Luis Fernando Verissimo Sonhos
-Você lembra de mim? – perguntei.
- Claro que lembro. Você esteve no meu apartamento em São Paulo, há muitos anos.
- Eu mudei muito, como você lembra?
- Eu mudei também, quem sabe por isso lembro.
Tenho trabalhado tanto, mas penso sempre em você. Mais de tardezinha que de manhã, mais naqueles dias que parecem poeira assentada aos poucos, e com mais força enquanto a noite avança. Não são pensamentos escuros, embora noturnos. Tão transparentes que até parecem de vidro, vidro tão fino que, quando penso mais forte, parece que vai ficar assim clack! e quebrar em cacos, o pensamento que penso de você. Se não dormisse cedo nem estivesse quase sempre cansado, acho que esses pensamentos quase doeriam e fariam clack! de madrugada e eu me veria catando cacos de vidro entre os lençóis.
É estranho que para se desfazer laços, baste uma palavra, quando para construí-los de verdade, bem mais!
E esse vazio que ninguém dá jeito? Você guarda no bolso, olha o céu, suspira, vai a um cinema, essas coisas. E tudo, e tudo, e tudo.
E para que não doesse demais quando não era capaz de, apenas esperando, evitar o insuportável, fazia a si próprio perguntas como: se a vida é um circo, serei eu o palhaço?
Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo, há então uma morte anormal. O nunca mais de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter nunca mais quem morreu. E dói mais fundo- porque se poderia ter, já que está vivo.
E o que a gente vira quando vai embora de alguém?
E o Senhô respondeu:
- Uns viram pó. Outros caem igual estrela do céu.
Outro só viram a esquina...
E têm aqueles que nunca vão embora.
- Não? E eles ficam onde, Senhô?
- Na lembrança.
Foi então que eu a vi.
Estava encostada na porta de um bar. Um bar brega - aqueles da Augusta-cidade, não Augusta-jardins. Uma prostituta, isso era o mais visível nela.
Cabelo mal pintado, cara muito maquiada, minissaia, decote fundo. Explícita, nada sutil, puro lugar-comum patético. Em pé, de costas para o bar, encostada na porta, ela olha a rua. Na mão direita tinha um cigarro; na esquerda, um copo de cerveja.
E chorava, ela chorava.
Sem escândalo, sem gemidos nem soluços, a prostituta na frente do bar chorava devagar, de verdade. A tinta da cara escorria com as lágrimas. Meio palhaça, chorava olhando a rua. Vez em quando, dava uma tragada no cigarro, um gole na cerveja. E continuava a chorar - exposta, imoral, escandalosa - sem se importar que a vissem sofrendo.
Eu vi. Ela não me viu. Não via ninguém acho. Tão voltada para a sua própria dor que estava, também, meio cega. Via pra dentro: charco, arame farpado, grades. Ninguém parou. Eu também não. Não era um espetáculo imperdível, não era uma dor reluzente de neon, não estava enquadrada ou decupada. Era uma dor sujinha como lençol usado por um mês, sem lavar, pobrinha como buraco na sola do sapato. Furo na meia, dente cariado. Dor sem glamour, de gente habitando aquela camada casca grossa da vida.
Sem o recurso dessas benditas levezas nossas de cada dia - uma dúzia de rosas, uma música do Caetano, uma caixa de figos.
Nota: Trecho do texto "Pálpebras de Neblina".
Estou aberta e sabendo muito bem quem sou e o que pretendo sem ilusões enlouquecidas, a não ser as necessárias pra se curtir uma boa.
...é fundamental que você escute todas as palavras, todas, e não fique tentando descobrir sentidos ocultos por trás do que estou dizendo, sim, eu reconheço que muitas vezes falei por metáforas, e que é chatíssimo falar por metáforas, pelo menos para quem ouve, e depois, você sabe, eu sempre tive essa preocupação idiota de dizer apenas coisas que não ferissem...
Não há uma verdade única. Há uma verdade por dia, ou pior ainda, mais complicado: uma verdade por hora, as vezes até mil verdades num minuto.
E eu digo sempre no final de cada conversa: Te cuida meu bem ...Com vontade de dizer: Me cuida, por favor, pois meu eu está em você ...
Está chovendo. Pela janela posso ver, lá embaixo, as pessoas correndo, de capas e guarda-chuvas. As árvores do parque estão todas molhadas , mais verdes. Engraçado, não gosto do meu quarto – das paredes, dos móveis – , mas gosto demais das coisas que posso ver pela minha janela. Das coisas que estão fora dele, porque o que está aqui dentro eu acho muito parecido comigo. E eu não gosto de mim. Ou gosto? não sei. Talvez pareça não gostar justamente porque gosto muito, então exijo demais do meu corpo, e as coisas erradas que ele faz – são tantas! – me fazem detestá-lo. A gente sempre exige mais das pessoas e das coisas que quer bem, as que queremos mal ou simplesmente não queremos nos são indiferentes.
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