Lucidez Sem Atalho, Obra de... Gabriel Luz

Lucidez Sem Atalho, Obra de WilliamContraponto: quando pensar não absolve.



por Neno Marques


Há livros que se oferecem como caminho. Outros, mais raros, retiram o chão. Lucidez Sem Atalho pertence a essa segunda categoria. Não porque grite, provoque ou escandalize, mas porque recusa ajudar. E essa recusa, num tempo viciado em mediação, é profundamente política.


William Contraponto escreve como quem não acredita em salvação pelo entendimento. Pensar, aqui, não melhora ninguém. Apenas retira desculpas. A lucidez não aparece como clarão libertador, mas como estado incômodo — quase ingrato — de quem já não pode fingir desconhecimento.


O “atalho” do título é amplo. Não se limita à religião, à ideologia ou ao moralismo. Trata-se de todo mecanismo que adianta o que não se quer enfrentar: a promessa, o depois, o sentido maior, a explicação confortadora. Contraponto não combate a fé — ele expõe seu uso funcional quando ela vira prateleira: lugar onde se deposita o peso da escolha.


O mérito do livro está justamente na contenção. Nada é espetacularizado. A linguagem é econômica, quase austera, como se cada excesso fosse uma traição ao próprio gesto crítico. Não há metáforas exuberantes porque o mundo, como o autor insiste, já está visível demais. O problema não é a falta de luz, mas a recusa em permanecer diante dela.


Outro ponto decisivo é a ausência de protagonismo do “eu”. Não se trata de poesia confessional, tampouco de denúncia panfletária. O sujeito que fala em Lucidez Sem Atalho não pede empatia — assume implicação. Ele não se coloca fora do impasse que descreve. Observa, mas não se absolve.


Há política aqui, mas sem slogans. A crítica é mais funda: recai sobre a terceirização da responsabilidade. Quando se transfere ao transcendente, ao sistema ou ao tempo aquilo que exige decisão imediata, cria-se uma ética da espera. Contraponto desmonta essa espera verso a verso, sem oferecer alternativa redentora. Apenas mostra o custo.


O livro incomoda porque não ensina. Não orienta. Não fecha. Termina como começou: expondo. E talvez seja esse o gesto mais honesto que a poesia pode fazer hoje — não apontar saídas, mas retirar esconderijos.


Lucidez Sem Atalho não é um livro para quem busca consolo. É para quem aceita o risco de ver sem filtro. E isso, convenhamos, tem sido cada vez mais raro.