A DISCIPLINA DO INVISÍVEL E A ÉTICA DO... MARCELO CAETANO MONTEIRO

A DISCIPLINA DO INVISÍVEL E A ÉTICA DO CONTATO ESPIRITUAL.
Autor: Marcelo Caetano Monteiro.
A advertência contida no excerto da Revista Espírita de abril de 1865 constitui um dos mais lúcidos e severos pronunciamentos sobre a natureza do intercâmbio entre o mundo corporal e o mundo espiritual. Trata-se de uma reflexão que ultrapassa o âmbito do fenômeno mediúnico em si e alcança o domínio da ética, da psicologia profunda e da filosofia moral. O texto não se limita a descrever um risco técnico da prática mediúnica, mas denuncia uma atitude interior, um desvio da consciência que compromete a própria dignidade do espírito humano.
Ao afirmar que aquele que deseja receber comunicações “à vontade e em hora marcada” demonstra ignorância ou presunção incompatíveis com as qualidades do verdadeiro médium, o pensamento espírita reafirma uma concepção clássica da relação entre o humano e o transcendente. Desde a Antiguidade, os grandes sistemas filosóficos advertiram que o acesso ao invisível não se submete à vontade arbitrária do indivíduo. Platão, ao tratar da mania divina, ensinava que toda inspiração autêntica procede de uma disposição da alma que se submete ao Bem, jamais o constrange. Aristóteles, por sua vez, já distinguia entre o conhecimento adquirido pela técnica e aquele que se manifesta como dom, exigindo preparo moral e equilíbrio interior.
No campo da espiritualidade cristã primitiva, essa compreensão aprofunda-se. O contato com o sagrado não é produto de exigência, mas de consonância interior. A tradição patrística sempre advertiu que o desejo desordenado de sinais conduz ao engano, pois onde há soberba, instala-se a ilusão. Essa mesma linha atravessa a reflexão espírita do século dezenove, que, ao sistematizar o fenômeno mediúnico, submete-o a critérios racionais, éticos e morais rigorosos.
A passagem da Revista Espírita de 1865 expressa com clareza esse princípio. O médium não é senhor do fenômeno, mas instrumento circunstancial. Pretender submeter os Espíritos a horários, exigências ou expectativas emocionais humanas revela incompreensão das leis que regem a comunicação entre os planos. Tal pretensão nasce, segundo o texto, de duas fontes possíveis: ignorância dos princípios elementares da ciência espírita ou presunção incompatível com a verdadeira mediunidade. Em ambos os casos, o resultado é o mesmo: o afastamento da autenticidade espiritual.
Do ponto de vista psicológico, essa advertência revela notável profundidade. O desejo de controlar o invisível frequentemente está ligado à ansiedade, à carência afetiva ou à necessidade de confirmação do próprio valor. A psicologia contemporânea reconhece nesses impulsos mecanismos de compensação do ego, nos quais o sujeito tenta impor sentido ao que escapa ao seu domínio. Quando transportado ao campo espiritual, esse movimento gera ilusões, projeções e, nos casos mais graves, perturbações psíquicas sustentadas por expectativas irreais.
A mediunidade, compreendida sob uma ótica madura, exige disciplina interior, humildade intelectual e constante exame de si mesmo. Não se trata de um privilégio pessoal, mas de uma responsabilidade moral. O médium autêntico não se coloca no centro do fenômeno, mas o compreende como serviço. É por isso que a tradição espírita insiste na educação do caráter, na vigilância das intenções e no cultivo das virtudes como condições indispensáveis à segurança do intercâmbio espiritual.
A advertência contida na Revista Espírita permanece, portanto, de absoluta atualidade. Em uma época marcada pela aceleração, pela espetacularização do sagrado e pela busca incessante de respostas imediatas, ela ressoa como um chamado à sobriedade interior. A comunicação com o invisível não se submete à pressa humana nem às exigências do ego. Ela ocorre no tempo da consciência amadurecida, quando o indivíduo compreende que não é senhor da verdade, mas aprendiz diante dela.
Assim, o ensinamento de 1865 transcende seu contexto histórico e se projeta como uma lição permanente sobre humildade, discernimento e responsabilidade espiritual. Ele recorda que o verdadeiro progresso não se mede pela quantidade de fenômenos obtidos, mas pela qualidade moral daquele que busca compreender o mistério da vida. E é nesse silêncio respeitoso, livre da vaidade e da ansiedade, que a comunicação autêntica encontra o seu terreno legítimo.