate à porta
― disfarço ―
não sou mais aquele menino
que não sabia sorrir.
Olho o céu
onde te imagino
(sem poesia nenhuma)
sinto a tua mão estendida.
Digo que te amo
sei que me ouves
teu carinho invisível
me sustenta no bom caminho.
― Sigo ―
me deste a vida
e mesmo ausente
segues comigo.
Se eu partir
sairei cedinho
antes mesmo
do amanhecer
irei devagarinho
as estrelas
me seguirão
pelos caminhos
vendo-as
não me sentirei
tão sozinho
toda decisão
faz caminhos.
O poeta me pede uma lista de amigos
sim, tive muitos, mas
onde eles estarão?
Busco nas memórias juvenis
nas lembranças escolares
no quadro da formatura
vejo tantos especiais
nos lugares onde trabalhei
havia tantos, como eu,
jovens, de vida e de sonhos
ainda os tenho no coração,
mas eu não sei,
não sei mais onde
eles estão.
Basta uma fração
― um instante ―
para imaginar-me
à beira-mar,
na obscura solidão
da praia esquecida.
O instante se desfaz
sem temores.
Escuto o vento,
distante,
soprando amores:
Voa, alma,
vá com a ventania!
Queria dar-te adeus,
mas nessas horas
as palavras
flanam, empacadas.
Tenho tempo
(e gosto disso)
fecho um livro
e abro outro.
Gosto do tempo
porque me permite ter
preguiça
me permite deixar
algo inacabado
e mesmo assim relaxar
agora mesmo eu estava
lendo Jorge; o Amado
Jubiabá
pra lá
Jubiabá
pra
cá
adormeci
Além dos Girassóis
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o tempo me permite
a lentidão
Jubiabá pode esperar
daqui a pouco
abrirei Broquéis e Faróis
em qualquer página
um soneto
outro
e mais outro...
mas antes
um café,
pois o vício,
o vício tu
sabes como é.
Ainda sou um vazio
nada construí
só senti a tempestade
impulsiva me invadir
tento caminhar,
mas pisar descalço
no calor da emoção
queima injustamente
o coração
não sou o tabuleiro
sou apenas o jogador
se o sonho é um blefe
o que importa dormir?
melhor andar pelo bosque
totalmente distraído
soltar os pensamentos
num voo da esperança
a utopia é um destino
e o mundo, uma criança.
Pouco a pouco
o céu
morre
tudo vai ficando
cinza
nem eco
nem flores
nem pássaros
gostaria, mas
nada sei da
ciência da morte
nem de céus
nem de bocas
nem de mim
nem de fins.
Mundo
Há crianças famintas
neste nosso mundo.
Há mulheres sendo violentadas
neste nosso mundo.
Há profissionais explorados
neste nosso mundo.
Há idosos abandonados
neste nosso mundo.
Há tantas coisas
para serem mudadas
neste nosso mundo.
Há revolta
e sensação de impotência
neste nosso mundo.
Ergamos a voz
num grito de esperança.
Memórias
Quando a porta fechou
o silêncio já estava dentro…
Na sala
a cadeira de óculos
acomodando infindáveis
memórias.
A existência fecunda de outrora
morrendo lentamente
nas lembranças de agora
pela janela vê-se
o cavalo arrocinado
sem montaria
suando saudades galopantes
dos campos de outrora.
Imortais
Famílias inteiras migraram
atravessando iludidas
mares de incertezas
alguns chegaram enlutados
a dor cortando-lhes o peito,
― fazer o quê ― diziam
― não tem outro jeito.
No Campo Santo antigo
sinto a angústia estampada
jazem os entes queridos
Francescos, Tomazzos,
Lorenzos, Mattias
e os meus antepassados,
mas estão bem vivos
e nunca morrerão
os seus legados.
Viva l'America!
Vaga-lume
A varanda, nostálgica,
tem sombras balançando
ao entardecer
a memória se enche
de lembranças:
a erva, o carijo
a mão
(de pilão)
calos
artérias salientes
o barulho do trem
― distante ―
as águas do Jacuí.
Cais
Era uma tristeza genuína
de quem é triste.
A solidão
sua fuga
um cais vazio
sombra cobria-lhe
o corpo e o casario
nas trevas
fechado em mágoas
dizem que delirava
era triste
imotivado
não queria ser alegre.
Ficção
Ainda que demore
as histórias acabam
eternizarem-se
é ilusão
um dia nasce
o outro nem sempre
a crença é
silenciosa,
mas o fato foge
da ficção.
Sem vazios
A palavra apagada
rompe os lábios
― sem importância ―
não comunica
não informa
não acrescenta
antes soprasse a brasa
para a luz brilhar
sem nada dizer
sem vazios
sem lamúrias
acordasse o mundo
com o sorriso
que ninguém
jamais tentará.
Do trem abanei
pela janela
se fui visto eu nem sei
foi a despedida mais
rápida já vivida
O trem se foi.
Segui a vida.
Fora da curva
O mundo anda rápido
e nos cobra de imediato
as contas do supermercado
da água
da luz
(ainda assim
se vê a lua)
seria uma poesia
fora da curva?
Pede remédios
pede comida
pede clemência
(ainda assim
se encontram flores)
o filho da rua
perde a ilusão
ouve vozes
se sente invisível
talvez mantenha
a esperança, ou
será só a inocência
da solitária criança?
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