Hoje a Felicidade Bate em minha Porta
CONTA-GOTA
Beija-me como quem chupa manga
Manga dos meus desejos
Derrama sobejos na minha boca
Diz que a vida é conta-gota
De sentir e ressentir
Nessa sucessão de dias
Diz que isso é vida louca...
PARTES
A minha parte triste nunca parte,
A minha parte alegre é deserta,
Aminha parte de luz povoa a triste,
A minha parte alegre inexiste...
O que eu tenho de todo as vezes se parte,
Tem parte que as vezes se encorpora,
E sentimentos estranhos apavoram
Dividindo o meu ser em muitas partes
A parte boa de mim alaga desertos
No nordesre do meu ser tem secas iminentes
Gente morrendo de fome, muitos espectros
Arrogantes e outros subservientes...
meus cabelos pratearam
mas minha paixão se arrasta
feito criança
e o tempo que eu tenho
é o que me resta de esperança...
CIO
sabe como olhar,
como andar,
quando olhar,
caminha na minha frente
como se eu fosse santo,
fala comigo como se eu fosse o seu amo,
se abaixa como se eu fosse cego,
senta na minha frente
como se eu fosse de ferro,
eu também sei sonhar,
eu tenho um coração e um tênis,
não aguento mais maracujina,
pra essa febre só novalgina,
sorri pra mim como se eu fosse um beato,
me toca como se eu fosse Buda
esquece o decote,
o perfume que exala,
minh’alma se perdendo,
minha língua pedindo...
não percebe o desejo consumindo,
chega tão perto que eu farejo o cio...
TRÊS DIAS
Um dia eu morri por três dias
E no paraíso minha tia Zilda ainda falava
De Engenheiro Pedreira como se fosse uma
Daquelas longínquas cidade do faroeste americano
Imaginei que tudo fosse um engano
E no meu sonho vi no jardim do paraíso
Jésse e seu irmão Frank James
Pensei: -que que esses salteadores fazem aqui?
Vi José "Malamuerte" Almada,
Caçador de recompensa
Que apavorava no Novo México;
E um punhado de ladrões de gado
Que sitiavam Tombstone, no Arizona
"O que esses bandidos fazem aqui no céu?
Parecia meio cruel mas ali mesmo no Guandu
No leito caudaloso do rio, os presuntos boiavam
Levando o terror causando calafrio
Era a faxina que o esquadrão da morte
Executava nas cercanias
Muita gente morreu para essa limpeza,
Talvez mais do que devia,
Mas ninguém nada via, ninguém nada sabia...
E pela manhã a sabiá cantava,
As flores floresciam
E tia Zilda aguava as trepadeiras,
As samambaias e as flores do jardim
Cantava uma canção antiga
Como se fosse eterna a vida, e a vida era assim...
SÓLIDA SOLIDÃO
A minha solidão é a multidão
De olhos, bocas, risos,
Falam, proclamam, sentenciam sisos
A minha solidão abandonada
No olhar do mendigo,
Nas suas vestes rasgadas,
Sua pele suja e rugas sugadas;
Estratégia pra viver e pra morrer
Na sólida solidão do seu não ser;
Ninguém o vê, ninguém o olha,
Que ser esquisito!
Se tudo é lindo e o mundo é tão bonito
E sua miséria se perde
Em um ou outro olhar terno
E essa solidão se acabará no rigor
Sem compaixão de algum inverno
E nessa dor se perpetuará minha solidão
ANGOLA
Tenho cinco séculos
E na angola,
Quando tua pele retinta trazia a minha mente
As noites, as graúnas ,
E as perolas negras dos teus olhos
Me diziam que eras Helena
Mas teus lábios me falavam de poemas
Que gostavam de beijar
Eu era ainda uma criança
E aprendi com teu corpo
Que é pecado não pecar por amor
Eu tinha cinco séculos
E aprendi beijar nas tuas ancas
E aquela criança amamentada pelos teus seios
E pelos que eu não seios
E pelos pelos feitos plumas
De um ave que eu gostava de voar
E sobrevoar as savanas
Assim conheci a selva do teu corpo
A África da tua negritude
E eu já tinha cinco séculos de juventude
E juventude para outros séculos
Amores e paixões para todas
As tuas áfricas e todas as angolas
PANORAMA
A minha janela acolhe os espectros da noite
E eles cantam suas angustias
E eles dançam seus tédios
E eles se perdem em seus passos trôpegos,
Valsam suas ilusões perdidas,
Choram suas saudades
E afogam-se em arrependimentos;
Mendigam êxtases e se esvaem
Na fumaça que embaçam
A razão e a clarevidência;
Recusam-se a morrer,
Recusam-se a viver
E se entulham na madrugada
Como uma peça dantesca.
A minha janela mostra essa hemorragia
Por onde a vida se esvai,
Um panorama mórbido
Onde os loucos mergulham
E trancam suas vidas
Para todas as passagens e vias de luz...
deixa eu te olhar só mais um pouco,
ainda sei sonhar e amanhã é sexta-feira
e a minha semana não tem sábado nem domingo
a vida não pode diluir-se assim
como se fossemos abstratos,
e essa paz, essa paz que abriga agora a tua alma,
essa paz tem que ser dividida
deixa eu te olhar e assimilar esse vermelho
porque a minha paz tinha a palidez dos dias invernosos
e a frieza glacial dos polos
deixa eu te olhar, e essa manhã nos teus olhos
clarear os meus caminhos
ANGÚSTIA ETÍOPE
A minha mãe rezava pra todos os santos
E para alguns deles cantava
Meu irmão era umbandista e queria fazer a cabeça,
Jogar búzios e trazer a pessoa amada...
A minha vó, como eu, era louca de perder a cabeça
E guardava as estrelas que podia
Num saco de papel crepom
Um dia saiu de casa
E tomou banho de mar na praia do Leblon,
Depois foi vista na mata do governo,
Desde então nunca mais apareceu
Agora a vejo de vez em quando pelas praças
Como vejo todos os que já morreram,
Carrega um saco cheio de luzes cambiantes...
Nossos destinos se perdem quando perdemos o tino
Acho que minha avó foi vítima da paixão,
Já que perdera o marido que um dia partiu
Meu irmão foi vitimado pelo coração
Morreu solitário, mas não sozinho
Minha mãe sempre cantou com muita afinação
As canções de amor e devoção que com ela aprendi
Herdei seus cabelos em desalinho
O olhar perdido no vazio
E a angústia etíope de nossos antepassados...
Eu fiz um samba tão triste
que quando saiu minha escola
desabou um temporal
chuva, vento e trovoada
e a minha batucada
parecia um berimbau
a letra do samba enredo
citava mistérios e segredos
de um sobrenatural
sob o frio tive medo
tremi voz, pernas e dedos
suei frio e passei mal
Quem sabe eu compartilho meu amor com uma estranha, que ela possa se deleitar da minha cama, do meu corpo, se molhar no meu suor com cheiro de mato, e no final de tudo, que ela não roube meus sentimentos, porque ele também é estranho.
Há pessoas que são tão bonitas, inteligentes, que minha mente pensa: elas existem? Claro que existe,você! e é verdade que você é incrível, lamento ter um dia duvidado disso a qualquer momento ...
AMANHECER
A aurora da minha terra,
Tem os mais belos nascentes,
O rosicler doura as nuvens ,
E faz de ouro a serra,
As fontes são cristalinas
Formando águas correntes
Caindo do alto das pedras,
Formando um “véu de noiva”
Matizado de brilhantes.
A aurora da minha terra,
Tem um amanhecer dolente,
O sol olha de soslaio
Pro verde oliva das matas,
Os pássaros cantam românticos,
Apaixonados nos ninhos,
A natureza viceja ,
Na névoa branca e fria,
Que se desfaz com os primeiros
Raios dourados do dia...
a minha verdade não é minha
e a minha essência é multidão
eu brinco de ciranda ao redor da montanha
de mãos dadas comigo mesmo
penso que sou feliz e isso é tão longínquo
que os rios me carregam
e as estradas me conduzem
em fila indiana até que eu caia de um crepúsculo
e ressurja no nascente e os primatas
que eu fui eram tão ternos,
tinham a ternura das tristezas e das indecisões
e isso fazia deles seres melhores do que hoje somos
agora eu fico sozinho comigo mesmo e os meus cromossomos
ora refletindo, ora contemplando
e eu me pergunto: será que eu não sou Deus?
porque afinal de contas, eu também sou solitário,
eu também sou triste, fico perdido no que me constitui
e no que compõe o meu DNA.
Primata? -Não, os dias gloriosos se foram;
preservei daquele símio só o angustiante prazer
de se entregar a paixão... e quando ela passa
iluminando o vale com sua aura, eu brinco de ciranda
de mãos dadas comigo mesmo ao redor da montanha
até que ela o encontra sob a copa de uma amendoeira frondosa
se abraçam terna e loucamente apaixonados
a fazer piscar de acanhamento astros há mil anos luz ...
e eu fico pensando: ah, se eu não fosse Deus...
Peregrinando sobre à terra, cuidado e amparado pelo Eterno, sigo a cada dia minha jornada, olhando firmemente para o Soberano pastor.
