Liberdade Borboleta Fernando Pessoa
Os homens precisam da ilusão do amor da mesma forma como precisam da ilusão de Deus. Da ilusão do amor para não afundarem no poço horrível da solidão absoluta; da ilusão de Deus para não se perderem no caos da desordem sem nexo.
Só que desta vez por mais nojeiras que imaginasse sobre meu corpo caído lá embaixo, não sei por que, a vontade de saltar continua. Mas eu resisto. Não que alguém fosse sentir muita falta minha ou se achar, sei lá, sacaneando com a minha morte. (…) Ninguém. Eu comecei a enumerar nos dedos quem poderia sentir a minha falta: sobraram dedos. Todos estes que estou olhando agora.
Então, o que devo fazer é esperar. Sem desespero, sem melodrama, sem niilismo - esperar. Mas até quando, meu Deus, até quando?
Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu. Fiquei. Você sabe que eu fiquei. E que ficaria até o fim, até o fundo.
Resulta que, dependendo de decisões alheias — e isso me irrita muito — não posso me mover. Fico até não sei quando.
Não te preocupa. O que acontece é sempre natural — se a gente tiver que se encontrar, aqui ou na China, a gente se encontra.
Uma vez eu disse que a nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viver as superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, você riu porque eu dizia que não era cantando desvairadamente até ficar rouca que você ia conseguir saber alguma coisa a respeito de si própria, mas sabe, você tinha razão em rir daquele jeito porque eu também não tinha me dado conta de que enquanto ia dizendo aquelas coisas eu também cantava desvairadamente.
Guardo o meu amor por dentro. É precioso. Pensar nele faz com que eu tenha vontade de cuidar de mim mesmo, então é bom. Guardando, guardando, feito joia. Precioso, delicado. As coisas vão dar certo. Vai ter amor, vai ter fé, vai ter paz – se não tiver, a gente inventa.