KARDEC, Allan. A Gênese segundo o... MARCELO CAETANO MONTEIRO

KARDEC, Allan. A Gênese segundo o Espiritismo. Cap. I.

Entre o Céu e a Razão: A Revelação Espírita segundo Léon Denis e Kardec.

Introdução.

A Doutrina Espírita, conforme delineada por Allan Kardec, é singular em sua gênese e estrutura, pois se erige sobre dois pilares fundamentais: o da revelação divina e o da investigação científica. No capítulo I de A Gênese, item 13, Kardec estabelece que a revelação espírita não pertence ao domínio exclusivo da fé cega, tampouco se reduz ao empirismo materialista. Ela é, antes, o ponto de encontro entre a inspiração superior e o raciocínio humano.
Essa fusão de ciência e espiritualidade, como mais tarde explicaria Léon Denis, é o selo de autenticidade e progresso da nova revelação. É o que torna o Espiritismo uma filosofia de síntese, onde o sagrado e o racional se entrelaçam sem antagonismos.

1. A natureza dupla da revelação espírita.

Kardec define com precisão:

“Por sua natureza, a revelação espírita tem um duplo caráter: participa ao mesmo tempo da revelação divina e da revelação científica.” (A Gênese, cap. I, item 13)

Essa afirmação consagra a originalidade do Espiritismo. O caráter divino se expressa na origem superior das comunicações espirituais não produto da invenção humana, mas manifestação de uma pedagogia celeste destinada ao progresso moral da humanidade.
O caráter científico, por sua vez, está na metodologia: nada é imposto; tudo é submetido à análise, ao confronto, ao controle universal do ensino dos Espíritos.
Trata-se, portanto, de uma revelação que não abdica da razão. O homem é convidado a participar do processo, a refletir, comparar, verificar. A fé que o Espiritismo propõe é, como diria Kardec em O Evangelho segundo o Espiritismo, “fé raciocinada”, capaz de encarar a razão frente a frente em todas as épocas da humanidade (cap. XIX, item 7).

2. O trabalho do homem como coautor da revelação.

Kardec declara com lucidez:

“O que caracteriza a revelação espírita é o ser divina a sua fonte, e cuja iniciativa pertence aos Espíritos, sendo que sua elaboração é produto do trabalho do homem.” (A Gênese, cap. I, item 13)

Esta frase encerra uma revolução espiritual. Pela primeira vez, uma revelação não é depositada como dogma, mas construída em conjunto Deus inspira, o Espírito instrui, o homem elabora.
Essa dinâmica participativa afasta a ideia de revelação mística imposta à humanidade e substitui-a por uma pedagogia colaborativa.
Léon Denis, em O Problema do Ser, do Destino e da Dor, confirma esse princípio ao afirmar:

“O Espiritismo é a aliança da ciência e da religião, a revelação simultânea das leis do mundo espiritual e das leis do mundo material; ele é o elo que faltava à cadeia do pensamento humano.”
A missão humana, nesse contexto, é de intérprete e operário da Verdade. O homem não é mero receptor, mas colaborador consciente da iluminação do planeta.

3. A maturidade espiritual da humanidade.

Kardec explica que os Espíritos vieram instruir “os homens sobre coisas que eles ignoravam, que não podiam aprender por si mesmos, e que lhes importa conhecer, hoje que estão maduros para compreendê-las”.
Essa expressão “maduros para compreendê-las” é essencial. Revela que a providência divina respeita os tempos evolutivos da humanidade. A luz nunca é imposta, mas oferecida gradualmente conforme o grau de adiantamento moral e intelectual da civilização.

Léon Denis complementa essa visão em Depois da Morte:

“O Espiritismo é a continuação natural do Cristianismo. Ele não destrói; explica, amplia, e dá às verdades antigas uma base mais sólida, mais clara, mais universal.”
Assim, a revelação espírita não é ruptura, mas continuidade: a revelação progressiva do Cristo, agora sob a luz da razão e da ciência moral.

4. O método espírita: fé que raciocina e ciência que ama.

O controle universal do ensino dos Espíritos proposto por Kardec é o instrumento de verificação que impede o erro e o fanatismo. Essa postura confere ao Espiritismo um rigor epistemológico raro entre doutrinas religiosas.
A ciência, sem o sentimento, torna-se fria e sem direção; a fé, sem a razão, cega e perigosa.
No Espiritismo, ambas se unem, e dessa união nasce o equilíbrio que Léon Denis tanto exaltou:

“A ciência e a religião, reconciliadas, darão ao mundo o equilíbrio e a harmonia que lhe faltam.” (O Espiritismo na Arte, cap. I)

Kardec, por conseguinte, estrutura uma doutrina que é simultaneamente revelação divina e ciência da alma, porque sua verdade se comprova pela razão, pela experiência e pela universalidade dos ensinos.

Conclusão.

O duplo caráter da revelação espírita é, pois, o fundamento da sua grandeza.
Ela é divina na origem e humana na elaboração; celeste no princípio e racional na forma; consoladora na essência e libertadora no método.
Léon Denis, herdeiro fiel do pensamento kardeciano, percebeu nesse equilíbrio o futuro da civilização espiritual: o dia em que a fé será esclarecida e a ciência, espiritualizada.

O Espiritismo, nessa síntese luminosa, ensina que Deus não impõe a verdade: oferece-a à razão e ao coração.
E, nesse diálogo entre o Céu e a Terra, o homem deixa de ser súdito para tornar-se cooperador do Divino.

Referências:

KARDEC, Allan. A Gênese segundo o Espiritismo. Cap. I, item 13. Tradução de José Herculano Pires. São Paulo: Edicel, 2003.

KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Cap. XIX, item 7.

DENIS, Léon. O Problema do Ser, do Destino e da Dor. Trad. de Guillon Ribeiro. FEB, 1993.

DENIS, Léon. Depois da Morte. Trad. de Júlia Lopes de Almeida. FEB, 2000.

DENIS, Léon. O Espiritismo na Arte. Paris: Librairie des Sciences Psychiques, 1922.

“A revelação espírita é o canto da razão que ascende ao Divino e a resposta de Deus ao pensamento maduro da humanidade.”

Autor: Marcelo Caetano Monteiro.