⁠Brinquedo na Prateleira Ele não... umabeatriz

⁠Brinquedo na Prateleira Ele não puxou minha corda quando me devolveu à prateleira. me devolveu depois de uma sucessão de pequenos naufrágios. Ah, você precisav... Frase de umabeatriz.

⁠Brinquedo na Prateleira

Ele não puxou minha corda
quando me devolveu à prateleira.
me devolveu depois de uma sucessão de pequenos naufrágios.

Ah, você precisava ver
quando ele me escolheu pela primeira vez.
O brilho febril nos olhos,
o desejo tonto,
a vergonha em pedir,
o orgulho pueril de quem compra
o brinquedo mais caro
com o pouco dinheiro que lhe resta.

Ele não puxou minha corda ao me devolver.
Mas puxou ao me tirar da caixa,
ao me apresentar o seu mundo torto,
ao me levar para casa
e me usar como alívio
para os seus dias cinzentos.

Quando ele puxava minha corda,
lá estava eu:
risonha, leve, palhaça,
encantava, distraía, seduzia, amava.
As palavras que escapavam de mim
já não eram gravações de fábrica,
eram preces, eram carne,
eram pedaços do meu peito.

E assim, entre uma brincadeira e outra,
fui deixando de ser boneca,
fui virando companhia.

Mas logo depois da segunda vez,
em que eu brinquei com ele,
veio a troca.
Outro modelo. Outro encanto.
Novidade de prateleira.

Quando eu precisei que ele fosse meu Ken,
não havia mais palavras doces.
Fui esquecida num canto empoeirado
do seu quarto,
da sua mente,
da sua vontade.

Eu, que um dia
iluminei seus olhos e embriaguei seus sentidos,
fui reduzida a objeto obsoleto.
Não mais capaz de entreter,
não mais digna de afeto.

Aliás — digna sim.
Digna da atenção burocrática,
daquela que se dá no fim do dia,
por obrigação,
quando não há mais coração,
quando já se esqueceu o motivo,
quando só resta o hábito.

Ele me devolveu à prateleira
porque eu não era mais útil.
E qual a serventia de um brinquedo quebrado?
Brinquedos não esperam amor de volta.
Servem.
São usados.
E descartados
quando já não entregam resultado.

Havia outra.
Mais próxima, mais promissora, mais acessível.
E o brinquedo que um dia lhe valeu cada centavo,
foi devolvido à estante.

No instante em que eu mais precisei
que ele puxasse minha corda,
brincasse comigo,
me amasse — como um dia fingiu,
ele me largou.

Suja.
Queimada.
Esmagada.

A mercadoria esquecida
na última fileira
da loja de suas memórias.