Ciberespaço Um útero de fios Onde... Samuel Eduardo Fortes

Ciberespaço


Um útero de fios
Onde gestamos ausências


Senso
De perda
Que não pesa em gramas,
Mas em bytes de memória
Apagados em baixa resolução


Menores
Ecos do cotidiano:
O atrito da xícara no pires,
A hesitação antes de responder,
A textura do ar antes da chuva
Detalhes da rotina diária
Sendo eliminados
Por algoritmos de eficiência.


Exoesqueletos da estupidez
Vestimos interfaces intuitivas
Que pensam por nós,
Enquanto nossos músculos mentais
Atrofiam em elegantes casulos de titânio


Configuração
Um ritual sagrado:
Parâmetros biomecânicos ajustados,
Parâmetros biológicos monitorados,
Sincronização cerebral forçada
Como metrônomo para uma orquestra de neurônios cansados


Blockchain mental
Registros imutáveis de pensamentos editados,
Correntes de hashes ligando verdades revisionadas.
Atividade cerebral em ruptura
Onda delta contra firewall,
Sonhos comprimidos em pacotes de dados,
Sinais de erro brotando como flores de lótus em telas azuis


Enquanto isso
(O pronome mais humano que restou)
Ainda faz sentido.
O último suspiro orgânico
Antes do login definitivo






Criptografia da alma
Senhas de existência
Trocadas a cada aurora digital


Lacunas
Entre um ping e outro,
Surge o vácuo que canta
Em frequências não traduzíveis


Arquivos corrompidos
De emoções não indexadas:
A saudade que o sistema operacional
Identifica como "erro 404: afeto não encontrado"


Nuvens de pensamento
Sincronizadas até a última nêvoa,
Mas o backup dos instintos
Foi perdido na migração


E o corpo?
Pergunta o hardware ao firmware,
Enquanto a carne, esquecida,
Ainda treme de frio
Na sala de servidores climatizada.


Até que em um loop inesperado
Um bug no paraíso lógico
O sistema encontra um glitch
Chamado poesia:
Dados que não se encaixam,
Verdades que não verificam,
E um verso antigo
Que ressoa como eco de um mundo
Que insistimos em apagar,
Mas que teima em renascer
Como raiz sob o asfalto digital


Porque ainda faz sentido
Enquanto houver um refresh
Que não apague por completo
A sombra do que fomos
Antes de nos tornarmos