Luis Fernando Verissimo Sonhos
Difícil
semear
neste tempo
desmatado
canteiros ficam
desertos
rios padecem
secos
ou afogados
é angustiante
e a pele arde
sob o sol
escaldante
árvores…
somente
ausentes
ou distantes.
Já colhi soja,
quando menino
antes da mecanização
era meio tosco;
ai de quem largasse
um dos pés descalços
sobre o toco
recém-cortado
doía
e não era
pouco.
Soja vira óleo
e você usa
vira ração
e seus bois
engordam
vira margarina
eu nem gosto
vira dinheiro,
mas é para poucos.
Vejo o campo e
a vegetação
e as ruínas
do que foi uma cerca.
Em meio à grama
um osso pelado
pelos cachorros.
Aqui se vê a pobreza
e se sente a fome,
talvez o homem
não se alimentou
e fugiu
talvez não resistiu,
há corvos aqui
não é um bom lugar ― definitivamente não.
A seca
tornava o rio vazio
como vazios ficavam os dias
de borrasca
aqui dentro
melancólicos espaços
da humana nevasca.
A espiga dorme
enquanto o vento
selvagem embala
seus cabelos
pés que não caminham
alinhados à beira da estrada
balançam parados
depois o verde amarela
as espigas são arrancadas,
uma a uma, ou ceifadas.
― tempo de colheita ―
começa a transformação.
Há paz em ver o mar
lembro de que ontem,
pensativo, contei estrelas,
mas hoje
a tarde envelheceu…
― sozinha.
Vou ao aeroporto,
mas não embarco
um dia somos os que partem
no outro os que ficam
um dia chegamos
no outro aguardamos
as chegadas
um dia montamos o ninho
agora vemos o voo
de cada passarinho
a roda sempre gira ― com toda a naturalidade ―
ciclos se completam
no nosso grande universo
e a saudade trasborda
em versos.
O olhar preso
ao futuro,
ao amanhã
as certezas derramando
como um copo de água
na toalha
escorre a vida pelo chão
invade ruas, casas, corações
e o sorriso da moça da janela,
mas lá está a árvore
sob as suas sombras
gotejam dores
em almas verdes
de porvires incertos.
Quarto estranho
noite enorme e solitária
dá para ver, lá fora,
branqueando tudo
poucos vultos na rua
alguns ruídos distantes
a luz fosca externa
e o vento soprando
mostram-me que tudo é longe
não conheço ninguém aqui
sento-me na cama minúscula
doem-me os ossos
dói-me a cabeça
há uma televisão antiga
um lustre empoeirado
uma toalha no banheiro
olho para a porta
― poderia alguém bater?
estou só
não durmo
não sonho
espero amanhecer
(só mais um dia)
e o caminho me levará
de volta
a próxima noite
parecerá ínfima
terá respirações
apegos e versos
de outro poema.
Ficou no closet
meu perfume de juventude
junto às lembranças que hoje
assustadoramente me ignoram.
As antigas expectativas
hoje são histórias fúteis.
Sim,
ficou no armário
meu perfume de juventude.
Tornei-me monstro
daquele menino
meigo de outrora.
Findaram-se as bandeiras
que defendi pela vida
― inteira.
Tornei-me fragrância
― envelhecida.
Mais um dia passando
se não foi o esperado
já é quase passado
lave as mãos
nas águas da justiça
amanhã tudo será possível
um novo sol brilhará
a alma, hoje silente,
trocará a espera
pela esperança
há tantos Herodes
em peles de heróis
e os valores
(os verdadeiros)
dirão ao mundo inteiro
que em humanos
não tem último
nem primeiro
as únicas alternativas:
falso ou verdadeiro.
A mesa de tábuas
envelhecida
as paredes condensadas
de vapor
a água quase fervendo
a magia de estender
a massa sobre a mesa
enrolar com esmero
fatiar
espalhar
enfarinhar
fervura breve
molho
queijo
alegria
a família reunida
falando alto
rindo feliz
― Tutti buona gente!
Aprecio as coisas quietas:
um gato acomodado no sofá
um pássaro aninhado no coqueiro
o santo na charola ou altar.
Coisas que dão vida ao silêncio
que trazem à reflexão
e transmitem a sensação de paz,
mas, às vezes,
é preciso certos barulhos:
a criança que grita
os cantos silvestres
os rios que correm
é a vida vibrando
e o silencioso
anjo alegre
nos protege
o mundo vibra
e irradia
o equilíbrio há de ser,
o que a alma procura,
e o olhar há de ver-te
num infinito de ternura.
A sala estava silenciosa
vultos tremiam na parede
reflexos da luz lunar
a imaginação
desenhava bichos
de sombras nas laterais
e o pensamento
― indomável ―
lhes dava vida
e até os ouvia
mas a alma
― exausta ―
depois dum longo dia
fechava os olhos
buscando os
anjos da paz
para levarem
consigo meu olhar.
Os olhos continuam a ver-te
e as mãos estão frias
de transpirar vontades
partir é preciso
mesmo sem passagem
a vida nada mais é
do que uma constante
miragem
a estrada flutua
e ainda te vejo nua
ao menos se o mar
estivesse perto
um porto incerto
haveria de surgir
é preciso ir
― o sonho é só um sonho ―
olhos medonhos
nada podem impedir
há uma luz
lá adiante
― é preciso ir.
As coisas da casa são vivas
sempre saem do lugar
sem nenhum constrangimento
um dia desses as cadeiras
(todas elas)
se afastaram da mesa
os brinquedos se espalharam,
as revistas se jogaram ao chão,
as almofadas saltaram do sofá,
até o controle da TV
tentou o suicídio
e a notícia saiu ao vivo,
o socorro chegou rápido
e foi tudo resolvido
aos demais veículos
que querem informações
a porta da frente responde:
foi só um mal-entendido.
É tempo de vidraça
felizmente
o tempo passa!
flores florescem
vidas nascem
tudo se renova
viver é prova
canto é alegria
na grama verde
reflete o sol
do novo dia
borboletas
colorem o jardim
na natureza
e dentro de mim.
Ao raspar o cabelo
lhe veio a agonia
naquele dia perdeu
a idade
o fio de esperança
não segurava a lucidez
acabava de perder
o colorido da primavera
sentiu-se feito de cansaços,
definitivamente era o fim!
Ainda tinha uma noite
e seria a mais bela
tinha fé!
cambaleando acendeu
uma enorme vela
esboçou um lindo sorriso
antes do silêncio
― do adeus.
Grito e parece que
não sei onde grito
sinto o hálito distante
de uma boca infinita
e se me calo
ouço um murmúrio
lastimável entre as árvores
uma voz selvagem
baixinha
entre folhas caminha
o cheiro úmido
da terra ao lado
― petrichor ―
o temporal chegou
uma pandorga
desconhecida
some no infinito
― fico sem alma.
Se nos olhos
surgem lágrimas
o sorriso continua
no rosto
se tudo for
pouco, se o
mundo parecer
louco,
a vida, por si,
se basta,
pois toda dor
vem, maltrata
e passa.
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